No último sábado, 19 de agosto, o Núcleo/RS da ASSIBGE-SN realizou o III Encontro Estadual dos Trabalhadores Temporários do IBGE, que contou com a participação da Dra. Marilinda Marques Fernandes debatendo a conjuntura política nacional, principalmente as reformas trabalhista e previdenciária.
Para Marilinda “a reforma da Previdência não passa de uma forma de enxugamento das contas do Estado para satisfazer o capital financeiro internacional e os investidores especulativos. Essa relação começa a piorar no segundo mandato no governo Dilma, que desonerou empresas que não investiram na empregabilidade, fator determinante para o trabalhador contribuir para Previdência Social. Nossa economia está boa para os acionistas da dívida, mas há 14 milhões de desempregados no país, número que aumentará com a recente aprovação do emprego flexível e o fim da justiça trabalhista. A reforma trabalhista entra em vigor em novembro, regulando o trabalho intermitente e a flexibilização dos horários máximos de trabalho. Essa precarização é uma forma de enxugar gastos, acabando com a gratuidade da Justiça do Trabalho para quem ganha até o teto da Previdência, só podendo entrar com ação trabalhista se tiver no pedido inicial o valor líquido solicitado e, se o trabalhador perder, terá que pagar as custas sobre aquele valor. A vara trabalhista vai se tornar uma Justiça residual de outra, como a civil. Direito perdido não se recupera mais, isso a história mostra, e o capital financeiro internacional insiste nas reformas trabalhista e da previdência como condição para investir no país”.
No IBGE alguns já trabalham contratados temporários terceirizados, como na portaria, por exemplo. Os trabalhadores temporários do IBGE, de acordo com um representante do sindicato, só têm como direito trabalhista garantido a contribuição para Previdência Social e essa relação de trabalho. De acordo com ele, “o IBGE têm trabalhando na PNAD anual com trabalhadores temporários desde os anos 90 e, como houve poucos concursos ao longo do tempo, o instituto começou a contratar temporários em pesquisas permanentes, para trabalhar no administrativo, com contabilidade e relações humanas. No início os contratos temporários eram de apenas um ano, mas hoje eles já são de três anos”.
A advogada comenta que o reajuste anual do salário mínimo será R$ 10 a menos que o anunciado, “mas o imposto que incide sobre o lucro do empresariado não aumenta. Portugal se atentou para a necessidade de se taxar ricos e bem governar ante a corrupção. Mas, no Brasil, não houvesse a grande desigualdade social não haveria essa violência. A periferia é marginalizada e só a igualdade combate a insegurança, não repressão, nem desmonte do Estado. Ascender na sociedade depende do lugar de nascimento e a desigualdade na educação aprofunda isso, apesar de esforços como ProUni, FIES, programas que hoje estão diminuindo”.
A especialista em seguridade social afirma que “a reforma política em pauta no congresso hoje não é a que defendemos, nem distritão nem o parlamentarismo, que tanto na monarquia quanto na ditadura foram experiências ruins. Em Portugal existe, mas aqui, se existisse, o primeiro-ministro seria Eduardo Cunha, Jucá, Renan Calheiros, ou seja, condições favoráveis para aumentar as próximas bancadas BBB, boi, bala e bíblia. É preciso colocar essa discussão na pauta, a população está alienada com o tema de corrupção, pauta pobre politicamente, que tem que ser combatida com polícia, com leis para impedir que esses sujeitos corruptos se elejam. Mas não, querem aprovar a reforma política para brigar pelo fundo de campanha, que estão pensando em como será dividindo, aumentando a desigualdade nas eleições, ou para tirar o ‘P’ da legenda dos partidos”.
“Na última votação no congresso sobre as denúncias contra Temer o legislativo foi comprado para sustentar o executivo, algo extremamente degradante para a nação, retirando dinheiro público de rubricas sociais para dar aos deputados para defendê-lo, ao mesmo tempo em que discursa sobre o deficit da Previdência e renegocia a dívida de ruralistas com o INSS”. Para Marilinda, sem uma reforma fiscal e combate à sonegação da dívida da Previdência não haverá mudança. Segundo ela, das ações ajuizadas pela AGU, nem 2% foi cobrado no último ano. “A Previdência tinha auditores fiscais, mas perdeu o controle da arrecadação já que o dinheiro passou a ser enviado para o receitão da fazenda, que não é transparente. Por isso, os auditores fiscais dizem que a Previdência é superavitária e não deficitária. A CPI da Previdência no Senado concluiu o mesmo, apesar de a Previdência ainda não ter sido auditada. A drenagem dos gastos da educação, previdência e saúde é que a deixa deficitária. Na Constituição Federal estão previstos como formas de custeio da previdência não somente as folhas de pagamento, mas também lucro líquido das empresas, cada vez mais automatizadas, lucrativas e com poucos funcionários, além de PIS/PASEP, Cofins e impostos que também deveriam ser contabilizados”.
A idade mínima para se aposentar, se aprovada PEC 287, será de 62 anos para mulheres de 65 anos para homens, retirando, deste modo, o direito de aposentar com 5 anos a menos que os homens que as mulheres têm “em razão da função social da maternidade e da dupla jornada de trabalho culturalmente feminina no trato doméstico, além da maior dificuldade das mulheres de reinserção no mercado de trabalho. O aumento do tempo de contribuição de 15 para 25 anos, com a precarização do contrato de trabalho gerado pela reforma trabalhista, dificultará a aposentadoria, já que a média de tempo de contribuição das mulheres hoje é de no máximo vinte e um anos, e as mulheres negras ainda menos do que isso”.
Para Marilinda, a maioria da população não irá se aposentar e será jogada para os benefícios de prestação continuada que, com a reforma da Previdência, serão para maiores de 68 anos que tenham renda familiar de até um quarto salário mínimo. A advogada também criticou o verdadeiro pente fino realizado pelo governo federal nos beneficiários de auxílio acidente e aposentadoria por invalidez, retirando o benefício de em média 9 em cada 10 segurados submetidos aos mutirões de perícia do INSS desde o início do ano.
Segundo Marilinda a população rural será principalmente mais atacada com a aprovação da PEC 287, já que estes se aposentavam com 55/60 anos de idade, tempo que considera como é difícil a vida e as condições de trabalho no campo. Agora, estes terão que pagar individualmente e mensalmente o valor de 5% sobre o salário-mínimo. Para a advogada, essa situação aumentará a desigualdade, miséria, vulnerabilidade e a violência no campo, enquanto a maioria da população não irá se aposentar.
A PEC 287 também incide sobre a pensão, que não poderá mais ser acumulada com aposentadoria se os valores excederem mais que dois salários mínimos, “logo na velhice, quando mais precisam de recursos, retiram as condições de vida da população que contribuiu durante toda uma vida”. O valor da pensão, se aprovada a PEC, será de 50% do salário de beneficio, mais 10% para cada filho, sendo que a alíquota paga para descendentes não será incorporada ao benefício da viúva quando da maioridade dos mesmos.
A fórmula de cálculo do benefício de aposentadoria também será modificada, contabilizada com base na média de todas as contribuições pagas pelo trabalhador desde o início de sua carreira, “aumentando a desigualdade, já que receberá mais quem sempre teve bons salários, mas os mais pobres, que começaram de baixo, em empregos menos bem remunerados, serão prejudicados. É a famosa meritocracia”.
No setor público, com a PEC, incidirá a mudança de idade e do teto da Previdência, com a necessidade de contribuição para previdência complementar no caso daqueles receberem acima do teto de R$ 5500. O Servidor Público que recebe acima do teto da Previdência terá que pagar uma alíquota de 14% sobre o valor excedente em uma previdência complementar privada se quiser se aposentar e receber um salário de benefício próximo ao que recebe atualmente.
Para Marilinda, o governo e a mídia querem causar dissidia entre os trabalhadores, questionando os salários dos servidores sem questionar que na iniciativa privada salários são muito mais altos. “No Japão existem pessoas que recebem 2 milhões por mês. As filhas dos militares têm pensões altíssimas e vitalícias e a alíquota de contribuição é de apenas 3%”. Marilinda comenta que, nos próximos concursos públicos, o teto inicial salarial será de R$ 5000, o que, para ela, abrirá brechas para o aumento da corrupção no setor público. “O teto salarial do país hoje é de R$ 33.000 e, apesar de muitos receberem mais que isso, com adendos nas folhas de pagamento, devíamos tentar fazer com que ninguém ganhasse mais do que o teto, não rebaixá-lo. Na Alemanha, entre o menor e o maior salário do país, a diferença não chega a mais de 10.000. É preciso convencer as pessoas de que é preciso melhorar o serviço público, que quanto menos servidores públicos, pior para a população”.
“Com a privatização das políticas públicas o futuro é a barbárie. Saúde, educação, previdência. Precisamos lutar pelo reforço desses serviços públicos, do Estado como bem público, para termos dignidade de vida na velhice, na doença e na morte. O modelo de consumo tem que ser revertido, o aceleramento do desenvolvimento pelo consumo acaba com o meio ambiente. Infelizmente a população só consegue pensar nos seus problemas imediatos, como comer. Os cidadãos no Brasil foram historicamente, politica e culturalmente tratados como consumidores e mercadoria”.
Para Marilinda, “com o fim da contribuição sindical compulsória, muitos sindicatos devem acabar, sem conseguir se sustentar. Por isso, é preciso acabar com a burocracia nos movimentos, é preciso fazer uma reforma com a base sindicalista, para que esse espaço deixe de ser utilizado como trampolim para políticos de carreira. Como anarcosindicalista, considero que foi através da burocratização e aparelhamento político partidário que houve o enfraquecimento das centrais e organizações sindicais no país, como o MST, que foi contido para possibilitar a governabilidade desde a primeira eleição do PT. Poucos movimentos permaneceram na luta, como o dos sem-teto, já que ainda no primeiro mandato, Lula já governava pela cartilha neoliberal. Seu programa de governo trouxe políticas interessantes distributivas, mas que com um sopro já estão sendo retiradas. Hoje o sindicalismo está muito fragmentado, dividido entre categorias. Porém, agora, sem recursos, as centrais terão de se unir, de eleger princípios gerais e superar as divergências e o esquerdismo, a doença infantil do comunismo, assim como a divisão entre celetistas e servidores públicos, que vem sendo construída desde as primeiras reformas da Previdência. A população foi sendo cortada dos espaços de decisão, existiam associações de bairro que sumiram, por exemplo com o advento do orçamento participativo, que não era uma organização política, apesar de ser um exercício da democracia direta, mas não era uma organização de base, e hoje não temos mais pontes com as periferias, com os bairros e com as vilas. O trabalho político que leva a organização e dá poder paralelo a parte do Estado se perdeu, houve uma quebra das pontes, o que dificultou a consciência e a mobilização, já que a reação do estado é matar o movimento”.
Para a advogada, “o judiciário é um poder paternal, criado para aplacar a ira da população, é o chicote que controla o povo em sua indignação, servindo ao capital e ao executivo, moldando e controlando a violência. É a ilusão de que o xerife vai combater a corrupção, como no caso lava jato e zelotes. É preciso observar a Itália, exemplo que o juiz Moro segue, que depois das ações contra corrupção, acabou com Berlusconi no poder. A população está adormecida desde o governo PT, que mesmo com boas políticas sociais e apesar de este ter sido um dos melhores presidentes da história do país, temos críticas ao seu projeto e a ideia da governabilidade. Hoje temos que fazer o possível para unificar as lutas sindicais com pauta principal e voltar para a base. O caudilhismo, centrar-se em uma figura heroica, é uma tendência cultural na América Latina. Não podemos nos deixar levar pelo fatalismo histórico, um culto a uma personagem é problemático para criar novas lideranças. Me perguntam o que eu acho sobre quem deve ser o novo rosto para política de esquerda no país nas próximas eleições presidenciais, e acredito que seria uma boa opção formar uma chapa com Haddad, Freixo e Ciro Gomes juntos, por exemplo, mas acho que provavelmente vá se eleger Marina Silva, infelizmente, por que é quem tem mais se preservado no campo político, não se posiciona e não se queima, parecida com Macron, e a Rede não é o partido, mas terá pouca sustentação congresso. Sobre Bolsonaro, acredito que quanto menos se falar dele, melhor, pois está no páreo. Aqui no estado, Eduardo Leite, que é bonito e não está na frente das pesquisas poderá concorrer correndo por fora e superando todos. Por mim, nacionalmente, poderia ser até mesmo Chico Alencar, desde que fosse uma figura viável que aglutinasse a esquerda. Precisamos de um projeto de desenvolvimento de nação, restaurar a indústria produtiva, não só indústria extrativista, ser celeiro do mundo, exportar grãos e commodities. Mas o presidente do país é escolhido pelo capital. Na eleição de Lula o movimento estava forte mas, a necessidade de apaziguar as mobilizações na América Latina se fez e ele foi se fez e ele foi presidente nesse contexto. Não se consegue governar sem uma base popular forte aglutinada em torno de um projeto de nação, pois, caso contrário, ele se curva ao mercado, é morto ou sofre impeachment na democracia burguesa. Obama foi presidente nos EUA por que o capital precisava de um presidente afroamericano, Lula reformou a Previdência e a CLT porque o capital demandou e não tivemos força para nos contrapor a essa avalanche. É uma ilusão eleger um presidente. Temer é tão fiel que faria o que fosse necessário para se manter no poder. A democracia representativa é completamente manipulada pelo capital financeiro, que não tem rosto mas tem seus representantes, como o FMI. Possivelmente Sérgio Moro, na sua cruzada pela Justiça moralizadora, nada mais esteja fazendo do que “prestar um serviço” às empresas norteamericanas que se sentem prejudicadas com a com o alto valor da propina da corrupção no Brasil”.
Encerrando sua fala, a doutora reafirmou que “a esquerda está fragmentada em muitas bandeiras, o que é bom e ruim, porque ter diversidade e inclusão é importante, mas não se pode perder o norte da divisão de classes. Levar 4 milhões de pessoas na parada gay é muito interessante, mas é importante observar a baixa mobilização contra reforma trabalhista. Não se pode ter somente um grupo, e apoiar apenas uma bandeira, é preciso conscientização dos direitos das minorias mas também estarmos unidos na nossa posição em relação a desigualdade de classe, que é a origem dos preconceitos no capitalismo. É preciso consciência de classe. Hoje um pequeno empreendedor não se considera um trabalhador. Por fim, nessa péssima conjuntura nacional e internacional, espero ter contribuído para diminuir a nossa cegueira”, finalizou a palestrante, fazendo referência a obra de José Saramago, Tratado sobre a cegueira.
Texto e fotos: Carina Kunze