O número de pessoas com acesso à internet no Brasil já ultrapassa 100 milhões, segundo estudo divulgado pelo Ibope Media. Dados indicam também que o país tem 61,2 milhões de usuários do Facebook, uma das maiores redes sociais da atualidade. A quantidade impressiona, principalmente, porque a popularização dessas ferramentas de relacionamento virtual provoca muita polêmica com relação aos limites da privacidade e o direito à liberdade de expressão.
A legislação trabalhista permite que empresas estipulem condutas e posturas sobre o uso das tecnologias. Isso pode ser feito no próprio contrato de trabalho ou fazer parte da convenção coletiva da categoria. Alguns empregadores até elaboram cartilhas ou manuais de redação corporativos para orientar os empregados sobre o comportamento recomendado para as redes sociais. Publicações em sites de relacionamentos ou blogs pessoais podem provocar a demissão por justa causa, com base no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT10) determinou que um ex-empregado do restaurante Coco Bambu, em Brasília, pagasse R$ 1 mil de indenização por danos morais ao estabelecimento. O motivo: o trabalhador publicou em sua página pessoal no Facebook comentários considerados difamatórios à empresa. A Terceira Turma do TRT10 considerou que o trabalhador ultrapassou os limites do direito à manifestação ao depreciar e caluniar o restaurante na rede social.
A juíza titular da 2ª Vara do Trabalho de Taguatinga, Rosarita Caron, adverte que da mesma forma que uma empresa não pode invadir a liberdade de expressão do empregado, este também não deve falar mal de um superior hierárquico. “Se você quer falar mal, tem liberdade para falar. Agora, também tem que arcar com as consequências”, alerta. Segundo ela, as pessoas costumam postar tudo e qualquer coisa. “É aí que mora o perigo. Postam coisas de intimidade e isso é prova”, explicou a juíza.
Facebook x contradita
Imagens, comentários, postagens e curtidas no Facebook também têm sido constantemente utilizados para tentar retirar testemunhas de processos, juridicamente denominado contradita. Nessas situações, o advogado informa ao juiz responsável pelo processo que a pessoa escolhida pela parte adversária é amiga íntima do reclamante ou do reclamado, e portanto não poderia ser indicada como testemunha.
A juíza Rosarita Caron vivenciou um caso desses na 2ª Vara de Taguatinga. A magistrada conta que a testemunha foi contraditada sob o argumento de que ela teria uma amizade íntima com a autora da ação. O advogado do réu usou uma foto do Facebook como prova, mas a magistrada entendeu que a relação de amizade em uma rede social é relativa. “O fato de ter foto da reclamante com a filha da depoente no Facebook não comprova a existência de amizade íntima”, observou.
Mas nem sempre o vínculo se restringe às redes. Para o juiz titular da 10ª Vara do Trabalho de Brasília, Márcio Brito, depois do advento das redes sociais se tornou comum que a contradita fosse comprovada por meio da grande quantidades de informações postadas nessas páginas. “Participar de uma rede social permite o compartilhamento das informações que você publica. Então você participa da rede social consciente de todos os riscos advindos disso. Atualmente, as pessoas ainda não tem uma noção dos limites. Tudo que se fala numa rede social, hoje, se amplifica de uma forma instantânea e veloz”, salientou.
O artigo 829, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), prevê que os amigos íntimos e os parentes até terceiro grau não podem ser ouvidos na condição de testemunha e as declarações que eles prestarem não podem servir para apuração do crime de falso testemunho. O depoimento dessas pessoas é ouvido apenas como informação ao juízo. O advogado Paulo Vieira alerta para o cuidado com essas relações, porque hoje a Justiça está muito mais atenta e disposta para aceitar provas obtidas diretamente nas redes sociais. “A verdade aflora muito mais rápido com o aparato tecnológico, principalmente com as redes sociais. É importante registrar que o magistrado está, sim, atento às redes sociais”, comentou.
De acordo com a juíza do trabalho substituta, Mônica Ramos Emery, as partes, ou mesmo testemunhas que mentem em juízo podem incorrer em crime de falso testemunho e estão sujeita à pena de prisão e multa. “Temos visto várias situações em que dados sobre autores ou testemunhas são obtidos nas redes sociais. Muitas vezes, as pessoas não se preocupam com o que falam, divulgam ou publicam, sem entender que aqui ali em algum outro momento da vida dela vai gerar uma repercussão, às vezes, negativa”, completou.
Em outro caso, as empresas Speed Comércio de Aparelhos Celulares Ltda – ME e Veloz Comércio de Aparelhos Celulares Ltda-ME, conhecidas como Lig Celular, foram condenadas a converter a demissão por justa causa de uma sub-gerente em demissão sem justa causa. A empregada havia sido dispensada sob a alegação de que não teria coibido conversas que depunham contra a imagem da empresa, em um grupo criado pela equipe de colegas de trabalho no aplicativo Whatsapp – utilizado em smartphones para troca de mensagens instantâneas de texto, voz, vídeo e imagem.
Segundo a Lig Celular, a funcionária e os demais participantes da conversa virtual trocavam mensagens, nas quais eram atribuídos apelidos pejorativos a outra empregada e ao diretor executivo. Nos autos, a empregada alegou ter criado o grupo para facilitar a comunicação com a equipe, mas que não controlava as conversas. A sentença, no entanto, considerou que não há provas de que a conduta da funcionária tenha lesado a honra e a boa fama da empresa.
“A gerente montou o grupo para conversar sobre as vendas da loja. Só que nesse grupo as pessoas são livres para se expressarem. Então elas tanto vão falar de vendas, como vão fazer piadas, brincar uns com os outros, vão falar mal de alguém. Isso é próprio do ser humano. Mas é um grupo fechado. A partir do momento que a empresa invade esse grupo, sem autorização, ela está ferindo o direito de expressão de seus empregados. Então, eu não vejo como podemos condenar as pessoas que estão no grupo”, ponderou a juíza Rosarita Caron, responsável pelo caso.