Uma técnica de enfermagem do Hospital Conceição, de Porto Alegre, ganhou o direito a ter reduzida sua jornada de trabalho em 50% para que consiga supervisionar e acompanhar sua filha autista, de 14 anos, aos atendimentos de que necessita em virtude do transtorno. Com isso, a empregada deve ter o número de plantões reduzidos pela metade no Hospital, sendo que as jornadas devem ocorrer no período noturno e coincidir, preferencialmente, com finais de semana e feriados, como solicitado em juízo pela trabalhadora. A instituição hospitalar, no entanto, pode reduzir proporcionalmente a remuneração da empregada.
A decisão é da 1ª Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), em julgamento definitivo de mandado de segurança impetrado pela empregada diante de decisão que indeferiu o pleito, proferida pelo juízo da 3ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Já havia sido concedida liminar determinando a alteração da carga horária da empregada, mas com a decisão colegiada da SDI-1, o julgamento tornou-se definitivo no âmbito do TRT-RS. Cabe recurso ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Segundo informações do processo, a técnica em enfermagem foi contratada pelo Hospital Conceição em maio de 2000. Atualmente, sua filha apresenta, além de autismo, transtorno obsessivo compulsivo (toc) o que resulta em várias dificuldades de interação social e na necessidade do comparecimento a diversos atendimentos com o objetivo de melhorar a saúde, a educação e a qualidade de vida da adolescente. Por isso, solicitou a redução da carga horária pela metade, e que seus turnos de trabalho ocorressem à noite e preferencialmente nos finais de semanas e feriados, para que conseguisse conciliar os períodos de trabalho com os cuidados à menor. A empregada também pleiteou, com base na Lei 8.112, a redução de jornada sem a redução respectiva da remuneração.
Enfoque em Direitos Humanos
Ao relatar o caso na SDI-1 do TRT-RS, o desembargador Marcelo Ferlin DAmbroso considerou comprovada a necessidade da redução na jornada de trabalho da empregada, com base em laudos emitidos por um médico psiquiatra e por uma pedagoga da escola frequentada pela filha.
Conforme o parecer do médico, a presença do transtorno obsessivo compulsivo agrava ainda mais os sintomas relacionados ao autismo. Segundo o profissional, a adolescente precisa de supervisão constante e não consegue desempenhar com autonomia nem atividades consideradas básicas em outras circunstâncias. Já de acordo com a pedagoga, a menina apresenta dificuldades para permanecer na sala de aula e resistência a atividades propostas pelos profissionais de ensino, muitas vezes reagindo de forma hostil, com comportamento tipicamente associado aos transtornos. Desta forma, resta absolutamente demonstrado que a filha da impetrante não possui condições de exercer atividades mínimas com independência e, ainda, não consegue se adaptar à escola, do que se concluiu que a mãe, ora impetrante, é absolutamente indispensável para o cuidado com a filha, certamente necessitando dispensar dedicação quase que exclusiva, avaliou o relator.
Ainda na visão de DAmbroso, o caso deve ser encarado pelo enfoque dos Direitos Humanos. Nesse sentido, o desembargador fez referência à recente promulgada Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência (13.146/2015), que estabelece, no seu artigo 5º, que a pessoa com deficiência estará protegida de todas as formas de negligência, tratamentos desumanos ou degradantes, dentre outras violações. A LBI também define que devem ser considerados especialmente vulneráveis para os fins da proteção as crianças, os adolescentes, as mulheres e os idosos com deficiência. O diploma legal atribui ao Estado, à sociedade e à família, o dever de efetivar com prioridade à pessoa com deficiência direitos como saúde, educação, habilitação e reabilitação, dentre outros advindos da Constituição Federal, da Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência e de outras normas nacionais e internacionais.
Por fim, o relator destacou que o Hospital Conceição possui cerca de nove mil empregados, e que o remanejamento das jornadas de trabalho da técnica de enfermagem não traria prejuízo ao empregador. O entendimento sobre a redução da carga horária ocorreu por unanimidade na SDI-1, mas a questão da redução salarial proporcional provocou divergências, sendo que, por maioria de votos, ficou estabelecido que o Hospital poderá reduzir a remuneração da empregada na mesma medida da redução de jornada.
Processos similares
A decisão da SDI-1 é similar a outros processos já julgados pela Seção anteriormente. Em dezembro de 2017, também no âmbito de mandado de segurança, os desembargadores decidiram que uma auxiliar de enfermagem do mesmo Hospital Conceição pudesse trocar de turno para acompanhar seu filho com Síndrome de Down nos atendimentos de que necessita. Da mesma forma, em abril de 2016, uma auxiliar de higienização da instituição hospitalar também foi atendida no pedido de redução de jornada para supervisionar seu filho com autismo.
PROCESSO nº 0022150-46.2017.5.04.0000 (MS)