Dra. Marilinda debate a reforma da Previdência com estudantes do Ensino Médio no Colégio Estadual Cônego Paulo de Nadal

No dia 4 de abril, às 20h, a Dra. Marilinda Marques Fernandes, advogada especialista em direito da seguridade social, realizou palestra no Colégio Estadual Cônego Paulo de Nadal, no bairro Cavalhada, em Porto Alegre, para professores e alunos do Ensino Médio e EJA, sobre a Reforma da Previdência, proposta pela PEC 287, e seus impactos à classe trabalhadora.

A professora Katiana Pinto dos Santo apresentou a palestrante, introduziu a atividade para os estudantes “Hoje teremos uma aula diferente, sobre a reforma da Previdência, que vem para tirar direitos dos trabalhadores”.

Marilinda comentou da alegria de ver os estudantes sentados fora da estrutura formal de salas de aula, citando um professor que defende que “a escola deve estar fora da escola, e os alunos devem estar juntos, em coletivo, discutindo os caminhos do saber. O saber é a maior riqueza da vida, para não ser manipulado, obter a capacidade crítica. Adquirir saber é fundamental para se tornar cidadão, com a capacidade de viver sem ser enganado, e a reforma da Previdência é uma dessas enganações daqueles que querem passar o povo para trás. E você pode dizer: “Reforma da Previdência? Isso é assunto de velho!”, mas a Previdência Social é um direito humano, para as pessoas terem condições de ter uma vida digna, principalmente quando na hora da doença, da velhice e da morte. Para que haja amparo para a população isso é algo que deve ser pensado todos os dias”.

A advogada relembra que na época em que a maior parte da humanidade “vivia da produção agrícola a Previdência era exercida por familiares, vizinhos, amigos, que operavam em solidariedade, não havia apoio do Estado. Mas, com o desenvolvimento industrial e o mercado de trabalho se ampliando no país, foi necessário responder as reivindicações por direitos dos trabalhadores, que incluíam, sim, crianças, menores do que vocês, no Ensino Médio, que trabalhavam sem férias, 10, 12 horas por dia, sem direitos, a maioria sofrendo acidentes e amputações. A exploração gerou um sentimento de que o Estado tinha que assegurar ao trabalhador a proteção, reivindicada em greves”.

Marilinda cita Bismarck, criador do primeiro sistema previdenciário, na Alemanha, e todas as greves que ocorreram no Brasil, principalmente em 1917 e 19, cobrando do Estado esses direitos. Somente em 1923 surgiu o primeiro sistema de previdência no Brasil, sob a égide da Lei Eloy Chaves, “mas funcionava por categoria de profissões, e os excluídos do mundo do trabalho seguiam abandonados. A primeira instituição brasileira de previdência social de âmbito nacional foi criada em 1933. A Constituição de 1934 foi a primeira a estabelecer a forma tripartite de custeio: contribuição dos trabalhadores, dos empregadores e do Poder Público.

Marilinda relembra a aprovação da terceirização irrestrita de trabalho no país, sancionada semana passada pelo presidente interino, afirmando ser uma violação da CLT, que regula a relação capital trabalho desde 1936, lembrando também do recente congelamento de investimentos e gastos sociais por 20 anos (emenda constitucional nº95), aprovado por este mesmo governo no ano passado, incentivando que “deve-se defender as políticas públicas sociais gratuitas, como a educação e a saúde, mas também a Previdência, mesmo sendo este um direito apenas para quem contribui”, lembrando que, em alguns países, sobretudo nas sociais-democracias nórdicas, a Previdência não é contributiva.

Para a advogada, “muito do imposto que se paga no país é desviado para pagamento da dívida para com o capital financeiro nacional, os bancos, verdadeiros abutres, consomem quase 50% do orçamento do país por ano. A elite rentista no poder compra títulos do Tesouro para lucrar com juros. Para este governo o dinheiro dos rentistas é sagrado. A Previdência e os benefícios sociais não são prioridades do governo, que diz, em sua campanha chantageando intimidando a população, que se não houver Reforma não receberão aposentadoria, bolsa família, alegando que a Previdência sofre com deficit, algo que os auditores da receita contestam”.

A especialista em direito previdenciário relembra que Previdência Social é financiada pela contribuição do trabalhador, descontado em sua folha de salário, e por impostos, como Cofins, PIS/PASEP, loterias e outros, “mas o Ministério da Previdência Social hoje está vinculado a Fazenda, ao gestor financeiro, que usa a lógica da lucratividade. A Previdência não é uma rubrica orçamentária, é dever do Estado. As políticas devem ser inclusivas e as pessoas estão sendo excluídas, se tornando marginalizadas.

A PEC 287 é mais uma forma de reduzir gastos com a população, e só terá direito a se aposentar quem tiver no mínimo 65 anos de idade, independentemente se for homem ou mulher, “ignorando a função social da maternidade e a dupla jornada com o trabalho doméstico, em um país que não tem licença paternidade e onde as mulheres são as que têm os trabalhos mais precários, com contratos mais curtos e são maioria no trabalho informal. As mulheres do campo começam a trabalhar muito cedo, quando crianças, e em alguns estados a expectativa de vida é menor que 65 anos. Além disso, estudos mostram que as pessoas mais pobres adoecem mais”.

O mínimo de anos de contribuição para obtenção de aposentadoria por idade, que hoje é dia 15 anos, passará a ser de 25 anos. Para Marilinda, “com a terceirização e o enfraquecimento do vínculo empregatício de longa duração, principalmente concentrado entre as mulheres negras, que têm trabalhos mais precários e informais, não haverá condições de comprovação de contribuição por tanto tempo, com a alta rotatividade de emprego e, no caso das mulheres do campo, serão mais excluídas ainda, pois, em uma família que não tem quase nada, quem contribuirá será o pai/marido”.

Para a advogada, “esse discurso de deficit é uma forma do governo quebrar a previdência, fazendo com que os jovens não queiram mais contribuir, aproveitando-se do pensamento imediatista da nova geração. Mas é preciso pensar em um futuro que respalde a velhice, e é preciso lutar para ter carteira de trabalho assinada, para o caso de haver um acidente ou uma doença. É preciso pensar na pensão que se deixará para os familiares, e que também será modificada pela PEC 287, desvinculada do salário mínimo, assim como os benefícios de prestação continuada, e cujo valor será de apenas 50% mais 10% por dependente do salário de benefício do(a) segurado(a) falecido(a)”.

O benefício de prestação continuada, que hoje é assegurado para maiores de 65 anos, pobres, que não contribuíram o suficiente para aposentar-se, com a PEC 287, será menor que o salário mínimo e apenas para maiores de 70 anos de idade. Para Marilinda, “o vínculo empregatício fragilizado e a Previdência restrita. Ainda por cima, o cidadão tem que trabalhar 49 anos para se obter 100% do salário de benefício, sem contar que o cálculo do salário de aposentadoria que será obtido, que é calculado a partir da média dos 80 melhores salários do trabalhador desde 1994, hoje será baseado em uma média dos 100% dos salários da carreira do trabalhador, rebaixando a média daqueles com origens mais humildes, que começaram a trabalhar ganhando menos.

O tema da Previdência é complexo mas estamos debatendo para proteção do futuro próximo e essa reforma atingirá a todas as famílias, como já atingiu o atual pente-fino, protagonizado pela MP 279, do governo Temer, que estabeleceu um mutirão de perícias e dá alta sumária aos beneficiários de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, em um declarado preconceito com aqueles que são considerados “encostados”, tirando o sustento de pessoas doentes, alguns acidentados e com incapacidade para o trabalho”. Marilinda comenta que com a reforma também será modificada a regra de cálculo para obtenção do auxílio doença, que será apenas no valor de 51% do salário de benefício.

Marilinda comenta que “o discurso é igualar, mas toda essa reforma não se aplica aos militares. Como nós não temos a armas para nos garantir, temos que nos reunir, lutar e resistir, enfrentando os poderosos para manter os direitos conquistados na Constituição Federal. Não podemos deixar que retirem nosso direito. Os que detêm hoje o poder no país representam o capital, poderosos, sem identidade conosco. O princípio da Igualdade será ferido gravemente com essa reforma e aumentará o número de excluídos.

A advogada comenta que o receituário que está sendo aplicado no Brasil já foi introduzido em outros países, como Portugal, Grécia e Espanha, desde 2008. “Porém, agora em Portugal, a austeridade reduziu o Estado e suas politicas de desenvolvimento. Não havia mais emprego, mas agora está um governo de centro esquerda que aumentou o valor das aposentadorias, pensões e o salário mínimo.

Abrindo o debate para falas do público, o estudante Murilo comenta como “esse assunto parece distante do Ensino Médio, mas a reforma previdenciária, trabalhista e a PEC que congela gastos, são o nosso futuro. Não iremos nos aposentar!. Cabe salientar que a Previdência não foi feita para gerar lucro, ela existe para acolher. Não podemos deixar que atual governo, ilegítimo, misógino e elitista, que reforma o Ensino Médio, assassine a todos nós, nos matando de trabalhar, se, fazermos nada, sentados assistindo o telejornal”.

Marilinda comenta que o direito das pessoas com deficiência, que têm tempo de contribuição e idade mínima para aposentadoria reduzidos, também será modificado com a reforma. Na nova regra o valor será de 51% do salário de benefício, mais 1% por ano trabalhado, e não mais de 100%. A aposentadoria especial, aos 25 anos de serviço, que é direito de várias categorias, vai ser restringida, “incluindo professores, apesar de ser uma classe organizada e as greves terem feito com que fosse excluído da reforma as categorias de professores e policiais militares, elas serão objeto de reformadas a serem levadas a cabo pelos estados”. As regras de transição, para Marilinda, são injustas, ao serem apenas baseadas no critério da idade.

Para a advogada “a quebra do estado de direito, criada pelo evento do impeachment, gerou uma situação de exceção, em que tudo é possível, não há garantias na esfera dos direitos sociais, pratica-se de forma reiterada a criminalização dos movimentos sociais. É importante lutar contra essa reforma, para não comprometer o amanhã melhor que queremos. Hoje são 13 milhões de desempregados no país, e é preciso romper com este ciclo. Sem emprego não há consumo e dinâmica na economia, sem desenvolvimento a economia fica estagnada. não temos como sair deste círculo asfixiante. Os últimos governos petistas levaram a cabo várias políticas de inclusão mas, infelizmente, não fizeram reformas estruturais que se impunham, como a agrária, da taxação de ,grandes fortunas, reforma fiscal, de combate à sonegação, reforma partidária e, sobretudo, da mídia. Temos que enfrentar os mecanismos que aprofundam a desigualdade e a exclusão, sem isso o Brasil continuará a perpetuar-se como uma sociedade dilacerada pela pobreza e pela violência. Não se trata de deficit fiscal, mas sim deficit social!”.

Texto e fotos: Carina Kunze

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