Melo ‘chantageia’ Câmara para tentar aprovar reforma da Previdência dos servidores

Após o governo não conseguir aprovar o Projeto de Emenda à Lei Orgânica (PELO) 02/20, a reforma da Previdência dos servidores municipais nesta semana, o prefeito Sebastião Melo (MDB) irá tentar suas últimas cartadas junto aos vereadores na próxima segunda-feira (31). Pela manhã, Melo irá à Câmara na expectativa de garantir os 24 votos necessários para aprovação do projeto, o que ele não teve essa semana. Caso não consiga, apresentará um Projeto de Lei Complementar, que precisa de menos votos para ser aprovado, prevendo o aumento das alíquotas de contribuição previdenciária dos servidores. Para a oposição e a direção do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), o prefeito tenta uma “chantagem” porque sabe que será derrotado.

O atual texto da reforma, incluindo emendas e subemendas já acordadas, pretende equiparar a idade mínima da aposentadoria ao que foi aprovado nas mudanças promovidas no Congresso Federal, em 2019, isto é, estabelecendo a idade mínima de aposentadoria em 65 anos para homens e 62 para mulheres, com o desconto de cinco anos para professores.

Para os servidores que ingressaram na Prefeitura antes de 31/12/2003, prevê uma regra em que são somados o tempo de contribuição e a idade mínima para aposentadoria. Quando essa soma for igual a 100, para homens, e a 95, para mulheres, o servidor poderia se aposentar.

Já para aqueles que ingressaram no serviço público municipal a partir desta data, cria uma regra de pedágio em que, se o servidor estiver perto de completar o tempo mínimo de contribuição (35 anos para homens e 30 para mulheres) pela regra atual, ele terá que cumprir um período a mais para se aposentar antes da nova idade mínima. Por exemplo, um servidor que estiver a dois anos de se aposentar atualmente, terá de pagar um pedágio de 50%, isto é, terá de trabalhar um ano mais. Este pedágio aumenta proporcionalmente ao tempo que falta, mas não pode superar a idade mínima para a aposentadoria (65 e 62 anos).

Em conversa com o Sul21, Melo avalia que a reforma da Previdência aprovada pelo Congresso Federal, em 2019, já deveria ter incluído os servidores estaduais e municipais, mas que, por razões políticas, os parlamentares deixaram a tarefa para governadores e prefeitos. O chefe do Executivo diz que a reforma já fazia parte do “contrato” que assumiu com a cidade durante a campanha. “Eu não posso ter pessoas que se aposentam com idades diferentes morando na mesma rua, no mesmo bairro”, diz.

Ele diz também que, sem a reforma, chegará o momento em que não será mais possível pagar os aposentados. E, em terceiro lugar, afirma que a medida tem o objetivo de “estancar a sangria” dos cofres municipais.

A Lei Orgânica do Município, equivalente a uma Constituição Municipal, estabelece que apenas um projeto de emenda à ela pode alterar a idade de aposentadoria dos servidores municipais e, por lei, estas emendas precisam de aprovação de dois terços dos vereadores, o que significa 24 votos favoráveis.

Caso não consiga o apoio necessário na Câmara, o plano B de Melo é apresentar um projeto prevendo o aumento da alíquota previdenciária dos servidores, hoje em 14% e que poderia chegar a até 22% para algumas categorias. Para este caso, o governo precisaria apenas de maioria simples na Câmara, 19 votos, o que o prefeito teoricamente alcançaria com facilidade junto à sua base aliada.

“Eu vou trabalhar até o último momento para ter os 24 votos. Se não tiver, não termina a reforma da Previdência, porque eu preciso dos 24 votos somente para mudar a idade daqueles que vão entrar, os novos servidores. Se eu não tiver os 24 votos, eu vou propor novas mudanças na Previdência que, se eu aprovasse a mudança na Lei Orgânica, eu poderia ter alíquotas mais suaves. Por quê? Porque eu teria servidores que ficariam mais tempo trabalhando, entra mais recurso na Previdência, e eu poderia ter uma alíquota menor. Então, se eu aprovar o PELO, eu posso ter uma alíquota que vai no limite a 14%. Mas, se os vereadores decidirem não aprovar, eu já tomei a decisão, a emenda está pronta, eu vou protocolar ela segunda-feira, em que vamos começar com uma alíquota de 14% e vamos a 22%, porque a lei federal nos permite isso”, diz, acrescentando que esse aumento de alíquotas seria permanente.

Para o prefeito, há uma incompreensão da oposição a respeito da matéria e, para ele, a reforma da Previdência, com elevação das idades para aposentadoria, não é uma questão ideológica. “O governo da Bahia, do PT, do Rui Costa, fez a reforma da Previdência. O governo de Fortaleza é do PDT, dos vereadores que estão tendo dificuldade em votar. Lá o prefeito fez uma reforma muito mais severa do que o que eu estou propondo aqui. Então, ela não é ideológica, é necessária”, diz.

Melo afirma ainda que, mesmo no caso de só aprovar o aumento das alíquotas, a Prefeitura tem estudos indicando que poderão faltar recursos para arcar com as despesas mensais em setembro, o que levaria ao atraso de salário de servidores a partir de outubro. Ele explica que isso aconteceria porque a previsão é de que a aprovação da reforma geraria uma economia de R$ 150 milhões neste ano. “É quase uma folha de pagamento. Então, pelos estudos que eu tenho aqui, se a economia não melhorar, pela questão da covid, baixa arrecadação de imposto, e faltar dinheiro para pagar o essencial, eu também já tomei a segunda decisão: vou pagar primeiro os serviços essenciais da cidade, que são os convênios, a saúde, o recolhimento do lixo da cidade, e por último vou pagar os servidores, começando pela área da saúde e pelos menores salários. Vou fazer isso e vou explicar para a população a cada atraso”, disse.

Dívida da Prefeitura

Diretor-geral do (Simpa), João Ezequiel da Silva argumenta que não há déficit nas contas do Previmpa, o regime de Previdência municipal, criado em 2001, mas, sim, um superávit.

“Esse déficit alardeado pelo prefeito Melo, na verdade, é uma dívida da Prefeitura com o regime de Previdência. Quando houve a criação do Previmpa, começou a ter dois regimes no município. Um, de repartição simples, dos que tinham entrado [na Prefeitura] antes de 2003. Os que entraram depois já estavam vinculados ao regime de capitalização previdenciária. A Prefeitura é responsável por pagar as aposentadorias do regime simples, porque, no momento da criação do Previmpa, ter repassado os valores patronais ao Previmpa, o que estaria na ordem de R$ 2 bilhões, mas não repassou e assumiu o compromisso de bancar com a aposentadoria de cada um que fosse se aposentado. Foi uma espécie de empréstimo. Ela reteve o valor e, nesse meio tempo, não fez um fundo desse valor, o que poderia ter feito”, argumento o diretor do Simpa.

Diretor do Simpa, João Ezequiel participa de ato contra a reforma na última segunda-feira (24) | Foto: Divulgação

Para o Simpa, Melo quer que os servidores paguem essa dívida que é da Prefeitura com redução dos vencimentos das aposentadorias, de pensionistas, com aumento da idade e tempo de contribuição. “Sendo que, nós já tivemos, em 2017, um aumento da nossa alíquota de contribuição de 11% para 14%. Por todos esses motivos, nós dizemos que essa reforma não é necessária. É uma mentira dizer que os cofres da Previdência municipal estejam deficitários e precisem de uma reforma. O que, na verdade a Prefeitura quer fazer, é diminuir a sua responsabilidade, só que isso aí já foi acertado na criação do Previmpa. É como se tu tivesse uma dívida e quisesse repassar para um parente teu”, afirmou o diretor-geral da entidade, acrescentando ainda que os servidores municipais estão há cinco anos com os salários congelados, sem a reposição da inflação.

João Ezequiel avalia ainda como uma “covardia” a possibilidade do governo aumentar a alíquota de contribuição previdenciária em caso de não conseguir a reforma completa. “Embora todas as dificuldades da pandemia, nós fizemos um grande movimento, uma pressão enorme em cima dos vereadores, e estamos conseguindo impedir que ele tenha os 24 votos, essa que é verdade. Tanto que na última quarta-feira (26), nós fizemos vigília na Câmara, a expectativa do governo era começar a votar ali o projeto e ele não teve essa capacidade, seria derrotado”, afirma. “O PLC, que é do governo Marchezan, que trata especialmente das alíquotas das contribuições previdenciárias, só precisa de 19 votos. A reativação do PLC, ao mesmo tempo que é uma vantagem ao governo, pelo número reduzido de votos  necessários à sua aprovação, é uma vingança covarde”, complementa.

Nesta sexta-feira, os municipários realizam uma assembleia geral online para debater os rumos da mobilização da categoria contra a reforma.

Oposição

Líder da oposição na Câmara, Pedro Ruas (PSOL) diz que “é uma vergonha” o fato do prefeito não ter enviado à Câmara, em cinco meses de governo, “nenhum projeto” para o enfrentamento da pandemia e agora usar a pandemia como desculpa para a queda na arrecadação. “Poderia ter um projeto para distribuir cestas básicas. Poderia ter um projeto de auxílio-emergencial, o [governador Eduardo] Leite mandou um para a Assembleia. Poderia ter um projeto de distribuição de álcool gel na periferia. Poderia ter um projeto de, pelo menos, melhorar o saneamento, nós estamos com muitas áreas da cidade, e não começou com o Melo, que tem esgoto cloacal e a céu aberto. Ele mandou um projeto, na verdade, pedindo aprovação para comprar vacina. Nós autorizamos em 48 horas e ele não comprou nenhuma vacina, nem meia. Quer dizer, ele não mandou nenhum projeto de combate à pandemia. Pior, ele tem a tese de que tudo tem que abrir”, diz o vereador.

Vereador Pedro Ruas é o líder da oposição | Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA

Além disso, Ruas critica que o fato de que o prefeito Melo lançou o projeto RecuperaPOA, que reduz em até 90% os juros e as multas de devedores de impostos municipais, como o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de direitos reais a eles relativos (ITBI), a Taxa de Coleta de Lixo (TCL), a Taxa de Fiscalização de Localização e Funcionamento (TFLF) e créditos de natureza não tributária inscritos em dívida ativa. “O micro e o pequeno empreendedor, a gente concordaria, mas ele vai até o gigante, vai até os bancos. As receitas de IPTU e ISS são vitais para o município e ele abre mão dos juros e das multas. Aí ele vem com o argumento de que Porto Alegre precisa da reforma da Previdência dos municipários. Isso é falso. Porto Alegre precisa cobrar a dívida ativa, isso é dinheiro, precisa parar de anistiar grandes e gigantes, como ele está fazendo. Esse mesmo argumento que estão usando agora já usaram na Procempa [na retirada do monopólio para prestação de serviços de tecnologia] e vão usar quando quiserem privatizar a Carris”, afirma o líder da oposição.

A respeito do plano B de Melo, Ruas afirma que o prefeito “pode fazer a chantagem que ele quiser”. “Nessa questão da alíquota especial, ele vai perder é na Justiça, porque ele não pode fazer assim. Eu não tenho problema de buscar o judiciário para questões de abuso de autoridade de governantes, onde o prefeito sair da linha para tentar retaliar e se vingar, da sua própria incompetência em gerir a cidade, nós vamos buscar o judiciário, sim”, afirma.

Ruas ainda classifica como um absurdo o fato da base do governo ter atropelado acordos e colocado o tema para votação na última quarta-feira (26) sem que houvesse previsão para isso no colégio de líderes da Câmara. “É uma falta de respeito. Não é um problema ideológico, é um problema governamental. Eu fui líder da oposição na Câmara há uns dez anos e o líder do governo era o João Dib. Nós sempre fomos totalmente adversários ideológicos, mas, com o João Dib, o que combina hoje pode esquecer que, daqui a dois anos, nem precisa cobrar dele. Então, é um problema muito mais comportamental do Melo, que ele impõe à bancada governista, de desrespeito à oposição, de desrespeito aos municipários e desrespeito com a sociedade. Quando ele não respeita, os setores e as pessoas reagem”, afirma.

Voto de Minerva

Na atual composição da Câmara, a oposição, formada por PT, PSOL e PCdoB, soma dez vereadores, o que seria insuficiente para barrar qualquer alteração na Lei Orgânica. No caso da Previdência, a bancada do PDT, de dois vereadores, se declara como independente, mas já anunciou que não irá votar a favor da reforma. Com isso, seria necessário apenas mais um vereador não votar a favor, sendo contrário ou se abstendo, para barrar o PELO 02.

Um dos mais antigos parlamentares da Casa, Airto Ferronato (PSB) declara que, se depender apenas de seu voto para a aprovação da reforma, ele não votará a favor. “Eu sou um servidor público há 46 anos e tenho uma base forte no serviço público. Tenho tido um compromisso histórico com os servidores e tenho afirmado que eu jamais poderia ser o 24º voto, se não eu seria chamado de traidor e isso não é possível. Então, eu voto contra”, afirma.

Airto Ferronato diz que não dará o 24º voto para a aprovação da reforma | Foto: Divulgação/CMPA

Ferronato diz que, caso o governo tenha os votos necessários, o que seria possível no caso de mudança de posição do PDT ou de um improvável apoio de um vereador declaradamente oposicionista, poderá votar a favor e que trabalhará pela aprovação de submendas pelas quais já vêm dialogando com o governo. Entre elas, está a previsão de que a soma de pontos — idade mais tempo de serviço — para se aposentar seria reduzida de 105 para 100 pontos para homens e de 100 para 95 para mulheres para os servidores que ingressaram antes de 2003.

Uma segunda possibilidade seria alterar a proposta da reforma de que os valores da aposentadoria seriam calculados a partir da média de 100% das contribuições, reduzindo para 90% das contribuições. Uma terceira proposta seria permitir aos servidores que permanecem mais tempo do que o mínimo de contribuição reduzir os anos iniciais do cálculo da média da contribuição. “Se na soma de pontos ele chegou a 103 na data da aposentadoria, esses 3, que é 3%, seriam reduzidos do cálculo da média”, explica.

Apesar de negociar essas emendas com o governo, ele frisa que a negociação só vale para o caso do governo já ter 24 votos, não contando o dele. “Não pode o servidor atribuir a mim a aprovação, isso eu não posso fazer politicamente. Se o projeto tem os votos suficientes, vamos lutar pelas subemendas, essa é a estratégia”, afirma.

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