Por Paulo Eduardo Angelin
Oswaldo Mário Serra Truzzi
O trabalho doméstico é uma das ocupações mais antigas de trabalho assalariado, caracterizando-se como um tipo de ofício arraigado “na história global da escravatura, do colonialismo e de outras formas de escravidão” (BIT, 2010, p. 5). Reflete um sistema fortemente estratificado de gênero, classe e cor, pois a maioria dos trabalhadores é formada por mulheres negras, oriundas de famílias cujo nível de renda é considerado baixo e que realizam os afazeres domésticos para famílias de classes média e alta, geralmente sob a supervisão de outra mulher (Brites, 2007).
Segundo o relatório da Internacional Labour Office (ILO, 2013), existem cerca de 7,2 milhões de empregados domésticos no Brasil, dos quais 93% são mulheres. Outros dados mostram predominância de mulheres negras no setor, longas jornadas de trabalho, o que tornam as atividades muito cansativas, e baixo nível de rendimento (PED, 2011). Com a aprovação da Emenda Constitucional (PEC) n. 66/2012 em 26 de março de 2013 e publicação no Diário Oficial da União (DOU) em 3 de abril de 2013, os empregados domésticos foram contemplados quase que plenamente pelo artigo 7º da Constituição Federal de 1988 e tiveram seus direitos equiparados aos trabalhadores de outras profissões, corrigindo, assim, uma injustiça social. Além do mais, de acordo com o Decreto n. 6.481, de 12 de julho de 2008 (Brasil, 2008), é proibido o emprego do menor de 18 anos no trabalho doméstico, por ser considerado insalubre e perigoso.
Entretanto, o trabalho doméstico constitui atualmente um tipo de ocupação que emprega ilegalmente crianças e adolescentes. Segundo o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI, 2013), 258 mil crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos, em geral oriundos de famílias pobres, estavam ocupados em 2011 no trabalho doméstico, representando 3,9% do contingente total de empregados domésticos no Brasil naquele ano. Os maiores percentuais concentram-se nas regiões Nordeste (39,9%) e Sudeste (25,9%). Ao considerar separadamente os grupos por idade, os dados revelam que a maior fração de indivíduos ocupados está na faixa etária entre 16 e 17 anos, na qual 135.041 exercem o trabalho doméstico remunerado, seguida por 92.469 trabalhadores domésticos ativos na faixa etária entre 14 e 15 anos. Os dados ainda relevam que 93% desse contingente total de trabalhadores infanto-juvenis domésticos são meninas e 67% são negras (Idem).
Como se observa, o trabalho doméstico é uma forma de ocupação muito comum no Brasil entre meninas adolescentes negras e provenientes, sobretudo, de famílias pobres. Consiste numa extensão do trabalho doméstico de adultos, tendo as mesmas características, escancarando o forte sistema estratificado de gênero, classe e cor assentado sob ele, conforme apontou Brites (2007).
Uma questão importante quando se discute o trabalho doméstico, especialmente aquele realizado por adolescentes trabalhadoras, diz respeito aos relacionamentos existentes entre patroas e empregadas, que, conforme o contexto social, podem ser harmônicos, revelando relações mais afetuosas, ou mais complexos e conflitantes, desencadeando angústias e sofrimentos. Stengel (2003) afirma que a relação entre patroa e empregada pode ser percebida de maneira bastante positiva, na qual se podem construir laços de ajuda, respeito e aprendizagem, resultando em ganhos, não materiais, mas principalmente afetivos. Brites também atenta para a valorização que as trabalhadoras domésticas fazem do trabalho doméstico e dos relacionamentos existentes entre patroas e empregadas:
[…] quando outras opções de inserção no mercado de trabalho se mostram inatingíveis, o serviço doméstico aparece como um trabalho com possibilidades inexistentes no mercado de trabalho formal. Vantagens de negociar adiantamentos, faltas, horários e as ajudas materiais advinda da casa dos patrões foram apontadas como “o que vale a pena” no serviço doméstico (Brites, 2003, p. 65).
Paulo Eduardo Angelin. Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba – PR, Brasil.
Oswaldo Mário Serra Truzzi. Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos – SP, Brasil.
Fonte: Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 30, n. 89, p. 63-76, out. 2015.