MP 871/19: Pente fino de Bolsonaro não passa de uma medida classista e mercadista

Em tempos onde muito se fala na necessidade de uma reforma previdenciária, algumas mudanças já vem ocorrendo  por meio de medidas provisórias, sob a justificativa de conter os gastos com a Previdência Social.

Nos últimos 2 anos (2016-2018), ainda no Governo Michel Temer, através da “operação pente-fino”, milhares de segurados foram convocados para serem submetidos a perícias de reavaliação da incapacidade, através das chamadas Perícias de BILD (Benefícios por incapacidade de longa duração), vindo  a ser cancelados 80% dos benefícios de auxilio doença  revisados e 30% das aposentadorias por invalidez a ter os benefícios cessados .

De ressaltar , que parte dos benefícios  cessados se deveu ao fato de que muitas das pessoas perderam os prazos para apresentação de documentos em virtude de dificuldades físicas ou geográficas .

A MP 871 /2019 , insiste  no caminho de aprofundar a revisão centrando seu foco de ação na população mais pobre , eis que 80% dos benefícios visados têm valor próximo ao salário mínimo . Entendemos que tal empenho no combate às ditas fraudes , deveria , se intenção fosse fortalecer a Previdência Social , ser no sentido de promover um pente fino nos sonegadores e na publicação de medidas de revisão das isenções concedidas  para amplos sectores do empresariado.

A medida provisória (MP) editada pelo presidente Jair Bolsonaro tem como um dos seus principais eixos dificultar o acesso a vários benefícios previdenciários ( auxilio-doença, aposentadoria por invalidez , salário – maternidade e auxilio reclusão). Ignorando a profunda crise econômica que assola o Pais  com uma taxa de informalidade , segundo o IBGE de aproximadamente 43%. A MP  publicada  na sexta 18 de janeiro de 2019 é profundamente  injusta para com aqueles que ficarem por mais de 36 meses sem contribuir, pois para voltarem a ter a condição de segurado terão de cumprir novamente  toda  a carência , que varia de 10 a 24 meses.

Então com a mesma MP  se promove o enxugamento da Previdência por via da dificuldade de acesso aos benefícios e pelo combate às supostas fraudes  insistindo neste particular ,  na  revisão  dos benefícios auxílio-doença, aposentadoria por invalidez , além de  ampliar o “ pente fino”  para o auxílio-reclusão, pensão por morte e Benefício de Prestação Continuada (BPC/Loas) , vendo infelizmente  a fraude  não como exceção , mas como regra.

Manifesto que a MP 871/19  aprofunda o modelo adotado no governo Temer, o pente-fino nos benefícios do INSS  , o qual conforme já comprovado ,  indica que, ao seu final, a investida vai acarretar uma “falsa economia” ao país, devido ao elevado número de ações judiciais pelos segurados para anular o corte arbitrário de benefícios e pensões e reaver direitos cortados indevidamente. O “mau exemplo” do governo anterior, de Michel Temer – e que é repetido agora –, é o pagamento de bônus em dinheiro aos peritos do INSS que identifiquem supostas fraudes.

No caso da MP 871/19 , é instituída uma gratificação de R$ 57,50, por servidor, para cada processo concluído. Atualmente, há 3 milhões de processos pendentes nessa situação. Segundo o governo, ato do presidente do INSS fixará os parâmetros de atuação, inclusive as metas de aumento de produtividade para participar desse programa.

Segundo o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), o “pente-fino” do governo Temer, que começou a ser executado em  julho de 2016, colaborou para que houvesse uma explosão de ações na Justiça Federal, a ponto de faltar recursos para a realização de perícia médica no sistema judiciário. O risco agora pode ser ainda maior, pois a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, prevê a revisão de todos os benefícios concedidos. No processo anterior, auxílio-doença e aposentadoria por invalidez foram os alvos do pente-fino. Agora estão na mira do governo o auxílio-reclusão, a pensão por morte e a aposentadoria rural.

Para o IBDP, trata-se de uma medida com viés “classista” – pois atende aos interesses dos peritos que querem incrementar seus rendimentos com as bonificações concedidas – e “mercadista”, porque passa ao mercado financeiro a falsa sensação de que o governo estaria fazendo esforços para conter o gasto público.

A Medida Provisória nº 871/2019, não se limita aos benefícios por incapacidade, implementando também uma série de alterações nas regras de concessão de benefícios previdenciários, tais como pensão por morte, auxílio-reclusão, a condição de dependente previdenciário, mudando também as regras para aproveitamento das contribuições previdenciárias realizadas antes da perda da qualidade de segurado.

Com a Medida Provisória 871/19  foram criados dois programas especiais para revisão de benefícios, sendo um para revisão dos benefícios por incapacidade e outro para análise de benefícios com indícios de irregularidades .

Destacamos em particular as principais  alterações introduzidas pela MP 871/19 :

1.- Revisão dos benefícios por incapacidade De acordo com a MP, todos os benefícios por incapacidade concedidos há mais de 6 meses sem avaliação e sem data prevista para cessação, terão que passar por perícia de reavaliação.

2.- BPC/LOAS

O pente-fino também atinge os beneficiários do LOAS, os quais, estando em benefício há mais de 2 anos, serão convocados para reavaliação pela força tarefa previdenciária.

3.- Revisão dos demais benefícios

Todos os benefícios que apresentarem “probabilidade de descumprimento de requisitos mínimos exigidos à concessão “ serão revisados. Nos casos de verificação de indício de irregularidade na concessão do benefício, o mesmo não será suspenso de imediato, abrindo-se ao segurado o prazo de 10 dias para apresentação de defesa. Caso a defesa não seja aceita, o benefício será suspenso, cabendo recurso em 30 dias ou ajuizamento de ação judicial.

4.- Dependentes Previdenciários e pensão por morte

Em relação aos dependentes previdenciários, a MP também trouxe mudanças, exigindo, a partir de agora, quando se tratar de União Estável e/ou de comprovação de dependência econômica quando exigida, há necessidade de início de prova material contemporânea dos fatos, não se admitindo prova exclusivamente testemunhal.

Dependentes menores de 16 anos têm o prazo de 180 dias para requererem os benefícios de pensão por morte ou auxílio-reclusão. Demais dependentes têm o prazo de 90 dias. Em qualquer situação, não realizando dentro desses prazos, o recebimento do benefício ocorrerá a contar da data do requerimento e não mais da data do óbito ou recolhimento à prisão.

5.- Auxilio – reclusão

Para o auxílio-reclusão, passou a ser exigida carência mínima de 24 contribuições, Declaração de Cárcere comprovando recolhimento apenas em Regime Fechado, e análise da média dos salários-de-contribuição dos 12 meses anteriores ao recolhimento à prisão para verificação do limite previsto em lei (os valores são atualizados através da Portaria Ministerial – Atualmente R$ 1.364,43).

6.- Salário – Maternidade

 O salário – maternidade  passou a ter um prazo limitador para o segurado realizar o requerimento, de 180 dias a contar do nascimento ou adoção, decaindo o direito se não for realizado o pedido dentro do prazo.

7.- Qualidade de segurado e carência

No que concerne  a qualidade de segurado, também houve alterações quanto a recuperação da qualidade de segurado, a carência mínima exigida foi alterada para recuperação da qualidade de segurado, sendo para auxílio-doença e aposentadoria  por invalidez 12 meses,  salário maternidade ,  para contribuinte individual, facultativo e segurado especial, 10 meses, e auxílio-reclusão 24 meses.

8.- Certidão de tempo de contribuição (CTC)

 A MP veda a emissão de Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) referente a tempo de serviço, sem contribuição efetiva, exceto para segurado empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso.

Veda também a desaverbação de tempo em RPPS quando o tempo averbado tiver gerado a concessão de vantagens remuneratórias ao servidor em atividade.

A emissão da CTC possibilita que tempo de serviço anterior ao ingresso no funcionalismo público possa ser considerado para efeitos de aposentadoria  através de um processo de regime de compensação previdenciária (COMPREV).

No RPPS a CTC somente será emitida a ex-servidor.

9.- Aposentadoria Rural

A aposentadoria  rural também sofreu alterações, não sendo mais aceitas as declarações dos sindicatos rurais como prova da atividade rural, ou quando for o caso, sindicato de colônia de pescadores.

A partir de agora o segurado especial terá suas informações registradas junto ao Ministério da Economia, através de um cadastro próprio, vinculado ao CNIS.

Por enquanto a auto declaração do segurado especial, ratificada por entidades credenciadas ao Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (PRONATER), nos termos do disposto no art. 13 da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, e por outros órgãos públicos, seguem sendo aceitas no INSS .  A  partir de 2020 somente serão aceitas as informações do cadastro do Ministério da Economia.

10.- Cobrança de benefício pago indevidamente

A MP autoriza a cobrança de benefícios pagos indevidamente, pagos além do valor devido, ou por decisão judicial revogatória ou modificativa da espécie de benefício. Caso os valores não sejam devolvidos à União, os segurados serão inscritos em dívida ativa e poderão ter o valor descontado no benefício ativo ou algum outro beneficio que venha a ser requerido futuramente.

11.-Auxílio-reclusão

A medida provisória também altera o auxílio-reclusão, que só será pago após o mínimo de 24 meses de contribuição e ficará restrito aos dependentes de presos em regime fechado. O auxílio-reclusão não poderá mais ser acumulado com outros benefícios, nem mesmo com o auxílio-doença, caso o trabalhador já o esteja recebendo na data da prisão.

Por fim ,  cumpre lembrar que a MP tem validade de 60 dias, surtindo seus efeitos legais imediatamente, podendo ser prorrogada por mais 60 dias, e, ao final, ser convertida em lei ordinária ou rejeitada, de acordo com deliberação do Congresso Nacional (Câmara de Deputados e o Senado Federal). Se não houver deliberação da MP nos prazos fixados, ela perderá eficácia .

Carta Maior dia 01 de fevereiro de 2019

Marilinda Marques Fernandes é Advogada especializada em Direito da Seguridade Social

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