Por Elizardo Scarpati Costa
Introdução
O artigo aqui apresentado é o corolário da revisão teórica e analítica utilizada no âmbito de um estudo comparativo entre dois call centers (CCs), um no Brasil e outro em Portugal (COSTA, 2016), onde fizemos uma observação direta da realidade laboral dos trabalhadores envolvidos nos estudos de caso, inspirado pela metodologia proposta por Michael Burawoy (2000). A partir da comparação entre os estudos de caso, reconstruímos as reais condições de trabalho, de organização do trabalho, de profissionalização, de precariedade e precarização das relações laborais assentes nas novas tecnologias de comunicação e informação TICs.
No campo da Sociologia do Trabalho, a pluralidade metodológica é fundamental para analisarmos as novas formas das relações laborais. Para Michael Burawoy (2000), O Método do Caso Alargado (Extended Case Method) tem na sua essência metodológica a observação direta, que leva em conta os aspectos qualitativos do objeto analisado no conjunto global das relações que o envolvem – entre o macro e o microssocial. Esta metodologia permite que a pesquisa social necessite somente de um caso relevante para se obter a objetividade e veracidade do estudo de caso, ou seja, é importante sobretudo destacar a ideia de exemplaridade do objeto empírico.
Nesse sentido, o trabalho é transversal a todas as formas de organização societal ao longo da história da humanidade. Trata-se de um fenômeno social que surge com a transformação do ser humano para o status de ser social nas suas mais variadas vicissitudes e experiências quotidianas estabelecidas com a natureza e entre si. Desde a Idade da Pedra Lascada e Polida, passando pela Idade do Ferro e do Bronze, através das grandes navegações e do expansionismo mercantilista, no campo das artes e das letras, no apogeu da Revolução Industrial e, por fim, na consolidação da chamada “Era da Informação” e da globalização do capital. Consideramos que o emprego se tornou a maneira pela qual o sistema capitalista assalariou o trabalho no nível de mercado, sendo um fenômeno intrínseco e irrevogável na atual modernidade.
Assim, o desenvolvimento técnico-científico, dinamizado pelo capitalismo no seu complexo aparato produtivo – tendo como primado o elevado grau de automação presente nas técnicas de produção, execução, organização e realização do trabalho produtivo –, desencadeou metamorfoses no mundo do trabalho que ocupam a ordem do dia, inquietando e levando à reflexão distintos cientistas sociais. Nesse marco, revela-se notória a constante heterogeneização, fragmentação e complexificação das relações laborais que, consecutivamente, impactaram as formas de organização do trabalho nas empresas dos vários setores da economia. Durante o século XX, os estudos sobre o mundo do trabalho utilizavam o conceito de “relações industriais” como forma de análise do binómio taylorismo-fordismo. Na linha de Ferreira e Costa (1998/99), propomos a readequação conceitual para “relações laborais”, em razão das mudanças significativas da organização do trabalho, das classes sociais, envolvendo a perda de centralidade do industrialismo e a introdução de novos modelos de produção e orientações tecnológicas.
Essas mudanças engendradas pelo capitalismo alteraram radicalmente a noção de trabalho, considerando que a globalização neoliberal, que se beneficia, predominantemente, do capital financeiro, propiciou a financeirização do trabalho e o crescimento do precariado (STANDING, 2009, 2011; BRAGA, 2012). Desta forma, com a hegemonia dessa política econômica, surge a massificação e a difusão dos recursos das TICs. A formação e a complexificação de uma nova divisão internacional do trabalho ergueu-se sob a tutela da reestruturação produtiva e, rapidamente, influenciou os Estados a praticarem a mesma lógica em relação às empresas públicas, através dos processos de privatização (SILVA, 2007; COSTA, 2016) que, por fim, produziram fortes impactos no conjunto das relações laborais, levando à erosão do modelo de pleno emprego e à crescente precarização e flexibilização dos vínculos laborais, bem como ao recrudescimento do Estado de bem-estar social que, consequentemente, levou à eclosão da chamada sociedade informacional (CASTELLS, 2003).
Para efeito da discussão que nos interessa, este artigo está subdividido em quatro seções. Na primeira, abordamos a questão da tecnologia como ciência, com especial enfoque na problemática do informacionalismo no seio das relações laborais no capitalismo contemporâneo. Na segunda seção, trazemos algumas pesquisas realizadas sobre os CCs, a partir do século XXI, incluindo, aqui, nossas próprias reflexões retiradas dos estudos de caso realizados anteriormente (COSTA, 2016). Na terceira seção, procuramos demonstrar como os níveis de precariedade e precarização das profissões podem, eventualmente, ser analisados de acordo com o nível de profissionalização ditado pelo mercado de trabalho. Por último, trabalhamos com a questão da mudança do perfil das classes sociais na atualidade, conduzindo uma discussão analítica, de caráter teórico e empírico (Costa, 2016), sobre essa temática que tem se revelado o “calcanhar de Aquiles” de várias pesquisas sociais na contemporaneidade.
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Elizardo Scarpati Costa é doutor em Sociologia pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC) e professor de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Brasil.
Fonte: Revista de Ciências Sociais: Política & Trabalho, João Pessoa, n. 45, p. 341-358, jul./dez.