“Os principais avanços, por um lado, estão na melhora de uma série de indicadores do mercado de trabalho, especialmente com a queda substantiva do desemprego, o avanço da formalização dos contratos, sobretudo dos que estão na base da pirâmide social, e na melhora relativa na distribuição dos rendimentos do trabalho”, aponta José Dari Krein, em entrevista por e-mail à IHU On-Line. “Formalização significa que os assalariados têm acesso à seguridade social e de forma mais efetiva aos direitos trabalhistas. A formalização é fundamentalmente decorrente da dinâmica econômica, mas também de uma conjugação de outros fatores”, complementa.
Apesar da melhora no âmbito da regulação dos trabalhadores, Dari Krein destaca que é preciso ter em conta a maneira como o trabalho é realizado. “Do ponto de vista dos direitos e/ou da regulação do trabalho, os principais avanços estão relacionados com a política de valorização do salário mínimo, a incorporação das domésticas no mesmo estatuto dos demais trabalhadores, a ampliação do seguro desemprego, a regulamentação do estágio e a criação de incentivos para assegurar a seguridade social aos autônomos, donas de casa e pescadores”, frisa. “Os avanços foram expressivos, no entanto, as características estruturais do mercado de trabalho ainda permanecem, tais como a alta informalidade (trabalhadores sem proteção social), uma economia de baixos salários, de alta rotatividade da força de trabalho e da geração de ocupações em segmentos que tendem a não assegurar as melhores condições de trabalho”, pondera.
O pesquisador ainda destaca que uma das tendências do capitalismo contemporâneo é gerar uma espécie de polarização, prevalecendo trabalhos de salários mais baixos e piores condições de trabalho. “Todas essas mudanças — provocadas pela reorganização da produção — colocam grandes desafios ao movimento dos trabalhadores e à sociedade, pois são causadoras de novas doenças e criadoras de um ambiente de maior insegurança. Por isso, é importante observar os movimentos contraditórios vigentes no Brasil recente”, sustenta.
Graduado em Filosofia pela PUC-PR, José Dari Krein tem mestrado e doutorado em Economia Social e do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas, onde atualmente é professor no Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é o balanço que o senhor faz dos governos de Lula e Dilma com relação ao mundo do trabalho? Quais foram os avanços mais significativos?
José Dari Krein – Nos governos Lula e Dilma tivemos movimentos contraditórios, utilizando como referência, por um lado, o que contribuiu para estruturar o mercado de trabalho (com ampliação do emprego protegido e de direitos) e, por outro lado, o que significou retrocesso com o avanço do processo de flexibilização do trabalho.
Os principais avanços, por um lado, estão na melhora de uma série de indicadores do mercado de trabalho, especialmente com a queda substantiva do desemprego (13% para 5% segundo os dados da Pesquisa Mensal de Emprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – PME/IBGE), o avanço da formalização dos contratos, sobretudo dos que estão na base da pirâmide social, e na melhora relativa na distribuição dos rendimentos do trabalho. Dos indicadores positivos, o que se destaca é a formalização, que cresceu acima das ocupações criadas. Formalização significa que os assalariados têm acesso à seguridade social e de forma mais efetiva aos direitos trabalhistas. A formalização é fundamentalmente decorrente da dinâmica econômica, mas também de uma conjugação de outros fatores.
Não tem relação com a qualidade da ocupação, mas é uma condição de cidadania. Do ponto de vista dos direitos e/ou da regulação do trabalho, os principais avanços estão relacionados com a política de valorização do salário mínimo, a incorporação das domésticas no mesmo estatuto dos demais trabalhadores, a ampliação do seguro desemprego, a regulamentação do estágio e a criação de incentivos para assegurar a seguridade social aos autônomos, donas de casa e pescadores. Um aspecto extremamente importante é a interrupção de certas medidas que estavam em discussão no Congresso Nacional, em especial a que previa a prevalência do negociado sobre o legislado.
Para a compreensão dos movimentos contraditórios nos anos 2000, é necessário fazer duas observações preliminares:
Em primeiro lugar, o processo de estruturação do nosso mercado de trabalho — iniciado nos anos 1930 — foi incompleto, interrompendo-se na crise econômica dos anos 1980. Apesar dos avanços substantivos entre os anos 1930 e 1980, o mercado e as relações de trabalho apresentam algumas características estruturais não superadas na nossa história: excedente estrutural de força de trabalho, baixos salários e grande dispersão nos rendimentos do trabalho, expressiva informalidade (sem proteção previdenciária), muitos ocupados em atividades de baixa produtividade, por conta própria e em estratégias de sobrevivência, em pequenos negócios, alta rotatividade, etc. Problemas que permaneceram ao longo do tempo. Do ponto de vista da regulação, apesar dos importantes direitos consagrados na CLT e na Constituição Federal de 1988, o nosso mercado de trabalho é flexível: facilidade de despedir, possibilidade de ajustar o salário e a jornada, boa parte dos direitos sem efetividade (o crime compensa). Nos anos 1980, há um certo congelamento da situação do mercado de trabalho com avanços de direitos sociais, mas com flexibilidade.
Em segundo lugar, nos anos 1990, há um processo de desestruturação do mercado de trabalho, proporcionado pela forma como o país se inseriu na globalização financeira e viabilizou a estabilização da nossa moeda, o Plano Real. Os indicadores do mercado de trabalho pioram muito nos anos 1990 (desemprego, informalidade, atividades domésticas, pequenos negócios, queda da participação do salário na renda, desassalariamento, ilegalidade com afrouxamento dos mecanismos de fiscalização do trabalho, etc.). Ao mesmo, as propostas governamentais, em acordo com as entidades empresariais e respaldo em importantes correntes do pensamento econômico introduzem uma agenda de flexibilização das relações de trabalho como forma de enfrentar o problema do desemprego e de criar as condições para viabilizar a estabilidade da moeda, tais como contratos temporários, banco de horas, remuneração variável. Não é sem razão que a empregabilidade e o empreendedorismo se apresentam como saída para o problema do mercado de trabalho. O discurso da flexibilização ganha espaço em uma sociedade que resiste a ele. As mudanças são pontuais e gerais, mas afetam aspectos importantes da relação de emprego. As duas escolas teóricas que ganharam expressão no debate dos anos 1990 foram: 1) a tese da rigidez das relações de trabalho como explicação para os problemas do mercado de trabalho brasileiro (Pastore, 1994); 2) a teoria de que a excessiva flexibilidade, especialmente na despedida, induzia o sujeito racional a optar por contratos de curto prazo para ter acesso aos benefícios da institucionalidade vigente (FGTS, seguro desemprego e acesso gratuito à Justiça do Trabalho), ao não investimento em qualificação profissional e tenderia a ser prejudicial à obtenção de ganhos de produtividade (Amadeo, Camargo, 1996). As duas posições partem da lógica de que o indivíduo racional faz suas opções pela institucionalidade vigente e consideram que a dinâmica econômica era algo dado e não passível de mudança.
É partir dessa realidade que se poder realizar um balanço do trabalho nos anos 2000.
IHU On-Line – E os recuos? Onde poderia se ter avançado e não se avançou?
José Dari Krein – Os avanços foram expressivos, no entanto, as características estruturais do mercado de trabalho ainda permanecem, tais como a alta informalidade (trabalhadores sem proteção social), uma economia de baixos salários, de alta rotatividade da força de trabalho e da geração de ocupações em segmentos que tendem a não assegurar as melhores condições de trabalho.
Também é importante frisar que a tendência do capitalismo contemporâneo é gerar uma polarização nas ocupações, prevalecendo trabalhos de baixos salários e piores condições de trabalho. Além disso, o processo de desindustrialização que vem ocorrendo no Brasil nas últimas décadas tende a constituir um mercado de trabalho com ocupações de menor qualidade.
A respeito da regulação, os principais retrocessos, que significaram retirada de direitos, foram a reforma da previdência, a lei da falência, entre outros. Também é preciso considerar que a agenda da flexibilização — introduzida nos anos 1990 — não foi revertida, e o nível de avanço da regulação do trabalho foi muito tímido em comparação com outros países da América Latina. Em alguns aspectos, o processo de flexibilização continuou avançando, como a terceirização, as múltiplas formas de contratação, a remuneração variável e as jornadas flexíveis.
IHU On-Line – Lula é egresso do movimento operário. Era de se esperar uma agenda mais ousada no mundo do trabalho ou a conjuntura não permitiu?
José Dari Krein – Na minha avaliação, a situação do mercado de trabalho no Brasil é muito melhor do que no começo da década de 2000. A melhora tem como pressuposto a dinâmica da economia, mas esta vem também por iniciativas políticas e opções de governo. Acabei de participar de um seminário promovido pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales – Clacso, em que é possível observar, com clareza, que países com desempenho econômico melhor do que o Brasil não apresentaram os mesmos avanços. Ou seja, os países que fizeram opção de estabelecer contratos de livre comércio com os EUA (tais como Colômbia, Peru, México) apresentaram resultados piores em relação aos outros (Brasil, Argentina, Bolívia e Uruguai). Por exemplo, a Colômbia ultrapassou o Brasil como país com pior distribuição de renda. No México, a precariedade do trabalho avança de forma expressiva. É uma questão importante, pois, no debate econômico, esses países estão sendo apresentados como alternativas por produzirem taxas maiores de crescimento, mas as consequências sociais são muito piores.
Faltou ousadia de promover uma agenda mais inclusiva e de maior proteção social. |
Com relação à segunda parte da questão, também é possível dizer que faltou, ao governo Lula, a ousadia de promover uma agenda mais inclusiva e de maior proteção social. Os avanços nos direitos trabalhistas, como afirmado acima, foram bastante pontuais. A questão da regulação do trabalho é a expressão das lutas de classes existentes na sociedade. Na comparação internacional, o Uruguai foi um dos países que mais avançaram na constituição de novos direitos, mas tem uma composição mais homogênea no Congresso, em que a Frente Ampla tem maioria absoluta e um movimento sindical unificado e com força na sociedade. A ampla base de sustentação do governo, incluído setores empresariais, dificulta a aprovação de medidas que ampliem direitos. Por exemplo, a agenda da Confederação Nacional da Indústria – CNI (101 propostas de modernização das relações de trabalho) tenciona aumentar a flexibilização. Portanto, a lógica sempre foi trilhar o caminho de menor resistência e de não fazer grandes enfrentamentos com as diferentes forças sociais. Por exemplo, a redução da jornada de trabalho está na agenda há muito tempo; o governo Lula assumiu um compromisso, em 2009, de encaminhar a sua aprovação, mas, com a resistência patronal, voltou atrás. Na questão da regulamentação da terceirização, o que se conseguiu, até o momento, foi estabelecer uma resistência contra uma proposta absolutamente deletéria aos interesses dos trabalhadores. Ou seja, não há força para implementar uma agenda mais progressista, com exceção da área de saúde e da segurança do trabalho, mas também não há grandes avanços em uma agenda flexibilizadora.
Prevalece um poder de veto dos atores, e não uma agenda afirmativa de constituição de novo patamar de direitos.
As questões centrais em que julgo maior necessidade de avanço seriam, entre outros, do ponto de vista normativo: 1) redução da jornada de trabalho; 2) introdução de mecanismos contra a dispensa imotivada; 3) fim do fator previdenciário; 4) derrubada dos projetos que permitem um avanço indiscriminado da terceirização; 5) reconhecimento da negociação coletiva no setor público; 6) maior criminalização dos delitos trabalhistas, na mesma perspectiva da desapropriação da propriedade que utiliza trabalho análogo a escravo; 7) manutenção da lei da valorização do salário mínimo, que está sob forte ameaça; 8) reversão da agenda de flexibilização introduzida nos anos 1990; 9) regulamentação do emprego doméstico. Em segundo lugar, incrementar os mecanismos de fiscalização do trabalho na perspectiva de um combate mais eficaz das fraudes trabalhistas, que são muito grandes. Por último, recuperar o papel do Ministério do Trabalho na implementação de políticas de mercado de trabalho.
Portanto, existe uma agenda bastante longa e complicada para avançar na constituição de um mercado de trabalho mais estruturado, com maior nível de direitos e proteção às pessoas que são obrigadas a vender a sua força de trabalho como forma de sobreviver em uma sociedade capitalista.
IHU On-Line – Considerando-se as relações de trabalho, os governos de Lula e Dilma interromperam as medidas flexibilizadoras iniciadas por FHC ou deram continuidade a elas?
José Dari Krein – Nos anos 2000, apesar da melhora de diversos indicadores do mercado de trabalho e da ampliação da proteção social, não foi constituído um novo patamar de direitos e de proteção. Por um lado, houve uma queda da taxa de desemprego, aumento da formalização dos contratos de trabalho e da proteção social, elevação dos salários, especialmente dos que estão na base da estrutura social, e uma diminuição da desigualdade entre os rendimentos do trabalho. Por outro lado, a flexibilização continua avançando em diversos aspectos da regulação do trabalho, sobretudo em relação às formas de contratação, remuneração e jornada. A hipótese é que as mudanças foram pontuais, porque, por um lado, as teses teóricas e políticas que defendiam a flexibilização como solução dos problemas do mercado de trabalho não foram comprovadas, pois houve crescimento do emprego sem alteração do arcabouço legal institucional. Por outro lado, as pressões de flexibilização continuaram existindo, o que contribuiu para o estabelecimento de um novo patamar de direitos e de proteção social, como pode ser observado no embate sobre a regulamentação da terceirização.
Os principais avanços da flexibilização ocorreram na dinâmica do mercado e foram referendados na luta concreta entre capital e trabalho, inclusive na negociação coletiva.
O primeiro exemplo refere-se à rotatividade, que tende a ter um comportamento pró-cíclico. Explica-se pela inexistência de mecanismos contra a dispensa imotivada e pela estrutura produtiva existente no país. É uma expressão para caracterizar a prevalência da flexibilidade no nosso arcabouço legal institucional. Ela está concentrada em atividades terceirizáveis, sazonais, serviços, comércio e construção civil. É um problema central para o país ter uma maior estruturação do mercado de trabalho. Não se resolve a rotatividade aumentando o valor da indenização da multa em caso de rescisão, mas é mais eficaz fortalecer mecanismos institucionais de controle da dispensa imotivada, como a experiência histórica e internacional tem mostrado em muitos países avançados.
Em relação à remuneração, houve, como afirmando acima, uma valorização substantiva do salário mínimo — uma das principais políticas com efeito social do período — e melhora das negociações salariais pelas categorias profissionais; no entanto, a remuneração variável continua avançando de forma ainda mais intensa nos setores mais estruturados do mercado de trabalho.
Por último, em relação à jornada, houve uma diminuição expressiva do número de pessoas trabalhando para além da jornada legal de 44 horas semanais, em todas as posições da estrutura ocupacional. Depois de 2006, a maioria passou a trabalhar dentro da jornada legal, entre 40 e 44 horas semanais. No entanto, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – Dieese (2012), as negociações de redução da jornada pouco avançaram no período em análise. Ao mesmo tempo, cresceu a flexibilização com o incremento do banco de horas (presente em 50% das médias e grandes empresas), e as escalas e turnos estão se diferenciando cada vez mais, ajustando-se às necessidades das empresas. As evidências empíricas mostram que a jornada está sendo ajustada por setor ou até por empresa, em que a vida dos indivíduos e a garantia de mecanismo de sociabilidade ficam subordinadas à produção. Além disso, houve avanço na utilização do trabalho nos domingos e um aumento da jornada em muitas empresas de processo contínuo, de 33,6 horas para 42 horas, com a redefinição dos turnos de revezamento. Por último, continuaram avançando os mecanismos que sofisticaram imensamente o controle da jornada.
A flexibilização avançou foi com a terceirização que é uma expressão das características do capitalismo contemporâneo. |
Outro aspecto em que a flexibilização avançou foi com a terceirização, que é uma expressão das características do capitalismo contemporâneo e com fortes efeitos perversos sobre os/as trabalhadores/as. O número de terceirizados aumentou fortemente. Não por acaso, a regulamentação da terceirização é o tema de maior embate na relação capital—trabalho.
Todas essas mudanças — provocadas pela reorganização da produção — colocam grandes desafios ao movimento dos trabalhadores e à sociedade, pois são causadoras de novas doenças e criadoras de um ambiente de maior insegurança. Por isso, é importante observar os movimentos contraditórios vigentes no Brasil recente.
IHU On-Line – Qual é a sua avaliação do comportamento do movimento sindical nesses 12 anos de poder do PT?
José Dari Krein – É preciso partir da premissa histórica de que o movimento trabalhista é muito importante na conformação de sociedades mais democráticas e de conquistas de direitos e proteção social. Sem a sua existência, os trabalhadores estariam sujeitos à situação de muito mais insegurança social e de piores condições de vida. Até o momento, não foi constituída uma organização que possa substituir o sindicalismo, que tem a função de contrapor-se ao capital na perspectiva de conquistar uma condição de vida mais digna aos que são obrigados a vender a sua força de trabalho. O problema é que essa importante instituição encontra-se em crise, como é apontado no debate internacional. Uma crise provocada pelas transformações recentes do capitalismo e pela dificuldade desse ator social em responder a essas mudanças. No caso brasileiro, nos anos recentes, também é possível observar movimentos ambivalentes.
Por um lado, há uma série de indicadores que mostram vigor do movimento sindical, tais como: 1) o resultado das negociações salariais; 2) o aumento do número de sindicalizados, apesar da sua queda em termos relativos; 3) atuação como um interlocutor reconhecido junto ao Estado, com a constituição de importantes espaços de discussão, negociação e até definição de políticas públicas; 4) aumento do número greves e da quantidade de trabalhadores paralisados; 5) uma parte dos dirigentes se constituiu como classe dirigente do país. Por outro lado, o movimento sindical perde sustentação na sociedade, sendo uma das instituições com menor nível de credibilidade perante a opinião pública. Uma parte tem relação com os valores hegemônicos e a reconfiguração provocada pelo capitalismo contemporâneo e com o ataque sistemático da mídia. Ou seja, configura-se um contexto muito adverso à ação coletiva. Por outro lado, os problemas estão na incapacidade do movimento de conseguir enfrentar as novas situações colocadas no âmbito da reorganização da produção e da relação com o governo.
O primeiro grande problema está na própria dinâmica da sociedade atual, em que as demandas do movimento dos trabalhadores nem sempre são vistas como estruturantes para toda a sociedade, e suas questões, em vários aspectos, são conflitivas com uma perspectiva de viabilizar uma sociedade mais homogênea, menos desigual e com maior nível de proteção social coletiva; ou seja, a dificuldade do movimento trabalhista em conseguir imprimir demandas de caráter mais universalizante. É uma questão de fundo, pois coincide com um período em que parte importante do sindicalismo ampliou a sua agenda, está buscando incluir novas questões que tencionam a sociedade, tais como a questão de gênero, raça, afirmação das liberdades, etc. Em segundo lugar, há muitas sinalizações do movimento sindical para o conjunto da sociedade que são pouco republicanas e não compatíveis com uma organização classista e de luta, turvando os símbolos que são importantes para ter legitimidade. Em terceiro lugar, a reconfiguração das classes trabalhadoras é muito intensa, recompondo as chamadas categorias e o perfil dos assalariados, que exige também uma reorganização da própria forma de ser da instituição sindical. Mas não há espaço para mudanças substantivas. Por exemplo, a perspectiva de uma reforma sindical está totalmente fora da agenda política, depois da lei de reconhecimento das centrais sindicais.
Por último, é importante frisar que, em países nos quais houve maior avanço do neoliberalismo e do liberalismo econômico, o sindicalismo se fragilizou ainda mais, como na Colômbia, México e Peru, e com consequências muito ruins com a perda de direitos, de avanço da flexibilização e da queda da proteção social. Em outros países, como no Cone Sul (Argentina e especialmente Uruguai), o movimento sindical conseguiu manter e até ampliar a sua força na sociedade, o que também ajuda a explicar melhores resultados no avanço de novos direitos e de maior proteção social.