Opapel do Estado sairá valorizado da pandemia. O próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), outrora defensor radical de privatizações e da destruição do papel dos Estados, hoje recomenda aos governos adotarem políticas públicas para liberar recursos para atender a população e incentiva a realização de investimentos públicos para reativar a economia e sair da crise.
Os economistas neoliberais brasileiros, inclusive aqueles incrustados no Ministério da Economia, não se atualizaram e continuam ouvindo as vozes do FMI do século passado. Cortam auxílio emergencial, privatizam, cortam recursos da saúde pública, descapitalizam bancos públicos, dificultam o acesso à aposentadoria, cortam investimentos públicos, boicotam a compra de vacinas e equipamentos de combate à pandemia, seguem com sua missão de destruir o Estado.
Para essa gente, a população não cabe no orçamento público. Para eles, a única parcela sagrada nas despesas do Estado é com o pagamento da dívida pública. Segundo estimativa da Auditoria Cidadã da Dívida, o Tesouro Nacional pagou R$ 515 bilhões em juros da dívida pública no ano de 2020. Sessenta porcento deste valor beneficiou bancos e fundos de investimento, concentrando riqueza nas mãos de poucos.
Quando o orçamento público é destinado à maioria da população, o Estado cumpre seu papel de combater a desigualdade e diminuir a concentração de riqueza. É o que mostram dois estudos, um recente e outro nem tanto.
Redução da pobreza
Estudo publicado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em outubro de 2020, de autoria do professor Marcelo Neri, mostrou que o pagamento do auxílio emergencial a 68 milhões de brasileiros reduziu a pobreza em 24%. Quinze milhões ultrapassaram a linha de pobreza, melhorando a condição de vida. Com o fim do auxílio emergencial, grande parte desta população volta à condição de penúria anterior. Foram gastos R$ 300 bilhões com o auxílio emergencial em 2020, muito menos que o valor despejado pelo Tesouro Nacional nos cofres dos bancos e nas contas dos poucos milionários que detêm o grosso das aplicações em renda fixa que financiam a dívida pública.
Previdência e desigualdade
Estudo mais antigo, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2013, de autoria de Ana Amélia Camarano, mostrou o impacto dos benefícios da Previdência Social na redução das desigualdades sociais e no combate à pobreza. O percentual de idosos abaixo da linha de pobreza era de 4,8% do total, contra 16,5% entre a população com menos de 65 anos. Graças, sobretudo aos benefícios previdenciários. Não há estudo mais recente, mas tudo indica que a discrepância cresceu, dado o aumento da população desempregada ou com ocupações precárias na economia informal.
Em 2020, o Regime Geral de Previdência Social pagou R$ 663 bilhões em benefícios a pouco mais de 36 milhões de brasileiros.
Benefícios previdenciários e auxílio emergencial têm, portanto, o mesmo efeito de fortalecer o papel do Estado durante a pandemia. A diferença é que a previdência é permanente e o auxílio emergencial é transitório. Ambos são destinados à maioria da população.
Um dos grandes debates que será pautado nas próximas eleições presidenciais é exatamente este – se a prioridade do próximo governo deve ser incluir a maioria da população no orçamento ou continuar a favorecer a minoria endinheirada. Se a opção do eleitor for a primeira, o povo só será atendido pelo orçamento público se for revogado o teto de gastos aprovado em 2016.
José Ricardo Sasseron foi presidente da Associação Nacional de Participantes de Fundos de Pensão e de Beneficiários de Planos de Saúde de Autogestão (Anapar), diretor de Seguridade da Previ e diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região.