A política de desoneração da folha de pagamentos não foi suficiente para impedir o fechamento de postos de trabalho nos setores beneficiados. Um cruzamento de dados da Receita e do Ministério do Trabalho, feito pelo Valor, mostra que R$ 5,5 bilhões, ou 23,1% do total de R$ 23,8 bilhões, deixaram de ser pagos por setores que terminaram o ano demitindo mais do que contratando desde 2012.
A constatação se opõe a um dos principais objetivos da medida, que é o de gerar mais emprego e de promover a formalização da mão-de-obra, como anunciou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a cada nova rodada de desonerações. Consultado, o Ministério da Fazenda não comentou o assunto.
Em 2012, houve fechamento líquido de postos de trabalho em 12 setores, os quais deixaram de recolher, ao todo, R$ 1,013 bilhão. Em 2013 foram 13 setores com desoneração total de R$ 1,931 bilhão. Já em 2014, contando o desempenho do mercado de trabalho até setembro e as desonerações até maio, 21 setores reduziram o emprego, apesar de R$ 2,558 bilhões em desonerações tributárias.
Os dados de desonerações são da Receita Federal, enquanto as informações de emprego vêm do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Ambos são separados pela Classificação Nacional de Atividades Econômicas (Cnae, o que pode levar a discrepâncias, já que as desonerações na lei são discriminadas por outro código burocrático, a Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (Tipi).
Para Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia da USP, as informações são mais uma prova dos problemas da política de desoneração da folha. “Aparentemente, não adiantou o governo ter concedido essas desonerações”, disse. “Não basta a desoneração, não é condição suficiente. Há outros aspectos que são muito mais importantes.”
“Outros países que dão desoneração fazem isso junto com uma política industrial bem feita, como Coreia e Japão, onde há uma politica industrial claramente definida e que beneficia o setor inteiro com, por exemplo, a formação de recursos humanos “, diz o professor.
O gerente-executivo de política econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, avalia que ainda é cedo para julgar a política. “Infelizmente, há uma série muito curta de tempo para se fazer uma análise. A medida sempre teve um caráter temporário. Só agora se tornou permanente”, disse.
Castelo Branco explica que, antes, a empresa beneficiada fazia uma contratação permanente, mas o benefício era temporário. Essa discrepância reduzia o potencial efeito da medida. Isso porque se a desoneração fosse suspensa, a empresa voltaria a situação pior do que antes. O gerente da CNI também descarta uma solução que envolva obrigação, por parte dos setores beneficiados, de contratar mais do que demitir, a chamada cláusula de desempenho.
Entre os setores beneficiados que demitiram mais que contrataram, alguns se repetem em dois anos, mas nenhum está na lista nos três anos. Os ramos que apresentaram maiores problemas no mercado de trabalho foram o de preparação de couros e fabricação de artefatos de couro e o de fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias.
O segmento de couros está entre os três principais beneficiados com a desoneração e que tiveram demissões líquidas em 2012 e 2013. Somando os dois períodos, foram R$ 756,6 milhões em desonerações e 18,6 mil demissões.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos, com Valor Econômico