Falta de clareza em contrato beneficia segurado, decide TJ-RS

Restrições de direito devem estar expressas, legíveis e claras no contrato de seguro, sob pena de afronta ao dever de informar, consagrado no inciso III do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). Sem a observância desse direito básico, a contradição encontrada no conteúdo do dispositivo restritivo deve ser interpretada a favor do consumidor.

O fundamento levou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a reformar sentença que julgou improcedente pedido de indenização securitária movido por uma ex-operária contra uma companhia de seguros por doença laboral equiparada a acidente de trabalho.

Diferentemente do juízo de primeiro grau, os desembargadores da 5ª Câmara Cível entenderam que a autora tem direito à indenização porque não tomou ‘‘ciência efetiva’’ dos limites impostos à cobertura securitária, além da cláusula restritiva estar redigida de maneira a ocultar informações da consumidora, parte hipossuficiente na relação.

Na ação de cobrança ajuizada na 1ª Vara Cível da Comarca de Soledade, a autora alegou que a seguradora se negou a indenizá-la após ter ficado incapacitada para suas atividades laborais, já que o empregador mantinha contrato de seguro para acidentes de trabalho. Em contestação, a parte ré sustentou a prescrição do direito, uma vez que a apólice não estaria mais vigente na época do acidente.

O juiz Cláudio Aviotti Viegas derrubou a preliminar de prescrição, argumentando que a pretensão do segurado contra o segurador prescreve em um ano, fluindo o prazo a partir da ciência do fato gerador, como indica a alínea ‘‘b’’ do inciso II do parágrafo 1º do artigo 206 do Código Civil.

‘‘No caso em tela, a pessoa segurada teve ciência inequívoca acerca da incapacidade laboral apenas com a realização de perícia médica levada a efeito na Justiça do Trabalho, em 08.05.2015. A presente ação foi ajuizada em 20.01.2016, de modo que não há falar em prescrição.’’

Quanto ao mérito, Viegas explicou que o laudo médico informa que os primeiros sintomas da doença incapacitante (colunopatia) surgiram após um ano de contrato com a empresa — outubro de 2013. E que o contrato de seguro firmado entre as partes vigorou de agosto de 2012 e fevereiro de 2013. Ou seja, quando da ocorrência do ‘‘suposto sinistro’’, não havia contrato de seguro vigente entre as partes, o que acarretaria, por si só, a improcedência do pedido.

‘‘Ainda que assim não fosse, não seria o caso de acolher a pretensão da parte autora, pois excluído da cobertura, de modo expresso e claro, o risco ‘invalidez por doença ocupacional’ , na cláusula 4.3.4’’, definiu o julgador.

Sentença reformada
A 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por unanimidade, deu parcial procedência ao recurso de apelação interposto pela parte autora, condenando a seguradora ao pagamento de R$ 16 mil, valor corrigido monetariamente pelo IGP-M desde maio de 2015, acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.

Na fundamentação, o relator do recurso, desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto, afirmou que a seguradora não conseguiu provar, como era seu dever, a extinção do direito da parte autora. Ou seja, não provou que a doença que resultou em invalidez não tenha sido desenvolvida em razão do trabalho.

‘‘Frise-se que a perícia realizada na Justiça do Trabalho é clara ao informar a ocorrência de invalidez em face do trabalho desenvolvido na empresa estipulante, restando a parte autora inapta para o trabalho que exercia anteriormente’’, complementou no acórdão. Com isso, ele concluiu que a doença que acometeu a autora deve ser considerada acidente laboral, incluído dentro do conceito de acidente pessoal.

Em complemento, Lopes do Canto destacou que, em se tratando de seguro pessoal, como no caso dos autos, não se pode investigar quanto à proporção do prejuízo sofrido. Afinal, a vida ou a redução da capacidade produtiva não é passível de perfeita estimativa econômica, pois tal violaria princípio da dignidade humana.

Total falta de ciência
O relator criticou a redação da cláusula do contrato de seguro que, na prática, excluiu a autora dos danos de doença ocupacional. É que as restrições elencadas no documento entabulado entre as partes não estavam redigidas de forma clara, em afronta ao inciso III do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor. Com isso, a autora, a parte hipossuficiente na relação de consumo, não teve ‘‘ciência efetiva’’ dos limites impostos à cobertura securitária.

‘‘Portanto, o consumidor tem o direito de prever qual será a exata medida da cobertura contratada. Nessa seara, a contradição no pacto firmado entre as partes deve ser interpretada de forma favorável ao consumidor. É assim que estabelece o art. 47 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe que a interpretação da lei deve se dar em favor da parte hipossuficiente na relação de consumo’’, escreveu o relator, reformando a sentença.

Texto:  Jomar Martins

Fonte: Consultório Jurídico

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