EMEF Anísio Teixeira realiza debate sobre os impactos da reforma da Previdência

A Dra. Marilinda Marques Fernandes proferiu duas palestras sobre a reforma da Previdência na Escola Municipal de Ensino Fundamental Prof. Anísio Teixeira, na zona sul de Porto Alegre, dias 25 e 27 de abril, direcionadas aos estudantes, professores, funcionários e comunidade escolar.

Paulo César Garcia, coordenador do EJA e das séries iniciais do turno da tarde, apresentou a palestrante e o tema do debate, “que é o motivador da greve geral do dia 28/4, contra as reformas trabalhista e previdenciária, que irão mudar a vida de todos”, comentando casos de exemplo das relações de trabalho vivenciadas por alguns alunos da escola que mal ganham um salário mínimo.

Marilinda agradeceu o convite para o debate, principalmente por ser em uma data tão especial, “aniversário de 43 anos da derrota de um regime de governo fascista e colonizador de 48 anos em Portugal. Muitos dos soldados da Revolução dos Cravos eram mais jovens que vocês. Estou longe do meu país, mas feliz por continuar defendendo os ideais de abril e poder discutir convosco as desigualdades que seguimos vivendo aqui e lá do outro lado do oceano”.

Marilinda referiu quea humanidade nem sempre foi solidária, na Idade Média os trabalhadores de cada profissão faziam caixas de emergência para assistência às famílias de trabalhadores acidentados ou mortos. Com a evolução da economia, industrialização e o êxodo rural urbano no séc. XVIII os trabalhadores nas cidades não tinham direitos, que vieram a ser conquistados através dos diversos movimentos e greves consolidados no séc XIX. Pensávamos que isso estava no passado, mas a falta de proteção é um fantasma que retorna. Marx dizia que os trabalhadores devem se unir e organizar para que o estado garanta os direitos inerentes à dignidade humana. Os direitos conquistados, trabalhistas e previdenciários, têm como garantidor o Estado, mediando a relação do trabalhador com o mercado, já que o interesse do capital é o lucro e não regras mínimas que garantam a dignidade do indivíduo e que seja explorado pelos detentores do meio de produção”.

Marilinda relembra que no séc XX foi criado o primeiro regime de Previdência Social brasileiro, organizado voltado para atender ao trabalhador acidentado, que evoluiu com os anos. “No Brasil a Previdência só passa a contemplar o trabalhador do campo em 1988, quando se desenha o estado de bem estar social que garantiria a educação, moradia, trabalho, transporte, saúde e previdência, ou seja, repartida uma fatia da riqueza produzida no país a que todos os cidadãos têm direito”.

No capítulo da Seguridade Social a Constituição Federal garante assistência social e saúde gratuitos, “então o SUS, por exemplo, foi instituído em 1988. E muita gente fala mal, mas nos Estados Unidos nem isso havia até o Obamacare. É uma conquista enorme e temos que lutar para garantir a sua valorização, já que o mercado e as elites querem nos empurrar os planos de saúde e previdências privados. Tudo que é oferecido no setor privado não tem garantia de segurança em função das flutuações do investimento no mercado, mas, sobre políticas públicas asseguradas pelo Estado, nós podemos reclamar”.

Assistência social e a saúde são mantidas pelos impostos diretos e indiretos. A Previdência Social, porém, é contributiva. Este governo quer cortar gastos do Estado para pagar mais juros da dívida pública, e os donos dos títulos, rentistas, estão cada vez mais ricos e investindo nos mercados financeiros, não na produção. Reduzir benefícios para privilegiar quem tem dinheiro é uma política que tem lado. Esse governo paga milhões para ir à televisão convencer a população de que as reformas são necessárias através de chantagem e ameaça. Não há um debate com a sociedade brasileira, na mídia não há um contraponto. Essa política de governo não mexe na entrada dos recursos para a Previdência, apenas na saída, cortando os benefícios da população para não prejudicar seus apoiadores, que devem para o INSS. Houve uma quebra do estado de direito com o impeachment da presidenta Dilma e agora este governo deve pagar o preço, com esse projeto”.

O trabalhador no Brasil tem tido cada vez mais contratos inseguros, sem estabilidade. Querem acabar com a Justiça do Trabalho. Dizem que há direitos demais, que a CLT é paternalista, e o argumento é que, flexibilizando os direitos haverá maior quantidade de empregos. Ora, a CLT existe desde a década de 1940 e o Brasil passou por vários picos de desenvolvimento econômico neste meio tempo. Essa reforma trabalhista, que propõe terceirização ilimitada e outras quebras de garantias, compromete inclusive a existência da Previdência Social. É uma perversidade essa flexibilização e o enxugamento de direitos em um mercado com cada vez menos contratos com carteira assinada e, consequentemente, menos trabalhadores contribuindo para o INSS. Agora, com a aprovação do trabalho intermitente, haverá menos garantias de capacidade de contribuição”.

Queremos igualdade e que a riqueza do país seja dividida através de políticas redistributivas, como é a Previdência Social. A receita da Previdência vem hoje principalmente da folha de salário, mas é uma fonte de custeio muito limitada porque há um enorme o desemprego, mais de 14 milhões de desempregados. Mas ela conta com outras fontes de custeio possíveis, como combater a sonegação, rever as desonerações. Ou seja, não há vontade política de resolver o problema. Não há projeto de desenvolvimento para o país”.

A PEC 287, apresentada em dezembro pelo presidente interino deve aumentar a idade mínima para aposentadoria aos 65 anos, igualando homens e mulheres, do campo da cidade. Para Marilinda, “eles estão vendo como um privilégio a aposentadoria com menos 5 anos que as mulheres têm direito. Mas isso não se dá porque somos belas, recatadas e do lar, mas porque temos a jornada tripla de trabalho com as funções domésticas e a função social da maternidade, que é motivo de discriminação no mercado de trabalho. Em países escandinavos a licença maternidade é dividida igualmente com o pai, equalizando homens e mulheres”.

A reforma também aumenta o número mínimo de contribuições para 25 para se receber 70% do salário de benefício, e 40 anos de contribuição para receber 100%, mas ela também modifica o cálculo do salário de benefício, não mais sobre a média dos 80% melhores salários, mas sobre a média de todos os salários da carreira, rebaixando a aposentadoria daqueles trabalhadores de origem mais humilde. Para a advogada, com essa reforma “a maioria das pessoas não vai conseguir se aposentar, principalmente mulheres, que levam mais tempo que os homens para conseguir um novo emprego. Não há creches e o tempo em que ficam em casa as mulheres não contribuem para Previdência. Para a mulher negra será pior ainda, porque estas têm mais contratos informais, salários mais baixos e são a maioria na categoria do trabalho doméstico, onde muitos patrões ainda não contribuem para Previdência de suas empregadas. Em breve o Brasil estará cheio de mulheres idosas e sem qualquer tipo de benefício previdenciário”.

Por pressão popular houve emendas à PEC 287 e, se aprovada, as mulheres se aposentarão não com 65, mas com 62 anos. Trabalhadores do campo homens se aposentarão com 60 anos, e mulheres do campo aos 58. Mas a população agrícola terá de ter no mínimo 20 anos de contribuições individuais mensais. Hoje eles contribuem com 2,0% sobre o comércio da sua produção, valor que assegura a seguridade social de toda família. “Os valores de benefícios sociais pagos pelo INSS aos trabalhadores rurais são responsáveis pela dinamização da economia agrícola. A reforma gerará uma migração para as cidades que, consequentemente, aumentará a desigualdade e a violência urbana”.

O governo Dilma reconfigurou as regras da pensão, com a Lei 13.135 de 2015, mudando os valores e dificultando o acesso ao benefício. Agora ela será apenas para contribuintes que estiverem casados por mais de dois anos e só será vitalícia para o cônjuge com mais de 44 anos de idade. Se aprovada a PEC 287, o valor da pensão será de 50% do salário de benefício, mais 10% para cada dependente. “A princípio, a pensão e o BPC ainda estão vinculados ao salário-mínimo, graças à pressão popular, mas a pensão não poderá ser acumulada com aposentadoria se a soma dos benefícios exceder dois salários mínimos”. A PEC 287 também não possibilita o acúmulo de aposentadorias de regimes de previdência diferentes. “Porém, pela pressão popular feita pelos professores, uma nova emenda foi feita e essa categoria será exceção nesse caso, mas não se sabe por quanto tempo”. Para receber o benefício de prestação continuada o indivíduo terá que ter no mínimo 68 anos de idade.

Para a especialista em direito da Seguridade Social “essa reforma não leva em conta o princípio de solidariedade sobre o qual foi pensada a Previdência Social e o quanto este é um instrumento de combate à desigualdade. O mundo é um eterno confronto entre o capital e o trabalho. A sociedade está alienada, induzida ao consumo e hoje somos rebanho fácil de dominar pelos meios de comunicação. Uma mentira repetida várias vezes se torna verdade, e isso se repete na França, Estados Unidos, com o ascenso da direita ao poder. Por isso, conclamamos a todos a participar dos movimentos contra as reformas previdenciária e trabalhista, que não promovem a igualdade de pessoas em posições desiguais, e precisamos ajudar a mudar o nosso futuro”.

Texto e fotos: Carina Kunze

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