Precariado e sindicalismo no Brasil contemporâneo: um olhar a partir da indústria do call center

Ruy Braga [*]

Resumo
A eleição presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, reconfigurou a relação entre o movimento sindical e o Estado no Brasil. Apoiando-se em um ciclo de crescimento econômico, em políticas públicas redistributivas e no controle dos movimentos sociais do país, em especial do sindicalismo, o governo de Lula da Silva conquistou inéditos índices de aprovação popular. No entanto, desde 2008, o número de greves tem aumentado de forma acelerada, alcançando um recorde histórico em 2012. Como compreender que sindicalistas alinhados ao governo liderem um vigoroso ciclo grevista que direta ou indiretamente contraria os interesses do próprio governo? Por meio de um estudo de caso da indústria do call center, setor que mais criou postos formais de trabalho nos anos 2000, pretendemos analisar a relação entre a automobilização dos trabalhadores, a ação dos sindicatos e as políticas públicas federais, que vertebra o atual ciclo grevista brasileiro.

Sumário
O que é o “lulismo”?
Trabalho e política: um modelo de desenvolvimento pós-fordista
A formação do precariado pós-fordista na indústria do
call center
Estado, sindicalismo, greves e direitos sociais: uma hegemonia difícil
Greves e mobilização sindical
Direitos sociais e precarização do trabalho
Considerações finais
ANEXO – Breve nota metodológica
Referências bibliográficas

Fonte
Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 103, p. 25-52, maio 2014.


A eleição presidencial da mais importante liderança sindical da história brasileira, Luiz Inácio Lula da Silva, atraiu a atenção mundial daqueles interessados na trajetória e no destino histórico do país. No entanto, a esperança de que o novo governo se afastasse das políticas neoliberais adotadas pelas administrações anteriores foi logo substituída pela incredulidade. A garantia da independência operacional do Banco Central, a manutenção da taxa de juros em um elevado patamar, a conservação da política de metas inflacionárias e uma reforma da previdência pública que aumentou o tempo de contribuição do funcionalismo público, diminuindo os valores dos benefícios, deixaram muitos daqueles que haviam apoiado o Partido dos Trabalhadores (PT) um tanto ou quanto perplexos (ver Hunter, 2008).

Aquilo que pode ter deixado muitos analistas políticos desorientados já havia sido anunciado em outras oportunidades por sociólogos críticos que se dedicaram ao estudo da trajetória do PT. Provavelmente, a voz mais influente a anunciar a transformação petista rumo à reprodução da ortodoxia financeira terá sido a de Francisco de Oliveira. Ao longo deste artigo, pretendemos colocar à prova empiricamente alguns aspectos da tese, anunciada a seguir, levantada por Oliveira quando da primeira eleição presidencial de Lula da Silva (Oliveira, 2003). Para tanto, pretendemos utilizar dados colhidos entre os anos de 2004 e 2009 por meio do nosso estudo de caso ampliado da formação e da experiência do grupo de teleoperadores da indústria paulistana do call center.

Como deverá ficar mais claro adiante, consideramos que a indústria do call center sintetiza as principais transformações recentes do mundo do trabalho no Brasil, tornando-se um ponto de observação privilegiado para mirarmos as múltiplas interações entre trabalhadores, sindicalistas e governo federal, ou seja, a base daquilo que podemos chamar de “hegemonia lulista”. Assim, começaremos com uma breve síntese do atual debate a respeito do “lulismo” no Brasil. Avançaremos por meio da caracterização dos traços mais marcantes do atual modelo de desenvolvimento dirigido pela burocracia sindical desde 2003, enfatizando as características assumidas pelo mercado de trabalho no país. E, finalmente, exploraremos o estudo de caso dos teleoperadores da indústria paulistana do call center a fim de compreender como a interação entre trabalhadores, sindicatos e governo federal construiu um tipo de consentimento, ainda que precário, capaz de alicerçar um autêntico regime hegemônico.

Clique aqui para continuar a leitura deste artigo
no site da Revista Crítica de Ciências Sociais

Nota

[*] É professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretor do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic-USP). É autor de, entre outros livros, A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista (Boitempo, 2012) e A nostalgia do fordismo: modernização e crise na teoria da sociedade salarial (Xamã, 2003). [email protected]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

×