I Seminário Estadual de Mulheres Negras do Partido Socialista do Brasil discute impactos da reforma da Previdência

No último sábado, 5 de maio, a Dra. Marilinda Marques Fernandes palestrou no I Seminário Estadual da Mulher Negra do Partido Socialista Brasileiro, na Assembléia Legislativa, em Porto Alegre.

Estavam presentes na mesa de abertura o deputado federal do PSB, José Stédile, Paulo Rogério Leites, da executiva estadual do PSB e Rafael Cavalheiro, que fizeram saudações aos presentes e ao evento, reconhecendo a importância atividade e o trabalho da proponente, Izamel, assim como a caminhada do movimento da negritude socialista contra o racismo e a violência contra o povo negro e todos os preconceitos. De acordo com Izamel Ferreira da Silva, 1° secretária da executiva estadual da Negritude Socialista Brasileira e secretária geral da NSB de Porto Alegre, “queremos equidade, valorização, espaço, voz, e estamos na luta, seguindo adiante. Podemos até ser belas, ou recatadas, mas do lar, só quando a gente quiser. Lugar de mulher é na luta”.

De acordo com Stédile “é preciso fazer uma reflexão sobre a pouca participação de mulheres nos partidos. A cota de participação faz com que sejam jogadas em chapas eleições para preencher vagas, em um desrespeito, não tendo reais chances de concorrer, com apoio de fato do partido. Temos que ter mais mulheres e homens negros concorrendo e com condições se colocar na disputa. Há uma discriminação muito forte e o nosso partido deve dar condições para ter candidatos do movimento negro e de mulheres, aumentando a consciência. Hoje só há 2% de negros no Congresso Nacional e na Assembleia Legislativa do RS não há nenhum. Nunca foi eleita uma mulher negra na Assembleia Gaúcha”.

Cristina Almeida, da secretaria nacional da negritude socialista brasileira, enviou uma saudação por mensagem, diretamente do diretório Estadual do Amapá, saudando o evento, assim como Pedro da Silva Filho, secretário estadual da NSB, presente no encontro, que falou da importância de a Negritude lutar para que os espaços de poder tenham um olhar negro, tanto no partido como no país, “esse evento, organizado pela Izamel, que assumiu essa luta para suprir essa carência, criando este espaço, que estaria mais cheio se houvesse uma maior cultura e apoio. Ao final desse encontro deixaremos a pergunta, quem é efetivamente que o movimento negro vai indicar para sair daqui como nome representativo da negritude socialista brasileira nas próximas eleições? É fundamental, depois de debater essas temáticas colocadas no seminário, sair daqui com alguma candidatura para o próximo pleito, em uma reação com representantes que defendam as causas dos princípios da negritude e coloquem um olhar negro sobre a política como um todo”.

Em relação à reforma trabalhista, de acardo com o deputado Stédile, o partido deu indicativo de realizar voto contrário, “a Previdência precisa de uma reforma, por não ser mais lucrativa, mas sou contra a PEC 287 por prejudicar principalmente trabalhadores braçais e camponeses. Na reforma trabalhista, 22 deputados do PSB votaram a favor e 14 foram contrários”. O deputado comenta que recebeu representantes dos trabalhadores da fábrica da Tramontina pedindo para que votasse a favor da reforma trabalhista, para que pudessem realizar horas extras sem ter que cumprir os 15 minutos de descanso previstos na CLT entre os turnos. O deputado afirma que ele e o seu gabinete mostraram que a reforma era mais do que nisso e que elas compreenderam que perderiam direitos, “ mas, assim como elas, outras categorias defenderam a reforma, como os vigilantes, que pediram horários mais flexíveis. Então esse movimento fez aumentar votantes a favor, principalmente também, contra o imposto sindical”. De acordo com o deputado, a reforma da Previdência terá 34 votos contrários e 6 a favor no PSB.

Carlos Kdoo, representante do Quilombo da Arte, e da rede de empreendedores negros Todos os tons de Negros, que atua com diversos produtos e serviços que enaltecem a etnia enquanto identidade e cultura, fez uma fala convidando para conhecerem a exposição e “para pensar como o movimento negro pode não ser eurocêntrico, mais autorreferenciado na negritude, para ter maior representatividade. Precisamos de lideranças negras capazes de representar nossos interesses.

Samy Figueiredo fez uma exposição sobre empoderamento apresentando seu grupo Atitude e Movimento, que começou como grupo de teatro em Esteio. “Minha filha é rapper e é difícil fazer música nesse espaço majoritariamente masculino. Começamos a fazer apresentações em conjunto, de música e teatro, e começou assim os encontros de mulheres negras, se tornando um movimento cultural na cidade, totalmente civil, e que organizou a primeira marcha de mulheres negras do Rio Grande do Sul”. Para Samy, “só nós mulheres negras vemos a deficiência de apoio a esse movimento em todos os partidos”. Ao final, Samy leu um poema sobre empoderamento através do conhecimento e a necessidade de conhecer a história do movimento, na letra de uma música do artista Gog, mesmo autor da música “Brasil com P”. Por fim, Samy relembra que “o primeiro e único partido negro brasileiro começou no RS e ninguém conhece a história. Estão retirando os nossos direitos, nossas vidas. Temos que lutar para ser diferente, entendendo que a luta significa reflexão sobre a real posição das mulheres negras na sociedade. Quem são os negros que lemos, que ouvimos, quem são os heróis, quem são as mulheres no Brasil?”.

Luciana Custódio, de Pelotas, falou sobre a mulher negra empreendedora e seu coletivo, Rosas do Gueto, composto de mulheres da zona oeste da cidade que trabalham em feiras onde podem expor seus produtos que ajudam a sustentar suas famílias com esse trabalho informal. “Empoderamento empresarial para saber sobre como gerenciar seu negócio, principalmente na periferia. Eu me descobri negra aos 30 anos. Isso por que ser negro não quer dizer estar nessa luta. A escola e a sociedade não contam a nossa história. O nosso movimento tem que passar por uma transformação, por que não basta ter a cor negra, é preciso defender as nossas causas através da entrada nos espaços de poder. Nós não temos espaço, precisamos criar no partido um coletivo que represente nossas pautas. Pelotas é a cidade mais negra do estado e é difícil a inserção do partido em um movimento na periferia, temos que repensar nossas práticas, a juventude do PSB é branca, não representa a juventude de Pelotas, assim como, as participantes do movimento de mulheres do PSB são brancas”.

Elisandro, presidente do PSB de Porto Alegre, apontou que é importante crítica interna, “que não é fácil ser mulher, negra, homossexual, na nossa sociedade e temos que fazer o debate interno com quem tem essas vivências, para resolver nossas posições sobre essas questões na perspectiva da afirmação da nossa essência. Temos que debater as propostas hoje no Congresso Nacional com a nossa identidade e dar força para esse segmento e seguir avançando com posicionamento claro com que nos identifica”.

Solange Souza Brito, representante da secretaria de promoção da saúde de Porto Alegre, apresentou um debate sobre saúde da população negra e a anemia falciforme. Solange inicia sua fala discutindo como a doença foi descoberta há 107 anos sendo que o primeiro relato dela é do Brasil. Mas a política específica para doença se deu em 2006 e em 2009 veio a política para Porto Alegre e, na triagem neonatal é obrigatório em todo o Brasil o teste do pezinho. A portaria 1344, de fevereiro de 2017, aprova que haja informações sobre raça e cor nas pesquisas recolhidas, importante marcação para desenvolver políticas públicas de saúde para população negra e de proteção contra doenças.

O que indicam que os pesquisadores é essa doença se desenvolveu na África, em função da malária, e é uma mutação genética em que a hemoglobina falciza os eritrócitos, e essa mutação protege contra o vírus cortando a respiração das células da hemoglobina. Um dos sintomas da doença é dor no corpo, causada pela vaso oclusão. Os glóbulos brancos eliminam os vermelhos, sendo necessário que as pessoas com a doença realizem transfusões de sangue a cada 3 meses. Outros sintomas podem ser magreza, manchas na pele e o olhos amarelados. A transmissão da doença é genética e não infecto-contagiosa.

A doutora Marilinda Marques Fernandes, advogada especialista em Direito da Seguridade Social, palestrou apresentando as consequências da reforma da Previdência proposta na PEC 287. “Estou agradecida pelo convite e saúdo os presentes neste encontro de mulheres negras, no Brasil, e eu, portuguesa, descendente dos vossos colonizadores, fico feliz de estar nesse espaço para debater as consequências da escravatura, principalmente por que em Portugal ainda se perpetua a ideia de que fomos “bons colonizadores”, e é muito triste ver que o povo português não faz autocrítica do crime contra humanidade que foi a escravidão. Muito da infelicidade do seu povo foi por causa do meu, que gerou uma profunda pobreza que até hoje perpetua e, por isso, gosto de estar presente, fazer a mea-culpa, ainda mais com o genocídio dessa nação aumentando, sem rosto, sem averiguação, uma violência com o povo negro em uma legislação que, por missão omissão ou deliberadamente, perpetua uma brutal desigualdade com recorte de raça”.

Para Marilinda, “o movimento atual do governo do país é de retirada de direitos, e é preciso dizer, discordando aqui do deputado Stédile, que temos que lutar contra o discurso de empresário, detentor do capital e dos meios de produção, e fazer com que não seja aprovado nenhum ponto da reforma da Previdência, assim como lutar contra a reforma trabalhista, que impacta principalmente a mulher negra. As mulheres negras são a maioria nos trabalhos mais precários, informais, e são maioria no trabalho doméstico, categoria que até 2015 não tinha os mesmos direitos que outros trabalhadores, apesar de que, depois da sua regulamentação, muitas se tornaram diaristas para que seus patrões não tivessem que pagar fundo de garantia e Previdência Social. Essa é a lógica da elite brasileira. Com a reforma trabalhista e a prevalência do negociado sobre o legislado, em uma situação política em que os sindicatos estão fragilizados, ainda mais com o fim do imposto sindical, o trabalhador terá seus direitos enfraquecidos, assim como o movimento de resistência, aumentando a desigualdade e acabando com a garantia da dignidade da força de trabalho”.

Para a advogada “o impeachment foi uma quebra do estado de direito que permitiu um ataque em razão da necessidade do novo governo de enxugar gastos para pagar mais juros da dívida pública do país. Assim, ao diminuir as despesas com encargos sociais, através da emenda constitucional 95, que congelou sociais por 20 anos, com áreas como saúde, educação e seguridade, abriu caminho para introduzir outras medidas, como a flexibilização do contrato de trabalho e retirada de diretos da Previdência. A possibilidade do trabalho intermitente, o projeto de lei que possibilita que trabalhadores do campo sejam pagos com casa e comida, são absurdo, e depois da reforma trabalhista ter sido aprovada, a reforma previdenciária não pode passar, e o vosso partido (PSB) não pode permitir que se admita esse aumento absurdo do contingente de excluídos na nossa sociedade.

A PEC 287 acaba com a aposentadoria por tempo de contribuição. O segurado deverá ter 25 anos de contribuição para se aposentar, tanto homens quanto mulheres. De acordo com dados apresentados pela doutora Marilinda, mulheres têm, em média, condições de contribuir em torno de 21 anos e 9 meses ao INSS. “Nesse sentido, o que se avizinha é que elas serão jogadas para os benefícios de prestação continuada, que serão apenas para maiores de 68 anos”. De acordo com a pesquisa apresentada pela advogada, mulheres brancas vivem em média até os 72 anos, enquanto mulheres negras só até 68 anos, “ou seja, trabalharão até morrer. Marcelo Caetano, secretário da Previdência Social e figura ligada diretamente à empresas de previdência privada, considera que mulheres e homens ganham o mesmo, sem levar em conta a dupla jornada de trabalho feminina com os afazeres domésticos e a função social da maternidade.

As reformas trabalhista e previdenciária penalizam principalmente as mulheres negras, já que são 39% dos trabalhadores mais precários no país, sem carteira assinada. No país são 6, 6 milhões de trabalhadores domésticos, entre os quais 90% são mulheres e, dessas, 61% são negras, sendo que este continua sendo o trabalho mais informal do país. Para Marilinda, a ideia de empoderamento por empreendedorismo, que é propagada como fonte de renda alternativa para mulheres e uma forma de saída da crise do sistema, “é extremamente arriscado e faz com que a classe trabalhadora se fragmente ainda mais no momento em que muitos trabalhadores informais passam a se considerar empresários. O governo não tem interesse em desenvolver a indústria e a economia do país, ou gerar novos empregos, ao contrário, desonera as empresas de impostos, e estas investem seus lucros exorbitantes na especulação financeira, sem investir na produção”.

Para Marilinda, “o governo federal opta por ser um governo militarizado e garantidor de condições para a expansão do capital, desmantelando a saúde, educação e previdência públicas. Se o governo estivesse realmente preocupado em tornar a previdência mais forte, já que dizem que é deficitária, deveria adotar uma política de incentivo para que os nossos jovens trabalhadores acreditem e contribuam para o INSS. O governo também não cobra dívidas atrasadas de grandes empresas, como Bradesco e Itaú, só se preocupando em reformar as saídas e não as entradas financeiras da previdência, cortando apenas benefícios. O Brasil também não cobra impostos sobre dividendos e ainda isenta escolas e hospitais religiosos considerados filantrópicos, como o colégio Anchieta e o hospital Moinhos de Vento. Também não é cobrado imposto sobre grandes fortunas ou heranças”.

A Constituição Federal de 1988 previu rubricas de orçamento para a Previdência, mas o governo desvia cerca de 30% desse para o pagamento da dívida pública. O governo também só contabiliza as contribuições derivadas dos descontos na folha de salário para calcular o suposto déficit da Previdência, que os auditores-fiscais do INSS contestam. “Bom, com menos empregos, menos salário, ou seja, menor será a entrada de dinheiro na Previdência. Um político não pode ser apenas um gestor econômico. Com 14 milhões de desempregados no país a população mais pobre é que está pagando a conta. Tem que haver mais empregos e fragilizar a legislação trabalhista apenas piorará o quadro. Com cada vez mais trabalhos substituídos por funções automatizadas há que se pensar em novas formas de custeio da Previdência Social, que sejam cobrados das empresas, por exemplo, uma porcentagem sobre seus lucros, ao invés da folha de salários”. 

A PEC 287 também propõe que a aposentadoria só poderá ser requerida pelo segurado com mais 65 anos de idade. Com as emendas apresentadas à PEC, mulheres poderão se aposentar aos 62 anos, homens do campo aos 60 e mulheres do campo aos 57 anos. A pensão por morte não será mais de 100% do salário-de-benefício, mas de 50% mais 10% por dependente. O segurado só terá direito a acumular pensão com aposentadoria se o valor não exceder dois salários mínimos. Para obter a pensão terá que ser comprovado 180 contribuições mensais antes do óbito, dois anos de união e a pensão só será vitalícia a(o) pensionista(o) tiver mais de 44 anos. Também aumentou o tempo de carência para solicitar auxílio maternidade, agora é necessário comprovar os dez meses de contribuição. Marilinda relembra que, com a MP 739, os beneficiários de auxílio-doença foram submetidos a um verdadeiro pente fino, “em que 9 em cada 10 recebem alta, mesmo que a lei estabeleça que é preciso oferecer reabilitação antes da alta”.

Com a PEC 287, para receber 100% do salário de benefício o trabalhador terá que contribuir por 40 anos. Também foi modificado o cálculo do salário de benefício, que agora será com base na média de todos os salários de contribuição do trabalhador desde que entrou no mercado de trabalho, acentuando mais a desigualdade. Por fim, para Marilinda “a meritocracia não funciona, principalmente numa sociedade tão desigual quanto a brasileira, e essas reformas, trabalhista e previdenciária, precarizarão ainda mais o direito à dignidade na vida e no trabalho, principalmente para a população negra”.

Texto e fotos: Carina Kunze

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