Crise é sempre uma transição. No intenso processo de mudança de condições de um período marcado como sendo de crise, difícil é aquilatar com precisão as origens, a amplitude e, especialmente, as tendências, os desdobramentos e as saídas. Onde desembocará uma crise? É a indagação que persiste quando uma crise só pode ser apreendida pelos seus efeitos. Isso a faz desafiadora. Sendo de natureza econômica, uma crise provoca sérios reflexos sociais.
Da mais recente crise mundial ainda vivemos os impactos quase meio século depois, perceptíveis no âmbito do trabalho: flexibilização, desregulamentação, terceirização, precarização. Algumas explicações para a crise ser tão forte e ampla desde 2008 são ensaiadas a partir do pensamento crítico: crises estão inscritas na lógica capitalista, dizem respeito à estrutura do capitalismo, fazem parte do fluxo do capital, expressam reações do processo de acumulação sempre que esse não corresponde às expectativas hegemônicas. No entanto, o que diferencia entre si as crises econômicas, se distintos são os momentos históricos e os atores sociais em cena?
Todas as crises têm seu mais profundo sentido. Clamam por uma racionalidade própria ao desenvolvimento das forças produtivas, seja qual for o seu estágio em termos de avanços tecnológicos, invariavelmente repleto de contradições. Se as crises econômicas atingem desvalorizações de parcelas do capital, são cíclicas ou não, duradouras ou breves, se acirram a competição capitalista ou lhe tolhem a voracidade, fica o registro de que crises evidenciam, sempre, a privação dos trabalhadores de seus meios de subsistência.
Das crises do capitalismo, no século 20, desde 1973 mais se acentuou o seu caráter global. Originária da exaustão do sistema de produção em massa, a chamada crise do petróleo inaugurou uma nova divisão industrial, ao condenar o fordismo e provocar mudanças históricas nas relações entre produção e produtividade, confrontar consumo e concorrência. Na verdade, as relações entre o capital e o trabalho foram disciplinadas no interior das unidades produtivas com políticas de controle e gerência, enquanto frações do capital rearranjaram suas relações e com o Estado.
Em um efeito dominó, sucedem-se crises nas relações de trabalho e persiste aquela que domina o mundo do trabalho, denunciando a desarmonia entre economia e sociedade, dando significado social à crise econômica. A crise financeira que se torna pública expõe a desfaçatez do sistema interligado de mercados financeiros, gigantesca característica globalizada nas últimas décadas. A ampliação do poder financeiro e sua volatilização respondem mais recentemente a complexas injunções de forças sociais que, de uma forma sintética, podem ser imputadas ao desenvolvimento do neoliberalismo enquanto ideologia política, ao poder do Estado protetor das instituições financeiras, à atividade econômica articulada mundialmente, ao excesso de capacidade produtiva e de trabalho, às novas formas corporativas do capital migrar em busca de trabalho de baixo custo e disponível.
Os efeitos de um capitalismo plantado sobre bancos e agências de investimentos se fazem sentir sobre o mercado de trabalho, as organizações dos trabalhadores, os conceitos políticos e os anseios de exercício de cidadania. Sinais de resistência têm surgido em diversas partes do mundo diante da não-participação dos trabalhadores nos ganhos de produtividade crescente nos períodos favoráveis, dos baixos salários vigentes, das elevadas taxas de desemprego, da concentração de capitais, da falência das políticas de previdência. Esses protestos têm mostrado como os fluxos de contração/descontração do capital afetam a dinâmica do trabalho em todos os setores produtivos, em todos os países, na economia-sociedade como um todo.
Silvia Maria de Araújo
Fonte: DMT