O mês das mulheres de 2017 foi diferente dos de outros anos. Neste ano foram incorporadas às lutas e manifestações a respeito do direito de igualdade feminina, pautas e temas mais gerais, como as reformas da Previdência e trabalhista, tornando o dia internacional da mulher um dia de lutas de caráter classista. O fato de o 8 de março ter coincidido com pautas de resistência, como as paralisações dos dias 15 e 31 de março, retomou a onda forte de luta e fez com que exercêssemos de forma intensa a militância política e feminista.
O dia 8 de março em Porto Alegre madrugou. Começamos no IBGE, onde nos integramos com às mulheres e homens da instituição em evento da associação de funcionários. Maria Léa Santos Souza, da Associação dos Funcionários do IBGE, nos apresentou e fez uma breve introdução atentando para o dia de luta e a disposição do movimento para brigar pelos direitos, “as reformas trabalhista e previdenciária logo serão votadas. Precisamos discutir e, por isso, organizamos essa palestra com a Dra. Marilinda Marques Fernandes”.
Marilinda introduziu sua fala comentando dos movimentos feministas que deram origem ao dia internacional da mulher, sua história no Brasil e as conquistas de direitos, falando, após, dos impactos da PEC 287 nas trabalhadoras, além de outros aspectos que afetam todos os trabalhadores, contextualizando a situação política do país. “As reformas da Previdência e trabalhista é uma retirada de direitos, verdadeira perseguição aos beneficiários, sob o argumento da crise”.
Para Marilinda a situação internacional é de retiradas de direitos, considerados privilégios, “propostas como retirada de desoneração de grandes empresas, contra sonegação de impostos e de cobrança de dívidas com a Previdência, que poderiam torná-la superavitária, não são discutidas, uma falta de respeito com a população na velhice e na doença nas perícias do INSS”.
Maria Léa comenta que o regime de aposentadoria do IBGE tem três diferentes coberturas, dependendo da data de admissão do funcionário. Mesmo não estando sendo afetados diretamente em sua aposentadoria pela reforma, “no momento é preciso solidariedade com a sociedade e convencer os colegas a trabalhar para ajudar os outros a se aposentarem com qualidade de vida. Sabemos que a PEC 287 vai trazer problemas para todos, e que muitos trabalhadores no Brasil tem só o salário-mínimo. Se piorar, onde a gente vai chegar? Enquanto servidores públicos temos que ajudar e lutar pelos direitos de todos”.
Marilinda comenta sobre a Emenda Constitucional n° 41, a reforma de 2013 e outros muitos direitos que já foram mudados para os estatutários. Marilinda comenta “Como Marx diria, tudo que é sólido desmancha no ar. A Previdência mudou muito pelas várias emendas que recebeu desde 1988, em 98, em 2009, 2013, 2015, onde aparece o limite de idade pela fórmula 85/95, penalizando principalmente as mulheres e, agora, a de 2017 é a mais perigosa”. Há, com a terceirização do serviço público, uma tendência de enxugamento do Estado, precarização dos contratos de trabalho e, para Marilinda, por isso as reformas vem juntas, para “flexibilizar o contrato de trabalho, perder a estabilidade sem possibilidade de aposentadoria”.
Nelson Thome, da associação, comenta que esse enxugamento já se reflete no IBGE, que passará a ter uma central de atendimento nacional no Rio de Janeiro e substituição de concursados por funcionários temporários, contratados mês a mês. Nelson também alerta para entrega da Previdência pública para o capital privado e faz um chamamento a todos para participarem das paralisações. “Todos cairão na vala comum se não houver reação e unidade dos trabalhadores”.
Para Marilinda a lista de Janot pode parar as reformas e a quebra do estado de direito pode ter redefinições que podem atrasar o Executivo atual. Para finalizar, a advogada comenta que, apesar de ser um dia de luta, é uma “circunstância feliz começarmos o dia juntos, ainda mais no IBGE, que é um importante instrumento de respaldo da defesa do bem público e hoje saímos mais fortalecidos e unidos pela igualdade e o fim da violência contra mulher”.
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Do IBGE seguimos, ao final da manhã, para a Assembleia Legislativa, onde assistimos às palestras da Dra. Jeane e do Dr. César Roxo sobre a reforma da Previdência, junto às milhares de camponesas que realizaram no início da manhã uma grande marcha até a capital.
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Nem bem veio o meio dia e já estávamos no BADESUL, discutindo com as bancárias os atuais feminismos, pensando pautas da militância histórica e também novas frentes, discutindo mulheres trans, feminismo liberal, radical, negro e “outras características que não fragmentam, mas tornam mais rico e mais forte o movimento feminista”, as origens e a atualidade do feminismo, fazendo um apanhado histórico e um giro internacional sobre o grande dia greve mundial das mulheres, citando as principais lutas e desafios que ainda temos para seguir na luta pela igualdade.
A bancária Anna Maria Miragem, do sindicato dos funcionários do banco, observa que é difícil encontrar mulheres em vagas de chefia e que há preconceito, “são consideradas sempre como histéricas. O BADESUL tem muitas mulheres, e passam também por uma desqualificação pessoal apenas por serem mulheres, o que não ocorre quando se fazem críticas aos homens”.
Para Marilinda não basta eleger mulheres, elas devem se comprometer com o movimento feminista na política. Conforme comenta com Manoela Rocha, funcionária e delegada sindical do BADESUL e quem fez a abertura da palestra, o ex-goleiro Bruno, preso por assinar e esquartejar a namorada, que já foi solto e já tem proposta de contrato de trabalho em time da primeira divisão, além de uma nova namorada e centenas de fãs esperando, é um exemplo de como a sociedade lida com a violência contra mulher na atualidade, naturalizando. E o machismo está no dia a dia, na educação, na divisão sexual dos brinquedos, e nessas horas se percebe a importância do feminismo e da luta por igualdade, nesse e em todos os ambientes das relações pessoais. Na educação das crianças é que se percebe a relação desigual, o machismo está na criação, na vida doméstica. Os homens têm que ter mais envolvimento para mudar isso, porque as mulheres não vivem numa ilha.
Marilinda comenta a caricatura que se faz das mulheres com consciência pelos homens para enfraquecer e desacreditar o movimento feminista, afirmando que “é preciso desconstruir a ideia e construir um novo homem e que mesmo as mulheres são machistas, e acabam fortalecendo esses estereótipos e reproduzindo o egocentrismo. A mãe que idolatra seus filhos gera homens que buscam nas relações sociais e amorosas a idolatria da mãe, não tendo respeito e nem tratando com igualdade, moralistas, controladores e, enquanto isso, as mulheres competem entre si. Tudo isso não passa de uma construção cultural. Em vez de disputar, as mulheres devem se unir, mas se afastam. Assim, com essa realidade, se justifica a nossa luta, o feminismo e o 8 de Março que estamos realizando hoje, pois estamos longe da igualdade”.
Para finalizar, Marilinda afirma que “estes são importantes espaços de compreensão da realidade e, principalmente, de rompimento com o individualismo, tão presente no local de trabalho, que reproduz machismo, racismo e impede a construção do futuro que queremos”.
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Do BADESUL fomos para a Justiça Federal, em palestra organizada pelo SINTRAJUFE, onde se discutiu de forma mais profunda a retirada de direitos das mulheres que se apresenta por via da PEC 287 e a reforma da Previdência Social proposta pelo governo federal.
Marilinda discutiu a reforma em detalhes, apresentando dados que tratam da mudança do tempo de contribuição, idade mínima para aposentadoria, a equiparação de tempo entre mulheres e homens e trabalhadores do campo para aposentadoria.
Porém, para a advogada, “no dia 8 de Março é bastante importante discutir e a observar que as mulheres têm menor inserção no mercado de trabalho, com contratos mais flexíveis, são a maioria nos trabalhos informais, têm maior rotatividade nos empregos, menores salários e as mulheres do campo ainda menos. 61% do mercado informal é composto de mulheres e, das trabalhadoras domésticas, 95% são negras, ou seja, estas serão mais afetados e terão piores condições de vida. A realidade é que muitos não conseguirão contribuir por 25 anos e a maioria não vai viver até os 65 anos”.
A advogada comenta que, de acordo com o Ipea, a jornada de trabalho das mulheres é de 56 horas semanais, 7 a mais que homens, em função da dupla jornada de trabalho cuidando da prole, função social que deve ser considerada, e do trabalho doméstico. “Mulheres sofrem o machismo na educação e há desigualdade de gênero elas são empurradas para profissões relacionadas ao cuidado, como saúde e educação, e desencorajadas de estudar tecnologias, engenharias, áreas consideradas masculinas. Se deve lutar para se obter a licença maternidade e paternidade dividida igualmente entre a mãe e o pai da criança.
Para Marilinda, o desmonte do INSS se dá no momento que se aceita a quebra do estado de direito, “onde qualquer coisa é possível. Sonegadores como o banco Itaú, empresas como Friboi, grandes empresas, não são cobrados, o que demonstra um pouco que o deficit é um discurso ideológico. Na Previdência não podemos aceitar que o custeio do INSS seja apenas feito pela folha de salários dos trabalhadores, baseado numa lógica da 1a Revolução Industrial quando na realidade estamos vivendo uma 4a Revolução Industrial e há uma minoria lucrando. A reforma deve ser no sentido de cobrar a partir dos grupos e das empresas o custeio da Previdência, e não sobre a folha de pagamento. É preciso revisão das desonerações fiscais, cobrar campeões exportação que não contribuem para Previdência somente para poderem competir melhor no mercado internacional, e também de algumas empresas consideradas filantrópicas. É preciso mais reforma fiscal para taxar grandes fortunas. Acionistas, por exemplo, não pagam impostos sobre os dividendos do capital financeiro.
De acordo com Marilinda a pensão por morte também será modificada, o(a) viúvo(a) do(a) segurado(a) terá direito a 50% do seu salário de benefício mais 10% para cada filho dependente, sendo que o valor será desvinculado da base do salário mínimo. A aposentadoria também não poderá mais ser acumulada com pensão. Além disso, outra mudança, que afeta pessoas que trabalham principalmente nas áreas da saúde e educação, é que não será mais possível acumular aposentadorias de regimes diferentes, no caso para pessoas que contribuem para 2 ou mais regimes, terão que se aposentar em apenas um. Marilinda lembra que a Lei 13135/2015 modificou as regras para obtenção da pensão, modificando também o tempo de recebimento da mesma em função da idade e estabelecendo como carência mínima da união dois anos..
Marilinda comenta também do pente fino realizado pelo governo Temer a partir da MP 749 que realizou perícias em todos os beneficiários de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, mutirões de atendimento cada vez mais rápidso em que os peritos recebem R$ 60 a mais em seu salário por perícia realizada. Como resultado, 9 em cada 10 beneficiários estão recebendo alta. Para Marilinda, “essa medida sobrecarrega a justiça, pois quem tem negado o seu benefício tem ido buscá-lo processando o INSS”.
Para Marilinda “o que ser avizinha é que trabalhadores sejam cada vez mais empurrados para os benefícios de prestação continuada, que serão no valor de uma porcentagem do salário mínimo para apenas pessoas com mais de 70 anos. Vai ser raro alguém se aposentar e aumentará a miséria do país.
Por fim, Marilinda conclama os trabalhadores do Sintrajufe a se unirem com a classe e “cumprir a dívida histórica de resistir pela previdência, que não deve ser somente para uma minoria”, afirmando que a PEC 287 irá destruir a Previdência como direito humano e o INSS como instrumento de combate à desigualdade e redistribuição de renda.
Para a especialista em direito da seguridade social, “não há um fundamento técnico nem deficit que justifique essa reforma. Há uma vontade política de abrir um novo mercado para a previdência privada no país, colocando a dignidade humana abaixo do interesse do lucro. O ministro da Previdência, Marcelo Caetano, é consultor de empresa de previdência privada, BrasilPrev”. Marilinda também lembra que as aposentadorias dos militares também não serão modificados
De acordo com a representante do Sintrajufe na mesa, Camila, os funcionários estatutários já estão sendo orientados a contribuir para construir fundos de previdência privada. Para o sindicato, “a PEC 55 congelou salários e investimentos em ações sociais e agora a PEC 287, que ainda por cima, para cada ano que aumentar a expectativa de vida da população, aumentará os anos de contribuição e a idade mínima para se aposentar, é um ataque frontal para o trabalhador viver para trabalhar e trabalhar até morrer”. Na fala, se posicionaram contra a terceirização e as reformas trabalhistas e previdenciárias, que “é o preço que o governo quer pagar pelo golpe que deu no país. Querem aprovar a toque de caixa para evitar a resistência. Por isso, quanto mais as pessoas se informam, mais ela se colocam contra a reforma, que inviabiliza o sistema de previdência pública e afeta a todos, ninguém está a salvo nessa conjuntura pós golpe de rompimento com a institucionalidade”.
Para ela, “o deficit é um argumento para convencer a população, mas é uma chantagem do governo, que põe em risco projetos sociais afirmando que se não for aprovada a PEC 287 não pagará nem o bolsa família, nem as pessoas irão mais se aposentar, se nem ao menos questionar uma reforma fiscal, a sonegação de impostos, as dívidas das empresas com a Previdência. Hoje o Chile está voltando atrás para validar o regime de Previdência do Estado. Esse governo autoritário e misógino está desgastado desde a crise de 2008 e o receituário do capital financeiro é de austeridade, medidas que trarão recessão. Não há um projeto de desenvolvimento da nação”.
Cristiano Moreira, diretor do sindicato, comentou na fala final como as mulheres têm sido protagonista dos movimentos sociais no país e no mundo, e sobre o Fórum contra a reforma, com mais de 20 movimentos de segmentos sociais envolvidos, que realizam iniciativas contra a reforma da Previdência, como a ação civil pública que impediu a campanha publicitária do governo federal falando do déficit. Para Cristiano “a crise faz com que seja duro ter um emprego estável e salário, a maioria nem tem como fechar o mês, não pensará na aposentadoria. Todos têm dois empregos, sem dignidade, sem comida na mesa, não é fácil, mas é preciso solidariedade”.
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Terminamos o dia na esquina democrática com uma multidão de homens e mulheres que fizeram mais uma página de luta e resistência na história, contra as reformas e a retirada de direitos trabalhistas e previdenciários e contra uma sociedade que segue machista patriarcal perpetuando a violência contra mulher.
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Texto, fotos e vídeos: Carina Kunze