A desregulação das finanças está no cerne do mundo hiperglobalizado de hoje. O fracasso em domá-la e em lidar com desigualdades arraigadas tem prejudicado os esforços para a construção de economias inclusivas, aponta relatório das Nações Unidas publicado em setembro.
Segundo o relatório da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) “Trade and Development Report, 2017: Beyond Austerity – Towards a Global New Deal” (Relatório de Comércio e Desenvolvimento 2017: para além da austeridade – rumo a um novo pacto global), a despeito de toda a discussão ocorrida após a crise financeira de 2008 sobre a urgência de reformas e das declarações recentes de que o sistema financeiro tornou-se mais seguro, simples e justo, as ações regulatórias até agora fizeram pouco mais do que aparar as asas das finanças de alto risco, aumentar o lastro em capital dos empréstimos e coibir ligeiramente as operações nos mercados paralelos.
“Os cofres públicos foram generosamente usados para impedir a quebra do setor financeiro em 2007/2008, mas as causas profundas da instabilidade financeira não foram abordadas pelos governos nacionais ou em escala global”, disse o secretário-geral da UNCTAD, Mukhisa Kituyi.
Nas últimas décadas, o controle de economias inteiras pelas finanças se intensificou, como mostram múltiplos indicadores. Os ativos totais do setor bancário mais do que duplicaram desde a década de 1990 na maioria dos países, com picos de mais de 300% do Produto Interno Bruto (PIB) em algumas economias da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O relatório da UNCTAD estima que os ativos do setor bancário em países desenvolvidos chegam a 100 trilhões de dólares, o que agora excede o PIB global. De forma semelhante, as tendências para economias em desenvolvimento e em transição mostram picos acima de 200% do PIB em alguns casos.
Um sistema financeiro global instável
O grau de concentração bancária permanece alarmantemente alto. Em muitos países, os balanços consolidados dos cinco principais bancos são maiores do que o PIB nacional. Para muitas economias, o total de ativos e passivos externos também são maiores que o PIB. “Esta é uma situação de instabilidade para o sistema financeiro global”, disse Kituyi.
A “financeirização” tem sido acompanhada pelo aumento do endividamento no setor não financeiro, cuja dívida havia chegado a 188% do PIB global antes da crise. Apesar das desastrosas consequências vistas em 2008 do modelo de crescimento impulsionado por dívida, esta atingiu um pico de 230% do PIB mundial em 2016. Com o aumento da dívida das famílias e a queda da participação dos salários, os vínculos entre endividamento e insegurança são cada vez mais difíceis de ignorar.
A desigualdade de renda aumenta ainda mais
O relatório discute como essas tendências estão intimamente relacionadas ao aumento da desigualdade. Os dados mostram que a diferença de renda entre os 10% mais ricos e os 40% mais pobres aumentou durante as trajetórias que conduziram a quatro das cinco crises financeiras globais desde o final da década de 1970. Na esteira das crises, a desigualdade continuou a aumentar em dois terços dos casos.
Os mecanismos são complexos e variam de país para país, mas o resumo da história é simples: a “grande escapada” dos rendimentos no topo da pirâmide produz subconsumo, dívida privada e investimento especulativo em um contexto de captura crescente das instâncias reguladoras, tornando o sistema financeiro mais vulnerável; daí as crises. No processo de recuperação, os mais pobres sofrem as consequências dos ajustes, perdendo renda e emprego com as políticas de austeridade.
Fonte: ONU Brasil