As reformas sociais em curso estiveram em pauta no último sábado (23) no SindisprevRS, durante o seminário “Em defesa da Saúde, Trabalho e Previdência: derrotar as reformas e construir alternativas para a classe trabalhadora”. O evento trouxe à capital especialistas para debater a precarização dos serviços públicos e a necessidade de barrar as reformas propostas pelo governo federal.
Na abertura do evento, Zé Campos, diretor do SindisprevRS, alertou a importância de debater o tema em um momento em que os governos estão querendo retirar direitos do trabalhador e da sociedade.
Na parte da manhã a advogada Marilinda Marques Fernandes, especialista em seguridade social, foi a primeira a falar e destacou a perda de direitos na história da política brasileira, citando lutas que vem sendo travadas desde 1988 para manter os direitos garantidos pela constituição cidadã. Para Marilinda os últimos governos têm tido como prática política o enxugamento do estado, o ataque sistemático às conquistas trabalhistas e previdenciárias, “em uma sociedade cada vez mais de consumidores ao invés de cidadãos, onde, porém, há desigualdade na distribuição das riquezas e enorme concentração dos meios de produção e de capital nas mãos de poucos”. Para a advogada tanto esquerda quanto direita nos países ao redor do mundo têm tido essa linha de atuação que advém do receituário de austeridade de organismos como o Banco Mundial, FMI e Banco Central Europeu, que impõem, por exemplo, o pouco gasto com políticas sociais, sob pena de aplicação de multas, a exemplo de países como Portugal, onde as reformas se deram no sentido da prevalência do negociado sobre o legislado, os empregos são precários e cerca de 100 mil jovens saem do país anualmente. Em uma das maiores diásporas vividas, os índices de casamentos e nascimentos diminuem a cada ano e a população total, que é de apenas 10 milhões, decresce anualmente.
Ainda analisando o quadro geral das reformas no mundo, Marilinda comenta que nas mudanças aprovadas dia 21/7/16 na França passou proposta de que as discussões de processos trabalhistas deverão ser feitas no local de trabalho. Na Itália houve reformas em 2014 e seguem sendo implementadas no sentido de menores garantias ao trabalhador assalariado.
Para a advogada todas essas reformas têm interesse em que seja privilegiada a negociação entre empregadores e trabalhadores em situações de disputa, sem a intervenção de juízes e sindicatos, ignorando o caráter desigual de relações entre capital e trabalho. Para Marilinda as reformas trabalhistas brasileiras também irão neste caminho já que o Congresso tem atualmente diversas emendas que suprimem direitos. O ataque à Justiça do Trabalho ocorre em muitas frentes.
“As reformas no Brasil têm tido como argumento a ampliação de empregos, mas as precárias relações de trabalho que se estabelecem, a política de terceirização em curso, com ampliação para atividades fim, a consequente rotatividade, perda de estabilidade, de garantias, baixa sindicalização, são um caminho sem retorno de perda de direitos”, afirma Marilinda.
Propostas como a diminuição da idade mínima para o trabalho, descriminalização do trabalho escravo, aumento de carga horária do trabalho no campo, banco de horas em vez de pagamento de horas extras, simples autônomo como categoria com menos direitos, cooperativas falsas que exploram pagando pouco, são parte de um plano de redução de direitos que levou a Itália, por exemplo, a permitir que empresas que não tenham lucro por mais de 3 meses possam demitir sem justa causa. Por isso, para Marilinda, os trabalhadores e as classes médias devem ser críticos às reformas sem hesitação.
A segunda palestrante foi Elaine Pelaez, assistente social especialista em Saúde Pública e servidora do Ministério da Saúde/RJ, que falou sobre as propostas de privatização na área da saúde. Para ela desde os anos 90 há propostas de privatização do SUS e hoje há projetos que visam reformar o financiamento da saúde, que passou a ser mais um espaço de lucratividade para empresas privadas. “Existem novas formas de privatização da saúde, disfarçadas, chamadas de gestão, parceria público privada, fundações estatais de direito privado e organizações sociais como a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. Assim, o estado não gere a política de saúde enquanto o setor privado usa o financiamento e a estrutura públicas”, afirma Elaine.
Mais uma vez a argumentação de que a má gestão do Estado impede a qualidade do serviço é utilizada para justificar a reforma. Para Elaine, na prática o que se observa nestas parcerias privadas é fraude em licitações, desvios de verba, entidades filantrópicas atendendo mal usuários do SUS, pouco concurso público e falta de estabilidade dos trabalhadores em saúde. “Para o presidente Temer o SUS é grande demais e não há finanças para dar conta da saúde. O ministro da saúde se relaciona com empresas de planos de saúde e suas propostas no cargo passam pela ampliação de planos privados populares com cobertura reduzida e preços baratos para a população ‘desafogar o estado’, impondo, assim, um duplo pagamento, já que a população já paga impostos.”, afirma Elaine. Estes planos de saúde seriam subsidiados em parte pelo estado, o que caracteriza uso de dinheiro público para gerar lucro para o privado.
Para Elaine as diversas reformas são propostas de forma fragmentadas para dispersar os trabalhadores e é preciso unificar as lutas contra a privatização, por 10% do PIB para a saúde e pela execução dessa verba pelo estado e a partir das demandas sociais. Para a assistente social é preciso desvinculação e controle social das Organizações Sociais, como a EBSH, assim como uma auditoria da dívida pública da união para questionar a fundo o escape da verba pública.
Sara Granemann, professora da Escola de Serviço Social da UFRJ, falou sobre a lógica da previdência no capitalismo, que está centrada hoje no fato de que o Estado precisa liberar os campos de atuação do governo para o grande capital. Para ela há um ataque dos governos pelo mundo às políticas sociais como saúde, educação, previdência. “No Brasil o orçamento do Estado é de 2 trilhões e 200 milhões, o PIB é de 5 trilhões, assim, não se pode assumir que há não recursos para as políticas sociais”, disse Sara. Porém, a argumentação dos governantes é que se arrecada menos do que se gasta, já que se vive mais, as mulheres mais ainda, se aposentam cedo, trabalhadores rurais principalmente, e por isso não há dinheiro para pagar benefícios previdenciários. “Vendem plano de saúde popular, fundo de aposentadoria e educação privada, fazendo pagarem duas vezes, e ainda reclamam que os impostos estão altos”, afirma Sara.
Para Sara há uma privatização não clássica ao haver uma transferência do fundo público para o capital agrário, bancário e financeiro brasileiro, que não paga imposto e quer mexer nos direitos dos trabalhadores para aumentar seus lucros, que não são taxados. Houve um desmonte da previdência social e as políticas sociais não serão mais as mesmas, sendo reformuladas tendo o Estado como mediador, em uma nova cidadania bancária de direito monetarizado, que gera desorganização doa trabalhadores ao dar dinheiro individualmente tendo em vista somente a dimensão financeira da política social. “As reformas de FHC em 1998 e Lula em 2003 abriram espaço para esse tipo de políticas sociais”, afirma Sara.
“Entre 2005 e 2012 os aposentados e pensionistas brasileiros tomaram 200 bilhões em empréstimos em crédito. Em menos de dez anos os bancos já receberam de volta 500 bilhões com os juros, lucrando com as políticas sociais”. Para Sara “o INSS é subsidiado cada vez mais somente pelos trabalhadores e menos pelos empresários, enquanto o Estado isenta os capitais em 130 milhões. Mesmo assim querem aumentar o tempo e o valor da contribuição do trabalhador para 14%”. Para a professora os governos empurram fundos de investimento em previdência complementar privada atacando a previdência pública para ter as condições próprias para lucrar com investimento particular.
De acordo com ela os próximos ataques serão a equiparação das idades de aposentadoria entre homens e mulheres para no mínimo 65 anos de idade, se aproximando da idade média de vida, que é 69 anos para homens e 74 mulheres, ou seja, o trabalhador deverá contribuir por 30 anos e usufruir 3 ou 4. “Deixará de se levar em conta o machismo vigente na nossa cultura e a tripla jornada por que passam as mulheres e o desgaste da geração da vida. Além disso a vigência da pensão por morte foi alterado para evitar mulheres ‘jovens interesseiras’ se casando com senhores idosos”, afirma Sara.
Assim, de acordo com a professora, em um processo de isonomia as avessas, haverá uma unificação dos regimes nivelando todos, incluindo trabalhadores rurais, que hoje se aposentam com 180 meses de contribuição já que ingressam cedo no trabalho, em sua maioria de modo informal e sem registro, produzindo a alimentação de todos. Ainda de acordo com Sara “avança no congresso a aprovação da desvinculação do valor dos benefícios previdenciários do salário mínimo e recentemente também foi aprovado que os peritos do INSS terão uma gratificação de 10 mil por mês além de seus salários caso realizem 15 mais 4 perícias por dia e mais 20 aos sábados”.
Para Sara os governos petistas fizeram diversas reformas enquanto apaziguavam a classe trabalhadora para não insurgir contra o capital, desmobilizando-a. Isso abriu espaço para os ataques que hoje estamos sofrendo e a fragmentação das lutas que observamos, o que enfraquece e fragiliza a luta dos trabalhadores.
Por fim, o SindisprevRS propôs a criação de um centro de estudos sobre previdência, do qual a Marilinda Marques Fernandes já faz parte e que terá seu primeiro encontro dia 5 de agosto às 14:30.
Texto e fotos: Carina Kunze
Mais informações sobre o evento no site do SindisprevRS