Regime de Previdência Complementar dos funcionários públicos estaduais do RS

O SIMPE-RS – Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Rio Grande do Sul realizou ontem, dia 25, às 19h30, discussão sobre o Regime de Previdência Complementar com a advogada especialista em Direito da Seguridade Social, Dra. Marilinda Marques Fernandes. O painel foi transmitido ao vivo pelo canal da TV SIMPE no YouTube e os espectadores puderam fazer questionamentos e tirar dúvidas diretamente com a convidada.

Abaixo, assista a entrevista na íntegra e leia o artigo da Dra. Marilinda sobre o regime de Previdência Complementar dos funcionários públicos estaduais do RS.

Regime de Previdência Complementar dos funcionários públicos estaduais do RS

A Lei Complementar 14.750/15 instituiu o Regime de Previdência Complementar para os servidores públicos estaduais titulares de cargos efetivos – PPC/RS, fixou o limite máximo para concessão de aposentadorias e pensões pelo regime Próprio de Previdência Social – RPPS/RS e autorizou a criação de entidade de previdência fechada de previdência complementar – RS – Prev

CONSIDERAÇÕES GERAIS

A análise da previdência complementar no serviço público deverá ser precedida por uma contextualização da reforma do Estado ocorrida no final da década de 90, a partir da qual as relações entre o público e o privado sofreram manifestas alterações. Essas mudanças promoveram a releitura do papel do Estado, de suas funções, bem como o redimensionamento de seu tamanho. Essas modificações, materializaram-se nas Emendas Constitucionais nº19/98 (reforma administrativa) e nº20/98 (reforma previdenciária) que lançaram as bases de toda a reforma previdenciária dos servidores públicos: a reforma administrativa instituiu o princípio da eficiência na Administração Pública e a reforma previdenciária introduziu a base da previdência complementar no serviço público.


A mudança na previdência dos servidores públicos estaduais insere-se, assim, no longo processo de restrição de direitos dos servidores públicos, sejam eles federais, estaduais ou municipais, e tem o seu marco em junho de 1998, com a aprovação da Emenda Constitucional nº19, a chamada Reforma Administrativa. Essa reforma colocou fim ao Regime Jurídico Único com o estabelecimento do emprego público regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, uma vez que, apesar da exigência de concurso público para o provimento do emprego, o servidor público não teria direito à estabilidade nem à aposentadoria integral.


Na sequência tivemos a Emenda Constitucional nº20 que colocou como eixo da reforma da previdência o caráter contributivo, tanto para o servidor quanto para os entes federados, bem como a exigência de equilíbrio atuarial e financeiro para regimes próprios da previdência social.


Por fim, em 2003 é aprovada a Emenda Constitucional nº41 que deu prosseguimento à reforma previdenciária ao extinguir o direito à integralidade e à paridade no tocante aos novos ingressos no serviço público. A supressão do direito à paridade permitiu a definitiva implantação do regime de previdência complementar nos moldes já fixados pela Emenda Constitucional nº20/98, uma vez que viabilizou a fixação de limite máximo para os proventos de aposentadoria pagos pelo Regime Próprio de Previdência Social (RGPS), limite esse que passaria a ser o valor máximo pago pelo Regime Geral da Previdência Social (RGPS), uma vez instituído o regime complementar de previdência.


Deste modo, com a emenda constitucional nº41 é modificada estruturalmente a previdência dos servidores públicos com o estabelecimento da previdência complementar, que funcionará em regime de capitalização, sendo mantida a previdência pública até ao limite do teto da previdência social, com o sistema de repartição simples.


É neste quadro que o executivo estadual do RS dá corpo ao projeto de reforma da previdência do servidor público estadual, englobando-o no conjunto das medidas adotadas pelo Palácio Piratini para tentar enfrentar a crise financeira do Estado pelo viés de redução de direitos e garantias conquistadas pelos servidores.


Assim, foi instituído novo regime de Previdência Complementar para os servidores públicos estaduais titulares de cargos efetivos pela Lei nº14.750, de 15 de outubro de 2015. Em 29 de dezembro de 2016, dando corpo ao referido texto legal, foi publicada a lei complementar nº14.967, que instituiu, por sua vez, o Fundo Previdenciário FUNDOPREV. Os funcionários públicos irão se aposentar com salários limitados ao teto do regime geral do INSS, atualmente fixado em R5.531,31, e, quem quiser ganhar mais do que isso, terá de fazer contribuições extras para um fundo de previdência complementar, o RS-Prev.


Para quem já é funcionário do Estado, não muda nada. Hoje os servidores públicos estaduais se aposentam ganhando aposentadoria integral – o valor do último salário – ou o valor da média de salários da carreira. A nova regra valerá para novos funcionários de todos os poderes, menos da Brigada Militar. Muda a forma do servidor público se aposentar. Acaba com a garantia de que o servidor público se aposentava com o último salário e, a partir de então, incorporava os reajustes dos servidores da ativa.

A mudança na lei não afeta os futuros servidores com salários inferiores a R$ 5.531,31, o teto da previdência. Entretanto, entre os maiores prejudicados com a nova legislação de previdência complementar dos servidores públicos estaduais estarão os servidores que constitucionalmente tem assegurado o direito a se aposentarem com idade e tempo de contribuição inferiores aos 60 anos e 35 anos ordinariamente exigidos (mulheres, policiais e os professores), bem como os que percebem remuneração muito superior ao limite do regime geral da previdência social.


A adesão ao RS-Prev não é obrigatória. O servidor poderá optar por fazer outras aplicações financeiras, por exemplo. É ele também que vai escolher a alíquota com que deseja contribuir, que incidirá sobre o valor salarial que ultrapassar o teto de R$5.531,31. O Estado pagará uma alíquota igual, até o limite de 7,5%. O que o servidor receberá no futuro, quando estiver aposentado, dependerá de diversas variáveis. Ele não terá como saber previamente o valor que receberá quando parar de trabalhar, já que o regime é de contribuição definida e não benefício definido.
Outro aspecto a destacar é o fato de o RS-Prev ser concebido como uma entidade de direito público, ao qual foi atribuída personalidade jurídica de direito privado, devendo ser repudiada, sem dúvida alguma, a privatização do regime de previdência complementar por manifesta inconstitucionalidade.

Passa-se a apontar os principais aspectos que diferenciam o regime de previdência complementar do regime próprio de previdência dos servidores públicos.


1.- Imprevisibilidade do benefício


Em contraste com os regimes públicos de previdência, que são de repartição, na previdência complementar, de capitalização, o valor do benefício programado é proporcional à reserva de recursos obtidos com o recolhimento de contribuições e com a rentabilidade dos investimentos realizados. A despeito da inevitável imprevisibilidade, é certo que, quanto menores o tempo de contribuição até a aposentadoria, a idade de aposentação, o valor dessas contribuições e a rentabilidade obtida com os recursos acumulados, menor será o valor do benefício programado a ser eventualmente recebido.


Portanto, a impossibilidade de prévia determinação do valor dos benefícios é inerente à modalidade de contribuição definida. E essa modalidade, que se contrapõe à de benefício definido, é a única que a Constituição Federal admite no âmbito dos regimes de previdência complementar de servidores titulares de cargo efetivo (art. 40, § 15).

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2.- Mulheres receberão menos que os homens


Atualmente, o regime de previdência dos ocupantes de cargos públicos efetivos assegura proventos de valor igual ou aproximado para servidores que tenham percebido idêntica remuneração ao longo de suas carreiras e se enquadrem em qualquer uma das seguintes hipóteses: 1) homens aposentados aos 60 anos de idade e 35 anos de contribuição ou, em se tratando de policiais ou professores da educação básica ou do ensino fundamental e médio, aos 55 anos de idade e 30 de contribuição; 2) mulheres, aposentadas aos 55 anos de idade e 30 anos de contribuição ou, em se tratando de professoras da educação básica ou do ensino fundamental e médio, aos 50 anos de idade e 25 anos de contribuição; ou 3) outros servidores com direito a aposentadoria especial, seja em virtude do exercício de atividades de risco, de deficiência ou da exposição a fatores prejudiciais à saúde ou à integridade física. Segundo as normas permanentes (excluídas as regras de transição instituídas pelas Emendas à Constituição que cuidaram da matéria) do regime de previdência dos servidores públicos, estabelecidas pela Emenda Constitucional nº 41, de 2003, e detalhadas pela Lei nº 10.887, de 2004, os proventos dos servidores enquadrados em quaisquer das hipóteses acima são calculados pela média das bases de cálculo das contribuições previdenciárias, atualizadas monetariamente.


Portanto, independentemente do tempo de contribuição e da idade com que se aposentarem, os referidos servidores, desde que tenham percebido idênticas remunerações, perceberão, em regra, proventos de idêntico valor. Eventuais diferenças podem advir, exclusivamente, de maior permanência, em atividade, na posição melhor remunerada, caso isso chegue a afetar a média das bases de contribuição. Essa diferença, contudo, é diluída ao longo do tempo e tende a ser pouco significativa.
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Pode-se afirmar, portanto, que o regime próprio se caracteriza pela equidade, no sentido de assegurar benefício de valor equivalente a servidores em situações diversas.


No regime de previdência complementar, na modalidade de contribuição definida, o valor do benefício programado, não é determinado apenas pela remuneração sobre a qual incidiram as contribuições, mas pelo montante de recursos acumulados pelo participante ao longo do período de acumulação de reservas.


3.- Risco de cobertura irrisória em caso de invalidez


Sob a égide do regime próprio de previdência dos servidores públicos, o servidor acometido de invalidez permanente, em decorrência de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificadas em lei, percebe proventos calculados sobre sua remuneração integral. O regime de previdência complementar de cuja instituição se cogita não oferece garantia equivalente. Ao contrário. Vede artigo 26 e subsequentes do regulamento do RS/PREV. Portanto, os servidores vitimados por infortúnios sofrerão enorme redução de sua renda, e essa redução será inversamente proporcional ao tempo de contribuição cumprido antes do evento incapacitante.


4.- Inexistência de vitaliciedade


O regime de previdência proposto não assegura renda vitalícia. Em outras palavras, caso os recursos em nome do assistido se esgotem, ele deixará de receber benefícios pelo regime complementar. Como o valor do benefício deverá ser permanentemente ajustado ao saldo da conta do participante, o que tende a ocorrer é a redução progressiva de seu valor até que esse se torne irrisório quando o assistido permanecer vivo por tempo muito superior ao estatisticamente previsto por ocasião da concessão do benefício. O risco acima apontado é maior quando o participante é acometido de invalidez ou quando vive além da expectativa demográfica. Mas adquire dimensão enorme no que se trata dos dependentes do participante falecido.


Enquanto o regime próprio assegura a manutenção do valor das pensões, sejam elas vitalícias ou temporárias, não há garantia nem de conservação de valor nem de vitaliciedade no âmbito da previdência complementar.


5.- Riscos para os atuais servidores


Embora se afirme, insistentemente, que a instituição do regime de previdência complementar não trará qualquer prejuízo para os atuais servidores públicos, a realidade pode ser outra. O regime atual é de repartição. Em síntese, os atuais aposentados são pagos com as contribuições dos servidores em atividade e, do mesmo modo, esses, ao se aposentarem, teriam seus proventos custeados, ao menos em parte, pelas contribuições dos servidores em atividade à época. Por força da migração do regime de repartição para um regime misto, em parte de repartição e em parte de capitalização, o montante de recursos de contribuições para o primeiro sofrerá considerável redução. Enquanto a contribuição do empregador privado incide sobre a folha de pagamentos e, por via reflexa, sobre o valor integral da remuneração de cada empregado, a contribuição do Estado RS para o regime público de previdência incidirá somente sobre a parcela da remuneração de cada servidor não excedente ao teto do RGPS. Em outras palavras, o Estado RS contribuirá com muito menos do que um empregador privado em situação análoga.


Portanto, embora afirme buscar a solvência da previdência pública, o Poder Executivo pode levá-la a uma situação de insolvência, com potencial prejuízo para os atuais servidores públicos.

6.- Persistência do déficit previdenciário


Um dos argumentos invocados com maior frequência em defesa da instituição de regime de previdência complementar é o suposto déficit do regime próprio. Em primeiro lugar, a falta de transparência sobre os números da previdência parece proposital. Por mais que se tente, não se consegue esclarecer a metodologia de cálculo que resulta nos números divulgados pelo Poder Executivo, muitas vezes contraditórios entre si.


De qualquer modo, cabe ressaltar que, como o regime complementar não se aplicará aos atuais servidores, salvo aos que optarem, e, em nenhuma hipótese, aos atuais aposentados, o passivo gerado pela concessão de aposentadorias sem o correspondente recolhimento de contribuições não será eliminado nem reduzido. Nesse sentido, cabe citar que parcela substancial do suposto déficit é atribuível à decisão de incorporar os ex-celetistas em exercício à data de promulgação da Constituição ao regime estatutário, sem que houvessem sido vertidas ao regime próprio contribuições equivalentes, seja por parte dos servidores, seja por parte do Estado RS e de suas entidades, na condição de empregadoras.


Portanto, a avaliação do equilíbrio financeiro e atuarial do regime próprio de previdência social demanda a consideração, estritamente, das normas permanentes em vigor, abstraídas as situações regidas por normas modificadas pela reforma da previdência, bem como as regras de transição.

Com a instituição do regime de previdência complementar, as principais alterações das disposições constitucionais que regem a aposentadoria de servidores públicos, promovidas pela Emenda Constitucional nº 41, de 2003, perdem-se antes mesmo que a referida reforma previdenciária, em foro constitucional, produza os efeitos saneadores que dela adviriam.


Isso porque as regras de transição então estabelecidas postergaram consideravelmente a concessão de aposentadorias sob as novas regras, as quais reduziriam significativamente o déficit previdenciário.


II.- QUESTÕES PRÁTICAS QUE SE COLOCAM COM A APROVAÇÃO DA LEI DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR DO SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL /RS


Quais os servidores públicos que serão afetados pela mudança?


Apenas os futuros servidores que ingressarem no serviço público a partir da data de instituição da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público do Estado do Rio Grande do Sul (RS-Prev). As novas regras valerão para servidores dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público, do Tribunal de Contas, da Defensoria Pública e das autarquias e fundações de direito público. A nova lei não afeta servidores militares.


Como ficam os funcionários públicos atuais?


A nova lei não terá efeito para a aposentadoria dos atuais servidores. Os que ingressaram no quadro de funcionários do Estado até 1998 terão mantido o direito a aposentadoria integral, correspondente ao valor do último salário. Para quem se tornou funcionário público após 1998, o valor da aposentadoria será calculado conforme a média dos salários e tempo de serviço, como consta na Emenda Constitucional nº 20.


Quem vai administrar o fundo de previdência complementar?


O RS-Prev é uma fundação de natureza pública, sem fins lucrativos, e que terá personalidade jurídica de direito privado. Isto é, será uma entidade privada, sem vínculo com o Estado. O fundo será administrado por uma Diretoria Executiva, Conselho Deliberativo e Conselho Fiscal. A composição desses conselhos será formada por membros eleitos pelos beneficiários e indicados pelos patrocinadores (órgãos públicos), em igual proporção.


É obrigatória a adesão ao RS-Prev? Quem poderá aderir?


A adesão será facultativa. Em estados onde já há previdência complementar, muitos servidores têm optado por investir em outras aplicações financeiras e não fazem contribuições extras para a previdência. Nesse caso, quando os servidores se aposentarem receberão, no máximo, até o teto do regime geral do INSS.

Quem poderá aderir ao RS-Prev?

Poderão contribuir para o fundo novos e atuais funcionários públicos do Estado e também de prefeituras que aderiram ao programa. Atuais servidores que ganham menos que o limite do regime geral poderão fazer contribuições extras para fazer uma espécie de poupança. Para os que ganham mais do que o regime geral, a adesão ao fundo poderá garantir-lhes um ganho na aposentadoria mais próximo do salário da ativa.

Quanto será a contribuição dos servidores?

A alíquota de contribuição para a previdência complementar será definida pelo próprio servidor e incidirá sobre o salário dele, descontado o teto do regime geral da previdência (hoje em R$ 5.531,00 mil). O órgão do governo ao qual o servidor é vinculado contribuirá com o mesmo percentual escolhido, até o limite de 7,5%. O que exceder esse limite não terá contrapartida do governo.


III. CONCLUSÕES

A lei complementar nº14.750/2015, que instituiu o Regime de Previdência Complementar para os servidores públicos estaduais titulares de cargos efetivos RPC/RS do servidor público estadual, padece de vícios jurídicos e técnicos que imputam aos atuais e aos futuros servidores enorme risco de redução da renda que perceberão após se aposentarem.
Dentre os maiores prejudicados encontram-se aqueles servidores aos quais a Constituição Federal assegura o direito a se aposentarem com idade e tempo de contribuição inferiores aos 60 e 35 anos ordinariamente exigidos, bem como os que percebem remuneração muito superior ao limite do regime geral de previdência social.


Finalmente, instituir um plano de previdência complementar sob alegação de garantir futuramente uma aposentadoria mais próxima do valor dos proventos da ativa, partindo do princípio de que o cidadão é educado para a poupança, em tempos de educação para o consumo, é induzir o cidadão para uma armadilha futura. E, se isso não bastasse, instituir um fundo de pensão com recursos públicos (dos servidores e do Estado) para serem investidos no sistema financeiro privado, é mais uma vez alavancar o sistema bancário, afagar a espiral especulativa e se regozijar com a quebra de direitos e garantias dos servidores públicos.


Porto Alegre 25 de julho de 2017


*MARILINDA MARQUES FERNANDES


*Advogada especializada em Direito da Seguridade Social , Previdência Social e Complementar.

** Palestra proferida no SIMPE-RS – Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Rio Grande Do Sul, em 25 de julho de 2017.

Fotos: Carina Kunze

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