Proteção à maternidade – direito parcialmente revogado pela Medida Provisória 739/16
Por Marilinda Marques Fernandes*
Em 8 de julho de 2016 foi publicada a Medida Provisória 739, republicada em 12 de julho de 2016, dispondo sobre os benefícios por invalidez, instituindo o Bônus Especial de Desempenho Institucional por Perícia Médica e sobre os períodos de carência para aceder aos benefícios por incapacidade e salário maternidade após perda da qualidade de segurado.
Na base da mesma está subjacente a criminalização de pessoas com incapacidade, uma vez que estabelece como eixo principal a revisão de todos os benefícios de auxílio doença e aposentadoria por invalidez. Vistos à priori como um foco de desperdício da previdência, uma vez que, segundo os ideólogos da MP muitos beneficiários destes benefícios não teriam direito aos mesmos, sendo na sua maioria então “aproveitadores” do sistema. Este é um ataque sem precedentes ao instituto da maternidade ao estabelecer que o salário maternidade ficará dependente de contribuição mínima durante 10 meses, atingindo de forma direta as mulheres desempregadas e as trabalhadoras da economia informal. Ao mesmo tempo estabeleceram um regime de mutirão de perícias com bônus para os peritos por quantidade de perícias, mesmo sabido que por absoluta falta de tempo as perícias já vem sendo feitas de forma desumana e sem o perito estabelecer qualquer vínculo com o segurado adoecido.
DO SALÁRIO-MATERNIDADE
A licença maternidade foi reconhecida como direito no ordenamento jurídico brasileiro desde a CLT de 1943. Nos termos do artigo 392, o trabalho da mulher grávida estava proibido no período de 4 semanas antes e 8 semanas depois do parto. Além do direito ao “repouso” a maternidade também já era protegida pela garantia de proibição de rescisão do contrato de trabalho por motivo da gravidez, como uma medida de proteção ao trabalho e à família. Surgiu este direito na senda das recomendações dos organismos internacionais e por força da organização das mulheres na luta pela igualdade de condições de trabalho homem/mulher.
A Constituição de 1988 consagrou a proteção à maternidade como um direito social, previsto em seu art.6º, tendo estendido a licença maternidade para 120 dias. Por força do disposto na Constituição o artigo 392 da CLT passou a vigorar com a seguinte redação:
“A empregada gestante tem direito à licença maternidade de 120 dias (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário.” Ficou assim estabelecido que a mulher no período de licença-maternidade tem direito ao benefício do salário de maternidade pago pela Previdência Social. Por sua vez o salário-maternidade é prestação previdenciária de trato sucessivo, decorrente de imposição estatal, resultante de compromisso internacional (Convenção da OIT), prestação na modalidade benefício (pago em pecúnia) de caráter individual. Não é benefício familiar. Quanto à denominação, até para se manter uma linha de coerência em relação a outras prestações previdenciárias, seria mais adequado chamar a prestação de auxílio-maternidade, posto que a prestação não tem caráter salarial, mas previdenciário, desde a edição da Lei n. 6.136, de 07 de novembro de 1974 que deu natureza previdenciária à proteção da maternidade em cumprimento à Convenção da OIT n° 103/1950.
A proteção previdenciária da maternidade tem como finalidade a proteção da segurada no mercado de trabalho, bem como a saúde do recém nascido e não gera, deste modo, incentivo para o aumento da discriminação da mulher no mercado de trabalho. O salário maternidade intervém de forma direta como fator para minimizar a queda nas taxas de fecundidade e, sem dúvida, dinamiza a própria economia pois estimula a participação das mulheres no mercado de trabalho. Mais mulheres empregadas aumenta, por consequência, o pagamento de impostos sobre renda e cresce a arrecadação do governo.
DA CARÊNCIA
Ao salário maternidade tinham direito não só as seguradas em dia com sua contribuição como também as desempregadas, desde que tivessem trabalhado algum período antes do nascimento da criança. Entendia-se que teria direito desde que a última contribuição ao INSS tivesse acontecido até 12 meses antes do parto, ou 24 meses para quem contribuiu por, pelo menos, dez anos.
O período de “proteção previdenciária” podia ainda ser estendido por outros 12 meses se a mãe comprovasse continuar desempregada.
A ratio legis para o tratamento diferido (discrimen permitido) lança fundamentos na Convenção n/ 103 da OIT de 1950, que assegura tanto a proteção da mulher quanto a não-discriminação no mercado de trabalho. A legislação brasileira dispensava, até a publicação do MP 739/16, o cumprimento da carência para as seguradas que poderiam ser discriminadas no mercado de trabalho em face da maternidade, a saber, como já referimos, empregadas, empregadas domésticas e trabalhadoras autônomas.
Agora, por força da referida MP 739/16, serão exigidos 10 meses de contribuição antes do parto para que a mulher possa ter direito ao salário maternidade, atentando de forma expressa contra o disposto constitucionalmente, contra as convenções internacionais subscritas pelo Brasil na área do Direito do Trabalho e de Proteção a infância. Esta medida aponta de forma manifesta para um rumo contrário ao do processo civilizatório, expressando um retrocesso nas politicas de proteção ao trabalho, a infância e à igualdade entre homens e mulheres, penalizando de forma frontal as mulheres mais carentes, mais desprotegidas no mercado de trabalho e mais sensíveis, por isso, às crises econômicas.
A MP 739/16 é, sem dúvida, mais um instrumento de aprofundamento da desigualdade no Brasil. Impedir, por via do estabelecimento de carência, à mulher desempregada, à trabalhadora doméstica, à trabalhadora autônoma o recebimento do salário maternidade em nome do déficit primário é penalizar a mulher de hoje e o homem/mulher de amanhã. A insensibilidade dos atuais detentores do poder face a uma população cada vez mais carente e a sua subserviência aos ditames do capital financeiro nacional e internacional, empurram o Brasil para uma maior desigualdade e suas nefastas consequências.
Assim, é imperativo que se combata as medidas tomadas por via da MP 739/16 no plano formal do Direito e no campo da luta social, não legitimando por via da aceitação resignada essas medidas, resistindo, se manifestando, tomando as ruas e lutando por uma Previdência efetivamente Social.
Porto Alegre, 26 de julho de 2016
*Advogada especializada em Direito Previdenciário.