Qual o papel da Previdência na eleição e no mandato do próximo presidente?

Depois de negociar por mais de um ano com o Congresso e fazer várias concessões, o governo do presidente Michel Temer abriu mão do projeto que era sua prioridade: a reforma da Previdência. A suspensão da Proposta de Emenda à Constituição que altera as regras para o acesso a aposentadorias e pensões praticamente enterra as chances de Temer de aprovar a reforma em seu mandato.

Além da dificuldade em conseguir 308 deputados (entre os 513) dispostos a apoiarem uma medida impopular em ano eleitoral, há agora um impedimento legal. Emendas Constitucionais não podem ser votadas e aprovadas durante a vigência de intervenções em estados, como a que o governo federal decretou em 16 de fevereiro no Rio de Janeiro.

A intervenção vai durar, segundo o decreto, até 31 de dezembro de 2018. O governo tem a opção de suspendê-la caso constate que não há mais a necessidade de intervir na segurança pública do Rio.

Caso não haja a suspensão do decreto, a discussão sobre mudar as regras de acesso a aposentadorias e pensões fica para o próximo governo – que tem início marcado para 1º de janeiro de 2019. Mas, antes disso, há a campanha eleitoral, que começa em agosto e termina em outubro de 2018.

A situação da Previdência

Os gastos com a Previdência ocuparam, em 2017, cerca de metade das despesas primárias do governo federal – que não incluem os juros da dívida. O deficit, pela metodologia historicamente usada pelo Ministério da Previdência, foi de R$ 268 bilhões, juntando os regimes dos servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada. O deficit é a diferença entre o que se arrecada (contribuição previdenciária) e o que se gasta com a Previdência.

Esse cálculo é contestado por setores da esquerda, que argumentam que ele não leva em conta recursos que, pela Constituição, deveriam ser destinados à Previdência (contribuições da seguridade social). Esse dinheiro é usado para pagar outras despesas do governo e mesmo assim o resultado total do governo registrado nos últimos quatro anos é de deficit primário (isso sem contar os juros).

A reforma foi uma bandeira de Michel Temer, mas a necessidade de mudanças na Previdência era uma preocupação também do governo Dilma Rousseff. Ministros daquele governo, como o ex-titular da Previdência Carlos Gabas e da Fazenda Nelson Barbosa, admitem que será necessário uma reforma – apesar de discordarem da reforma específica de Temer.

Com a escolha do governo pela pauta de segurança pública, a reforma fica em segundo plano. Mas com o déficit crescente, é pouco provável que o assunto fique fora da pauta de discussões, seja na campanha, seja no próximo governo. Um futuro presidente, seja quem for, terá de lidar com restrições orçamentárias, o que pode levar à retomada do debate sobre as aposentadorias.

Diante deste cenário, o Nexo conversou com um cientista político e com um especialista em Previdência. A cada um deles, fez uma pergunta diferente:

Qual será o papel da reforma da Previdência na campanha presidencial de 2018?

Carlos Melo(cientista político e professor do Insper): Há uma tendência a se ignorar, acho que o tom da campanha vai ser sobre políticas públicas, ainda mais depois da intervenção. A segurança vai ser uma rota de fuga, mas em algum momento os candidatos vão ter que se posicionar sobre a Previdência. Vai ser periférico, vão dizer que é preciso fazer alguma coisa, mas não vão dizer o quê,para não assustar o eleitor. Quem pauta campanha é o próprio governo e os candidatos mais relevantes. A preocupação do eleitor é saúde, educação e segurança.

A Previdência não vai aparecer como um tema central, ela vai ser sempre um tema de mal-estar. Todos os candidatos sabem que é um problema, todos sabem que precisa fazer alguma coisa. Mas ninguém vai querer se comprometer com algo que possa desagradar o eleitor e abrir um flanco para ataques dos adversários. Todo candidato prudente, que tenha chance de ganhar, vai ter que mencionar, sugerir de alguma forma o que ele pretende fazer. Se ele não falar nada, pode ser acusado de estelionato eleitoral. Isso vai aparecer como um registro, salvaguarda.

O que pode acontecer e mudar esse cenário todo é: passada a eleição, uma aliança entre o candidato vitorioso, o atual governo e os deputados, eleitos e não eleitos, para a aprovação. É interesse do novo presidente da República, é interesse do atual, os deputados eleitos não correm mais perigo, os não eleitos não têm preocupação. Mas isso depende da articulação para criar essa janela de oportunidade entre novembro e dezembro.

Qual será o papel da Previdência no mandato do próximo presidente?

José Roberto Savoia (professor de Finanças da FEA-USP): Embora se fale em retomar a discussão após a eleição, eu considero muito improvável, em condições melhores o governo não alcançou quórum. Como o mais provável é ficar para o próximo governo, esse será um dos principais itens da pauta, senão o primeiro item da pauta. Quem assumir, vai encontrar um Orçamento bastante reduzido, com pouca margem para novos investimentos.

Não aprovar este ano já causa um impacto de R$ 14 bilhões. E quem assume quer fazer investimentos, produzir um avanço, crescimento econômico. Isso faz da reforma da Previdência um aspecto crucial. A não ser que vença um candidato de extrema esquerda, acredito que o eleito tentará a reforma no primeiro ano de mandato. O projeto que se tem hoje é uma base, mas de acordo com a preferência do eleito existe margem para mudança.

A idade mínima é um ponto fundamental, as pessoas já perceberam que não dá para se aposentar aos 55 anos – não dá pra jogar todo o esforço de esclarecimento já feito fora. Outro ponto é a diminuição da diferença entre trabalhador do setor público e privado, a população já percebeu a quem o sistema privilegia. Por outro lado, eu não vejo como restringir o acesso ao benefício pelos menos favorecidos, como a Previdência rural e o Benefício de Prestação Continuada. É o país que nós temos, um país que precisa, sim, de assistência social, amparar sua terceira idade.

É bom lembrar que reformas importantes da Previdência, em outros países, costumam avançar por anos. Na França, a discussão sobre o aumento da idade mínima demorou quase dez anos. Por isso, é importante tentar chegar a um consenso, ir amadurecendo o sentimento de necessidade e importância.

FonteNexo

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