Na tarde do dia 8 de novembro a Dra. Marilinda Marques Fernandes, advogada especialista em direito da seguridade social, apresentou palestra durante a Sipat do Hospital Cristo Redentor, em Porto Alegre, comentando sobre a reforma da previdência e os direitos previdenciários da categoria.
Marilinda iniciou sua fala fazendo um panorama histórico da construção da previdência social no país, a partir da constituição federal de 1988, passando pela reforma da emenda constitucional n 20, que instituiu o fator previdenciário, pela Lei 13.135, que limitou a pensão, e discutindo os retrocessos propostos pelo último governo, incluindo a PEC 241/55.
A Lei 13.135 de 2015 estabeleceu também nova fórmula do cálculo para recebimento de auxílio doença, diferente do cálculo utilizado para recebimento dos demais benefícios. Para calcular o valor a receber hoje são considerados como base apenas os 12 últimos salários, modificando a regra anterior de utilização dos valores dos melhores salários desde 1994.
A advogada comentou a MP 739, de julho de 2016, que perdeu vigência na última semana, mas que provavelmente virá novamente a ser aprovada, com igual ou semelhante conteúdo, em forma de projeto de lei ou novamente como medida provisória.
Enquanto vigorou a MP 739 aumentou o tempo de carência para recebimento de benefícios pelos segurados da previdência e instaurou um pente fino nos aposentados por invalidez e beneficiários de auxílio doença, organizando mutirões de perícias médicas e pagando cerca de 10 mil reais a mais por mês aos peritos que realizam as pericias (R$60,00 por perícia). Para a advogada “as perícias que já eram rápidas e impessoais se tornaram uma triagem preconceituosa, baseada na ideia de que aqueles cidadãos seriam fraudadores que estariam trapaceando para sangrar os cofres públicos”. Assim, afirma a advogada, “desconfiam de laudos de médicos do SUS, e 80% dos segurados que passaram pela nova perícia, até então, tiveram seu benefício revogado, sem respeito ao direito de defesa e muitas vezes sem ter sido ofertado pelo INSS a reabilitação obrigatória para cessar o auxílio e dar alta ao trabalhador.”.
Nesse ponto a advogada faz um apelo aos trabalhadores da área da saúde para que façam laudos completos e precisos, dando maior densidade aos históricos médicos atestando a incapacidade temporária ou permanente para o trabalho, a fim de que os trabalhadores mais pobres, que não têm condições de realizar consultas particulares, tenham melhores chances e sejam mais bem atendidos nas perícias do INSS.
Marilinda aponta que o auxílio acidente é um benefício cujo valor equivale a 50% do salário do trabalhador e tem cunho de reparação e indenização para o trabalhador que ficou com sequelas. Essa reparação se deve ao trabalhador em razão de qualquer tipo de acidente que venha a sofrer, não apenas de trabalho. No caso de acidente de trabalho, o segurado ainda goza de um ano de estabilidade no emprego após a alta. Porém, comenta Marilinda, até 1995, cada acidente gerava um auxílio, um benefício em separado acumulável, mas hoje eles não são acumuláveis. Anteriormente o auxílio acidente era também acumulável à aposentadoria, sendo hoje apenas incorporado à base de cálculo, sofrendo, assim, diminuição do seu valor ao longo do tempo por incidir sobre ele o fator previdenciário. O auxílio doença tem valor de 91% do salário de benefício do segurado, sendo os outros 9% a contribuição para a previdência para fins de aposentadoria por idade ou tempo de contribuição do segurado no futuro.
No caso dos servidores da área da saúde, Marilinda comenta que, anteriormente, para aceder à aposentadoria especial, o segurado deveria apenas apresentar a carteira de trabalho constando tempo de serviço em profissões como enfermeira (o), médico (a), entre outras. Hoje, porém, é preciso apresentar o PPP do hospital ou local de trabalho atestando submissão ou exposição ininterrupta e permanente a agentes ou fatores nocivos à saúde. Muitas vezes o local de trabalho se recusa a dar PPP atestando atividade especial, ou escreve com dados errados, o que o servidor deve denunciar ao sindicato ou abrir processo na justiça contra o empregador, inclusive pedindo danos morais por sofrer com a impossibilidade de aposentar-se quando poderia. Marilinda comenta que em geral o INSS nega o benefício, mas que grande parte consegue pela via judicial. Trabalhadores autônomos, como cirurgiões dentistas, têm conseguido o benefício na justiça também desde que apresentem laudo técnico.
Não há limite de idade para aposentar-se por tempo especial, o valor do benefício é de 100% do salário benefício e não há fator previdenciário incidindo sobre ele. O servidor aposentado por tempo especial, em caso de retornar ao trabalho, não pode cumprir a mesma função que cumpria quando se aposentou.
A partir da disseminação pela grande mídia e elites da ideia de que os servidores públicos teriam regalias e, no intuito de retirar direitos e de nivelar por baixo para justificar cortes, os trabalhadores celetistas que temem geral menos direitos previdenciários são colocados contra os servidores públicos. “Interessante não vermos discussão sobre projetos de lei de taxação de grandes fortunas e bancos, mas dos direitos do trabalhadores sim, ainda criminalizando doentes e inválidos com um discurso moralista em um período de crise e alta rotatividade de trabalho, indo contra diversas convenções internacionais de direitos sociais”.
Segundo a advogada, se avizinham como possíveis retrocessos no futuro a proposta de impossibilidade de acumulação de pensão e aposentadoria pelos servidores, a correção do fator previdenciário, aumentando a fórmula 85/95, o aumento do tempo de carência mínimo para 20 anos para aceder, por exemplo, a aposentadoria por idade, assim como aumento da idade mínima para se aposentar, provavelmente igualando mulheres e homens.
Para Marilinda a equiparação de idade entre gêneros é construída a partir do discurso de que mulheres vivem mais e que seria um privilégio aposentar-se 5 anos antes, esquecendo o papel social que cumprem ao constituir o nascimento e educação da geração futuro, além de em geral cumprirem tripla jornada de trabalho e serem a maioria das chefes de família no Brasil. Infelizmente, países como França, Espanha e Inglaterra a idade mínima já é a mesma, “ em Portugal, já são 67 anos no mínimo para homens e mulheres”, afirma Marilinda.
A advogada salienta que quem já tem idade e tempo mínimo de contribuição para se aposentar, mesmo que ainda não tenha solicitado o benefício, não será afetado por futuras mudanças, “para quem já preenche hoje as condições para se aposentar, vale a pena esperar para ver o que será modificado e optar pelo melhor benefício, bastando provar que tinha condições de se aposentar antes da nova lei”.
Por fim, Marilinda afirma que “a previdência não deve ser vista como um banco, mas como uma instância de políticas sociais de garantia da dignidade humana, espaço de organização de políticas públicas de inclusão, sendo um dever de Estado”. “Ainda assim, ouve-se o discurso de que a previdência está quebrada, mesmo quando os auditores fiscais da previdência dizem que há dinheiro, o governo diz que há déficit”, afirmando que está sendo sucateada, omitindo, contudo, que é de sua responsabilidade a falta de funcionários, as exonerações previdenciárias, ausência de efetiva cobrança das dividas das empresas à Previdência Social e o desmantelamento do Ministério da Previdência Social, dividido hoje entre o Ministério do Desenvolvimento Social (INSS) a cargo de Osmar Terra, e o Ministério da Fazenda, de Henrique Meireles, com a Previdência, desarticulando políticas e aplicando normas de contenção de despesas, como se fosse apenas uma rubrica orçamentária.
A advogada antevê novos arranjos para retirada dos direitos dos trabalhadores e aponta para a necessidade de organização e mobilização da sociedade civil em defesa da dignidade de vida e condições de trabalho.