Nunca esteve entre as pretensões do presidente Michel Temer sair do Planalto sem aprovar as reformas trabalhista e previdenciária. Mas as gravações feitas por Joesley Batista, da JBS, e divulgadas na última semana, deixaram o governo na corda bamba e praticamente minaram as chances de que ele consiga os 308 votos exigidos para que a proposta de emenda à Constituição (PEC) 287, que muda as regras de aposentadoria, passe no plenário da Câmara dos Deputados, especialmente no prazo previsto, até o fim do semestre. Nesse cenário, poucas possibilidades restam ao governo, caso ele não queira passar por essa fase sem garantir resposta ao mercado financeiro. Uma delas é a edição de medidas provisórias (MPs) para salvar, pelo menos, uma parte da reforma antes de acabar o mandato – seja como for o fim, por renúncia, impeachment ou novas eleições em 2018.
Na prática, se optasse por essa estratégia, o presidente aprovaria “por decreto” mudanças que são sugeridas no texto da reforma, já que ela teve a tramitação congelada no Congresso Nacional na última quinta-feira, com aval do relator, Arthur Maia (PPS-BA), que entendeu ser melhor esperar os ânimos se acalmarem antes de tocá-la. Ele concluiu que “não há espaço para avançarmos com a reforma da Previdência no Congresso nessas circunstâncias”. Desde então, técnicos sugerem que a reforma pode ser “remendada” por meio de medidas provisórias, para que o progresso conseguido nos meses de debate não seja perdido.
Apesar de se mostrar otimista e não dar o braço a torcer, mantendo o discurso de que a reforma será aprovada sem precisar de um plano B, o Planalto já tem mapeado o que pode ser feito caso o desfecho não seja tão positivo quanto o esperado. Por meio de MPs ou leis, o presidente, seja Temer ou o eventual interino, pode garantir que serão colocados em vigor vários dos temas que a PEC escolheu constitucionalizar. Na lista, entra o aumento do tempo de contribuição para a aposentadoria por idade, atualmente de 15 anos, que pode saltar de imediato para 25, como propõe o governo. Já o tempo de contribuição para a modalidade de aposentadoria que permite o benefício sem exigência de idade mínima, desde que o contribuinte tenha trabalhado 35/30 anos, só pode ser mudado por emenda.
Diferentemente de uma PEC ou mesmo de um projeto de lei, a MP começaria a ter efeito a partir do momento emque o presidente assinasse o documento, e poderia tratar de vários outros pontos relevantes, além do tempo de contribuição. Uma MP pode alterar a fórmula de cálculo da pensão por morte, por exemplo, ou endurecer o acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e à aposentadoria rural. “Existe uma série de mudanças que podem ser feitas na Previdência fora da PEC. Por MP ou lei, dá para fazer uma reforma média, acabar com a regra 85/95 e fazer qualquer mudança em relação à aposentadoria dos militares”, citou o consultor legislativo do Senado Federal Pedro Nery, especialista em Previdência.
No entanto, alguns pontos considerados cruciais pelo governo não poderiam ser alterados, como a idade mínima, atualmente de 65 anos para homens e 60 para mulheres, que ficou em 65 e 62, respectivamente, pelo parecer de Arthur Maia, a ser votado no plenário. Também fica impossível mudar as regras que hoje permitem a integralidade e a paridade, mecanismos que garantem que funcionários públicos que entraram até 2003 recebam benefício com valor igual ao do último salário e corrigido pelo mesmo índice de reajuste dado aos servidores na ativa. Aprovado o parecer, seria preciso atingir 65 anos de idade, no caso de homens, e 62, para mulheres, para conseguir os benefícios. Nesse sentido, Nery lembrou que, entretanto, está liberado “mexer por MP na contribuição dos servidores inativos, que atende o mesmo grupo de pessoas”.
Problemas
Um dos maiores problemas citados por técnicos do Executivo e do Legislativo é que alterações nas regras para aposentadoria de funcionários públicos exigem emenda constitucional, ao contrário das voltadas para o Regime Próprio de Previdência Social (RGPS), direcionado à iniciativa privada. Dessa forma, o discurso de manter grupos privilegiados na reforma voltaria à tona com muita força se fosse aprovado algum ponto por MP.
Outro obstáculo é que medidas provisórias têm prazo de validade: se não forem votadas no Congresso em 60 dias, que podem ser prorrogados por mais 60, os efeitos são suspensos, com a reforma durando apenas quatro meses, caso deputados e senadores não estiverem dispostos a aceitar o teor e torná-la permanente. Nesse caso, é constitucionalmente proibido editar outra MP com o mesmo conteúdo no mesmo ano. Para diminuir esse risco, existe ainda a possibilidade de que as mudanças sejam feitas por uma lei simples, o que provavelmente daria uma segurança jurídica maior, mas demoraria mais tempo para que elas fossem colocadas em prática.
A diferença é que a MP tem força de lei antes de ser analisada pelo Legislativo, enquanto uma lei comum precisa de aprovação na Câmara e no Senado. Mesmo sabendo das opções, o governo ainda tem mantido a expectativa de conseguir aprovar a reforma da Previdência assim que passar o momento de alvoroço, como garante o vice-líder do governo na Câmara, Darcísio Perondi (PMDB-RS).
Incertezas
No Congresso é tido como incerto o que poderia ocorrer a partir de agora. Mesmo que assuma como interino um incansável defensor da reforma, como Rodrigo Maia (DEM-RJ), atual presidente da Câmara e primeiro na linha de sucessão, além de ser impossível saber se ele teria influência para angariar os 308 votos necessários, o custo político continua aumentando quanto mais tempo passa. Com 2018 batendo à porta, os políticos tendem a fugir da raia em temas polêmicos e impopulares, como uma reestruturação que mexe nos direitos de todos os brasileiros. É isso que explica, em parte, a pressa do governo em aprovar a reforma.