Desde a última segunda-feira (22), pessoas que tiveram o pedido de auxílio emergencial negado podem fazer a contestação de graça pela DPU (Defensoria Pública da União), sem precisar pagar um advogado particular ou entrar com um processo judicial. O anúncio da parceria entre a DPU e o Ministério da Cidadania abriu uma nova frente para corrigir erros na análise dos cadastros, mas não garante a solução do problema.
Em entrevista ao UOL, Atanasio Lucero, defensor nacional de direitos humanos da DPU, explicou como funciona o procedimento e deu recomendações para quem está com erros na análise do cadastro.
O serviço prestado pela DPU está disponível apenas para quem mora em regiões atendidas por uma das 70 unidades. A DPU está presente em todas as capitais e mais 43 municípios. Como o auxílio emergencial é um programa do governo federal, as defensorias públicas estaduais não podem atuar.
Atanasio Lucero afirmou que o principal avanço do acordo com o ministério é que a DPU pode agora acessar diretamente bancos de dados do governo. Se a defensoria tiver em mãos documentos que comprovem erro no sistema, ela tem um canal rápido para corrigir a análise e aprovar o auxílio emergencial.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
Com funciona a parceria entre a DPU e Ministério da Cidadania?
A DPU sempre atuou com pedidos relacionados ao auxílio emergencial, porque é uma atribuição da DPU dar assistência jurídica às pessoas em causas federais.
Por conta do volume muito grande [de pedidos de revisão do cadastro no auxílio emergencial], o Ministério da Cidadania entrou em contato conosco para organizar alguns fluxos de troca de informação. A gente tinha dificuldade em acessar informações que levaram ao indeferimento [negação do pedido].
DPU e Ministério da Cidadania são órgãos diferentes. A DPU é autônoma. Mas agora o cidadão tem mais essa porta de entrada para contestar o pedido de auxílio negado.
A ideia é que os processos sejam resolvidos de forma administrativa, sem precisar passar pela decisão de um juiz?
Exatamente. O mote principal é a solução extrajudicial. A gente pode apresentar a documentação diretamente no ministério, e ela vai ser aceita para superar algumas travas que levaram ao indeferimento.
É para solução rápida do problema. Mas apenas em casos específicos. O defensor que receber o processo tem autonomia para decidir qual o melhor caminho, de acordo com a documentação.
Já foram anunciadas algumas formas de contestar a negativa, mas muita gente ainda não conseguiu receber o auxílio. Como essa iniciativa pode dar alguma resposta a essas pessoas?
É um programa que está em construção. A perspectiva com o lançamento dessa parceria é que a gente possa ajudar na análise, verificar alguns documentos e, em vários casos, conseguir a aprovação quase automática do auxílio, em questão de dias.
Mas, deixando claro: a DPU está presente em cerca de 70 cidades no Brasil, atendendo unicamente aquela cidade e algumas na região. Somos uma instituição muito pequena. Temos cerca de 640 defensores em todo o Brasil e nem todos atuam no auxílio emergencial.
Qual a orientação para quem ainda não conseguiu o auxílio, mas que também não tem acesso a serviços da DPU no seu município?
Nos locais não abrangidos pela DPU, existe a opção de buscar a Justiça Federal e entrar com uma ação judicial sem advogado. Como são questões bastante simples, de mero cadastro, não me parece que vai haver uma dificuldade.
Num mundo ideal, a pessoa pode buscar um advogado, mas pagamento de advogado não está no orçamento da maioria neste momento.
Quem mora em cidade com unidade da DPU e teve o pedido negado por erro do sistema, o que deve fazer?
A gente pede veementemente que a pessoa não compareça à unidade da DPU, a menos que seja solicitada. Existem unidades que estão abertas, mas são exceções. A maioria está fechada, com atendimento remoto.
Recomendo que as pessoas acessem o site da DPU. Lá há telefones, emails, e algumas unidades têm formulário de atendimento jurídico.
Telefone para a unidade, até para saber o que precisa para o processo. Recebemos muitos emails, mas nem sempre têm as informações essenciais. Certamente, nos primeiros dias haverá alguma indisponibilidade telefônica, mas a pessoa vai conseguir entrar em contato conosco.
Quais documentos são necessários para recorrer do pedido de auxílio negado?
Geralmente são os documentos de identificação básicos, além da tela do indeferimento e os documentos que provam que a análise está errada. Os formulários online são bem guiados, passo a passo, com os documentos de que precisamos. Se o defensor precisar de mais alguma informação, vai solicitar. Mas tudo isso vai ser virtual, a menos que o defensor solicite que a pessoa compareça.
Na segunda-feira (22), o Ministério da Cidadania divulgou uma portaria com os principais documentos que devem ser apresentados para contestar um pedido indeferido, conforme a resposta que a pessoa recebeu.
Estão circulando nas redes sociais muitos formulários que seriam de unidades da DPU. Eles são confiáveis?
O formulário confiável está em duas fontes específicas: no site da unidade ou no email enviado diretamente pela DPU. Os formulários estão em plataformas diferentes dependendo da unidade. Alguns estão no próprio site, outros em Google Docs.
Peço que as pessoas não cliquem em links recebidos pelo WhatsApp.
Algumas pessoas em cidades sem unidade da DPU estão preenchendo formulários de outras localidades. Elas podem ser atendidas?
Não. Certamente, o formulário vai ser negado porque elas não moram na cidade atendida.
Existem casos em que o auxílio foi negado por erros nos sistemas do governo. Por exemplo, pessoas que aparecem como se fossem funcionários públicos por causa da Rais de 2018, ou ex-candidatos que não foram eleitos mas aparecem como se tivessem mandato. A DPU pode solucionar esses problemas?
Sim. Essas são duas hipóteses que já estão previstas como viáveis para contestação administrativa. Depende da documentação que for apresentada.
Para ex-servidores estaduais e municipais na base da Rais de 2018, é necessário apresentar ato que comprove a exoneração. Com essa documentação, o auxílio pode ser imediatamente liberado.
A questão dos candidatos não eleitos também, com alguns documentos, a gente consegue resolver rapidamente. Porque existe um entendimento entre a DPU e o ministério de que é uma questão fácil de ser solucionada, por ser um mero erro de banco de dados.
Existe uma previsão de quanto tempo demora a análise pela DPU?
O acordo com o ministério não impõe um aumento na capacidade de atendimento da DPU.
Diferentemente da Dataprev, que conseguiu atender milhões por fazer uma análise cadastral, a gente vai fazer uma análise humana. E cada unidade da DPU tem uma capacidade própria, que depende da estruturação interna, do número de defensores e de servidores.
É uma demanda muito grande. Mas, uma vez instaurado o procedimento com os documentos necessários, é muito rápida a resolução do problema.
Ao assumir esse compromisso com o ministério, a DPU entrou no foco de um problema que afeta muita gente em situação de desespero. Em Recife já houve até protestos na porta da DPU. Como os defensores estão lidando com isso?
A situação ficou bastante desconfortável internamente, porque muitas pessoas entenderam errado. Esse acordo com o ministério visa dar subsídio para atuar com mais segurança agilidade, mas a DPU não se tornou uma porta de entrada obrigatória para quem teve o auxílio negado. Nossa capacidade de atuação é limitada.
Texto: Filipe Andretta
Do UOL, em São Paulo