No dia 30 de julho ocorreu o Encontro Anual dos Empregados PSE e TI/SUPOP do Serpro do RS, na sede do Sindppd/RS em Porto Alegre.
A pauta do encontro foi a Reforma da Previdência e Desaposentação e, para discutir o assunto, houve a participação da advogada Marilinda Marques Fernandes, especialista em direito da seguridade social.
Marilinda comentou sobre as reformas estruturais no campo trabalhista e previdenciário que são apresentadas pelo governo brasileiro. A advogada comenta que na França foram aprovados aumento da jornada de trabalho, terceirização e outras medidas tomadas a revelia da população, que protesta. No Brasil, porém, para a advogada, há resignação e pouca solidariedade de classe, graças a grande estratificação social gerada pela desigualdade econômica que faz com que as lutas não estejam unificadas no país.
A maior parte das dúvidas levantadas pelos participantes do evento giraram em torno de questões previdenciárias, principalmente aposentadoria e desaposentação, e das mudanças atuais causadas pelas MP 739/16 e Lei nº13.135, de 17 de junho de 2015.
Sobre desaposentação, Marilinda explica que pode haver vantagem para quem seguiu trabalhando e ganhando salário melhor depois da aposentadoria, mas que hoje não há consenso nacionalmente sobre como se julgam os casos e há teses diferentes concorrendo no Supremo Tribunal Federal. No Rio Grande do Sul prevalece até agora a tese de que o segurado que se desaposentar deve devolver o dinheiro recebido como beneficiário de aposentadoria até então. A advogada atenta que este direito está em disputa e se deve ter cautela pois, mesmo que o segurado tenha protocolo administrativo encaminhado junto do INSS, não está assegurado esse direito.
A especialista comenta a trajetória de perda de direitos previdenciários no país começando com a emenda constitucional n. 20 do presidente FHC que instituiu o fator previdenciário como redutor do benefício de aposentadoria com o tempo de contribuição, o que prejudica principalmente mulheres em razão da maior expectativa de vida.
Em 1995 a Lei 9.032 retirou o direito ao acúmulo do benefício de auxílio acidente, ou seja, mesmo que a pessoa tenha um acidente em um dado momento, dias depois tenha outro e ainda um tempo depois um terceiro, e esteja com vários diferentes sequelas e incapacitantes, irá receber um único valor a título de beneficio auxílio acidente. Antes de 1995 metade do valor do benefício de auxílio acidente era acumulado com a pensão por morte. Após esta lei o auxílio passa a desaparecer com a morte do segurado. A advogada comenta que o auxílio acidente não se restringe aos acontecidos no ambiente de trabalho, estendendo-se a qualquer tipo de acidente, doméstico, esportivo e outros. Além disso, o benefício entra na base de cálculo da aposentadoria.
Depois de 1995 ficou mais difícil aceder ao benefício da aposentadoria especial, não bastando demonstrar ter exercido uma das profissões tabeladas como especial, sendo necessária hoje a apresentação de PPP que comprove o tempo de trabalho em condições caracterizadas como especiais.
A emenda constitucional n. 41 de 2003 estabeleceu a previdência complementar para o servidor público que ganha acima do teto da previdência pública. A advogada comenta como estes fundos de previdência privados são perigosos já que os valores recolhidos em grande parte das vezes são investidos no mercado acionário, sujeitos às oscilações do capital financeiro, podendo ser perdidos, a exemplo do que houve com o fundo de previdência complementar dos Correios e com o AERUS.
A lei nº13.135 de 17 de junho de 2015 alterou, dentre outras coisas, o valor do auxílio doença, sendo hoje calculado com base na média dos salários de contribuição do segurado para a previdência nos últimos 12 meses. O direito à pensão por morte também foi atacado, tendo sido estabelecida a carência mínima de dois anos para aceder ao benefício e sido modificado o tempo de recebimento da pensão, calculado agora de acordo com a idade do(a) viúvo(a), sendo vitalícia apenas para maiores de 43 anos de idade. Além disso, a lei abriu a possibilidade de privatização das perícias médicas.
A MP 739 de julho de 2016 introduziu as mais recentes modificações no campo da Previdência Social e prevê uma revisão de todos os segurados que recebem aposentadoria por invalidez, auxilio doença e benefício de renda mínima. A MP 739 também modificou o tempo de carência para recebimento dos benefícios por incapacidade, sendo necessária comprovação de 12 meses de contribuição anteriores à concessão do benefício.
No caso do benefício de salário maternidade passa a ser necessário comprovar 10 meses de contribuição antes do parto, sendo que antes a regra era que bastava a mulher comprovar que uma vez na vida havia contribuído para a Previdência. Esta mudança prejudica principalmente as mulheres mais pobres, trabalhadoras informais, autônomas e desempregadas, com reflexos futuros na vida e desenvolvimento da criança.
Para a advogada esta medida se trata de uma criminalização da pobreza, dos trabalhadores adoecidos e dos idosos. Marilinda comenta que o INSS não tem oferecido a reabilitação necessária aos trabalhadores, as perícias são rápidas e superficiais e que o país se encaminha para como se dá em Portugal, onde os trabalhadores após 45 dias de auxílio já são chamados para nova perícia.
Para Marilinda o próximo passo do governo interino para enxugar a previdência será mexer nos valores dos benefícios, desindexando-os do salário mínimo, aumentando o tempo de contribuição e idade mínimos para aposentadoria. Para ela é provável a equiparação da relação idade/ tempo de contribuição entre homens e mulheres, sob o argumento de que mulheres vivem mais, esquecendo que vivemos em uma sociedade machista onde é comum a tripla jornada de trabalho da mulher e onde mais da metade das chefes de família são mulheres. Neste caminho, afirma a especialista em seguridade social, irá se estabelecer um regime único de previdência e a contestação da aposentadoria especial de profissionais como policiais militares e professores.
Segundo a advogada o atual governo acabou com a Previdência Social ao desmembrar o ministério, deixando o INSS com o ministério de Desenvolvimento Social, e a Previdência, agora não mais social, na pasta da Fazenda. Os ataques do atual governo também se dão na esfera trabalhista, com propostas de descriminalização do trabalho escravo, terceirização, flexibilização das relações de trabalho e fazendo prevalecer o negociado sobre o legislado, entre outras. Mas, para Marilinda, ainda há tempo para conscientização, organização e mobilização dos trabalhadores no sentido de barrar as perdas de direitos anunciadas. A hora é de resistência, afirma a advogada, pois a história nos ensina que direitos sociais perdidos raramente voltam a ser reconquistados.
Texto e fotos: Carina Kunze
Entenda melhor a MP 739/2016
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