Trabalho dentro, trabalho fora: jornada e trabalho doméstico

mulheresPor Lygia Sabbag Fares Gibb e Ana Luíza Matos de Oliveira

Se considerado o tempo gasto com trabalho doméstico, os dados mostram que a jornada de trabalho total das mulheres é maior que a masculina no Brasil. E, além de trabalharem mais, as mulheres são maioria nos trabalhos de pior remuneração e nos sem rendimento.

Um tema pouco abordado é a desigualdade na distribuição do tempo de trabalho total no Brasil. Em nossa análise (mais desenvolvida AQUI), consideramos o tempo de trabalho dedicado à atividade remunerada no mercado de trabalho (tempo de trabalho mercantil ou trabalho produtivo) e também o tempo de trabalho dedicado à reprodução, ou seja, o trabalho doméstico não remunerado (tempo de trabalho reprodutivo).

Consideramos que existem muitas desigualdades em relação ao tempo de trabalho.

i) A primeira é a desigualdade de tempo de trabalho, entre os trabalhadores empregados e os desempregados.

ii) A segunda é entre a distribuição das jornadas de trabalho, o grande número de horas extras, as jornadas flexíveis, os contratos a tempo determinado, contratos a tempo parcial, os salários comissionados, entre outras formas de flexibilização do trabalho que variam a duração do tempo de trabalho, mesmo entre os empregados.

iii) A terceira diz respeito às questões de gênero: enquanto o homem dedica mais horas ao trabalho produtivo, reconhecido e remunerado pelo capital, sobre as mulheres recai o peso do papel de trabalhadoras reprodutivas, como discutiremos aqui brevemente.

Quanto ao item iii, consideramos que, para se ter visibilidade do tempo de trabalho total, é preciso atentar para outros fatores, por exemplo, gênero, já que a responsabilidade sobre o trabalho doméstico / reprodutivo – não reconhecido pela sociedade como trabalho –, em grande medida, recai sobre as mulheres, ainda que estas também exerçam trabalho remunerado: assim, é equivocada a ideia de que as mulheres são as responsáveis pelo trabalho doméstico por não trabalharem fora, pois os dados mostram que as brasileiras acumulam a função de trabalhadoras dentro e fora do lar, ocasionando em uma jornada de trabalho total alta, superior à dos homens.

Os dados para o Brasil mostram que a jornada no trabalho principal do homem é mais longa que a das mulheres, ou seja, ambos trabalham longas horas, mas os homens trabalham ainda mais.

As mulheres, apesar de terem jornadas de trabalho remuneradas em média menores que as dos homens, têm acrescidas à jornada de trabalho remunerada as horas de trabalho doméstico não remunerado (cozinhar, lavar, passar, limpar a casa e cuidar de crianças e idosos), o que caracteriza uma jornada dupla ou tripla: as mulheres gastam o dobro do tempo com afazeres domésticos em relação aos homens, como mostram os gráficos abaixo, e tal proporção não se alterou significativamente durante os anos 2000.

Percebe-se, também, que a quantidade de horas gastas por semana com trabalho doméstico tem correlação negativa com a renda: quando maior o rendimento, menor é a quantidade de horas médias gastas por semana com trabalho doméstico, indicando uma possível “terceirização” do mesmo. Os baixos salários e menos direitos permitem a contratação de trabalhadoras domésticas para a realização desse trabalho.

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Assim, se considerado o tempo gasto com trabalho doméstico, os dados mostram que a jornada de trabalho total das mulheres é maior que a masculina no Brasil. E, somado ao fato de trabalharem mais, os dados mostram que a proporção de mulheres é maior nos trabalhos de pior remuneração e no trabalho sem rendimento.

Desta forma, apesar da retomada do crescimento e da queda da desigualdade dos últimos anos, as grandes dívidas sociais da sociedade capitalista patriarcal se mantêm e a desigualdade de uso do tempo é uma delas.

E, se as mulheres com baixa escolaridade foram especialmente beneficiadas pelas melhorias do mercado de trabalho nos anos 2000, em 2015 – em um contexto de crise e de crescimento vertiginoso do desemprego -, as mulheres (e em especial as negras e com menor escolaridade) têm sua inserção no mercado de trabalho ainda mais fragilizada.

É importante dizer que o trabalho doméstico, apesar de em teoria não ser gerador de mais-valor (não ser “produtivo”), contribui para o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, porque viabiliza a reprodução da força de trabalho a um custo abaixo do necessário. Assim, o grande beneficiário desta distribuição desigual do trabalho, assim como das longas jornadas praticadas por homens e mulheres, em trabalho produtivo ou reprodutivo é o capital.

Dessa forma, a luta feminista e da esquerda pode optar pela bandeira da redução da jornada de trabalho – e não de mais mercantilização, nesse caso, do trabalho reprodutivo. Se fazem necessárias a redução da jornada, sem redução dos salários e com limite ou até proibição de horas-extras, e a conscientização de homens e também mulheres – já que muitas delas não sabem, minimizam ou menosprezam o valor imbuído no próprio trabalho reprodutivo – sobre a importância do trabalho reprodutivo e sobre a obrigação de partilhá-lo igualmente entre homens e mulheres.

Lygia Sabbag Fares Gibb é mestra em Globalização e Trabalho pela Universidade de Kassel na Alemanha, professora de Teoria Econômica na Faculdade FAPPES e doutoranda em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, IE/ Centro de Estudos Sindicais e da Economia do Trabalho – CESIT.

Ana Luíza Matos de Oliveira é economista (UFMG), mestra e doutoranda em Desenvolvimento Econômico (Unicamp).

Fonte: Brasil Debate

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