TRT4 cassa decisão que determinava apresentação pelo trabalhador de valores líquidos na petição inicial de ação trabalhista

A 1ª Seção de Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) cassou decisão de primeira instância em que o juízo da 5ª Vara do Trabalho de Porto Alegre determinou que um trabalhador indicasse valores líquidos de pedidos feitos em sua ação trabalhista. Ele discute, no processo, diferenças de salário por desvio de função, e o magistrado de primeiro grau determinou que a petição inicial do processo fosse emendada para constar o valor líquido das parcelas pleiteadas. Entretanto, no entendimento dos desembargadores da SDI-1, esse procedimento fere o princípio constitucional do acesso à Justiça, já que a parte não tem condições, no início do processo, de indicar valores absolutos, por não ter acesso a documentos em guarda da empresa e não poder avaliar o conteúdo das provas que seriam produzidas durante a tramitação da ação.

A decisão cassada pela SDI-1 foi baseada na nova redação do artigo 840 da CLT, dada pela recente Lei 13.467, a chamada Reforma Trabalhista. Segundo o dispositivo, a parte deve apresentar ao Poder Judiciário pedidos certos e determinados, com indicação dos valores atribuídos a cada um. Nesse sentido, o magistrado de primeira instância deu prazo ao trabalhador para que a petição inicial fosse emendada, conforme indica a nova norma.

Lesividade

Na avaliação do relator do agravo regimental apresentado à SDI-1, desembargador João Paulo Lucena, o procedimento determinado pelo juiz de origem traz riscos ao trabalhador, já que seu processo pode ser extinto, sem resolução de mérito, caso os valores apresentados não se revelem exatos. Como explicou o relator, caso a parte informe valores maiores que os apurados posteriormente, poderia haver aumento proporcional no pagamento de honorários de sucumbência, em pedidos considerados improcedentes. Por outro lado, segundo Lucena, se os valores informados forem menores que os resultados finais do processo, haveria prejuízo ao trabalhador, já que seus direitos seriam pagos de forma reduzida em relação ao resultado concreto da ação trabalhista.

Como frisou o relator, a decisão da SDI-1, tomada por unanimidade,  não discute a eficácia ou não da nova redação do artigo 840 da CLT, estabelecida pela Reforma Trabalhista, mas, do ponto de vista do desembargador, o texto ainda deve passar por mais análises e interpretações por parte dos juízes do Trabalho.

Guarda de documentos

No entendimento do magistrado, a quantificação do pedido trabalhista na petição inicial do processo depende do manuseio de diversos documentos que, por incumbência legal, ficam guardados pela empresa, e não pelo trabalhador. Como exemplos, o desembargador citou recibos que servem como provas de pagamentos de salários e de horas extras, ou controles de ponto que comprovem a jornada cumprida pelo trabalhador. “O empregado não possui o dever legal de guardar recibos, manter registros de horários ou os comprovantes do nexo causal do pagamento correto de uma determinada rubrica salarial”, explicou Lucena. “Portanto, a única possibilidade de lhe garantir o acesso à justiça, é entender que estes tipos de pedidos têm característica de pedidos genéricos e estimativos, pois se enquadram na exceção do art. 324, § 1º, III, do CPC, uma vez que a determinação do valor depende de ato a ser praticado pelo réu, qual seja, a apresentação dos documentos que estão em seu poder”.

Produção de provas durante o processo

Conforme Lucena, o Processo do Trabalho é marcado pela concentração e oralidade dos atos processuais, e as provas são apresentadas em audiência, sendo que apenas após estabelecida a controvérsia e decidido o pleito é que se determinam os valores a serem quitados. “Antecipar esse procedimento seria subverter a própria lógica do processo e dar causa a inúmeras complicações no julgamento”, explicou o relator, ao observar que a produção antecipada de provas no Processo do Trabalho é exceção, não regra.

Caso concreto

Como ressaltou o desembargador ao focalizar especificamente o caso dos autos e diante da nova redação do artigo 840 da CLT, a análise deveria ser empreendida no sentido de saber se os pedidos pleiteados poderiam ser enquadrados nas exceções previstas pelo Código de Processo Civil, para casos em que os valores a serem pleiteados podem ser apresentados de forma apenas estimativa e não absoluta.

Nesse sentido, o magistrado observou que o processo versa sobre parcelas salariais já vencidas e que venceriam no futuro, após o ajuizamento da ação. Assim, o trabalhador não teria como calcular valores líquidos de parcelas vencidas, já que seria impossível estabelecer de forma exata a duração do processo e, conforme a duração do feito, o número de parcelas aumentaria ou diminuiria. Por outro lado, como destacou Lucena, de acordo com a argumentação da defesa, o trabalhador não tem acesso a tabelas de cargos e salários atualizadas, o que também o impossibilitaria de fixar valores exatos para as diferenças de salário pleiteadas. “Desse modo, identifico no caso em análise clara violação a direito líquido e certo da parte, pelo que prospera a pretensão formulada para ver afastada a determinação concernente à imposição de aditamento da petição inicial”, concluiu.

Fonte: TRT-RS

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