No dia 6 de outubro a Dra. Marilinda Marques Fernandes participou da IX Jornada do Serviço Social, que ocorreu no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, compondo a mesa redonda sobre as reformas da Previdência Social e trabalhista e seus impactos na saúde do trabalhador, que também contou com a participação do Desembargador e Juiz do Trabalho (TRT4) Luiz Alberto de Vargas, e teve como mediadora Dolores Sanches, da UFRGS.
O desembargador Luiz Alberto de Vargas iniciou sua participação comentando que “a reforma trabalhista é um projeto mundial para acabar com conquistas sociais alcançadas pelo Estado de bem-estar social. Em Portugal a cartilha neoliberal está sendo aplicada de forma parecida, mas o povo tem feito maior enfrentamento”. De acordo com Vargas, desde 2007, com a crise econômica mundial, há um retrocesso cada vez maior, citando o exemplo da Grécia, que “decidiu não cumprir a exigências da Troika e teve que engolir. Os povos não sabem como lidar com isso, não conseguem enfrentar a situação, puseram um país como a Grécia de joelhos”, demonstrando o quanto a democracia está limitada.
O juiz aponta que há um deslocamento de economia e poder para a Ásia desde o fim da URSS e esse período é o fim do bem estar social, “a função do Estado hoje é garantir os lucros das multinacionais sem cobrar nada, dizendo para a população que não podem gastar com saúde, educação, previdência. Uma espoliação sem vergonha na cara. Nunca se viu tantos juízes sendo processados por cumprirem seu papel. Calam a população com a mídia manipuladora controlando a opinião pública, incentivando um comportamento acrítico, destruindo a democracia. Desmoralizam a política nos jogando para uma ditadura. Estamos sendo expulsos do campo democrático sem nenhum diálogo. Ninguém pode ofender a liberdade de expressão e o discurso de ódio ataca o estado de direito. O cidadão tem direito a ter garantia de respeito ao processo legal, o judiciário não responde nem respeita a população. Judiciário não serve para impedir obras ou apresentações de arte, ou dizer o que uma universidade deve debater, ou processar um reitor. Mas esse contexto não ocorre só no Brasil, todas as revoluções que houve recentemente, no Egito, Turquia, foram precedidos por intervenção do estado norteamericano para consolidar o consenso de Washington. Por isso Temer mandou para o congresso, como primeira medida de governo, a PEC do congelamento dos gastos, deixando o Estado brasileiro sem recursos, impedido de cumprir a Constituição, uma PEC inconstitucional. Essa emenda pode ser revogada, mas tem que passar pelo Supremo, o que é outro problema já que o atual rasga a Constituição”.
Para Vargas, o pior efeito da reforma trabalhista não é só destruição do emprego, mas também da Previdência Social, calcada fortemente na folha de salário. “Flexibilizar as relações de trabalho, na essência, invalida não somente direitos trabalhistas, mas também o acesso à proteção social. O salário mínimo, a jornada máxima de trabalho, as horas extras, o 13º salário, tudo isso antes era considerado a base, e a partir dela se negociava “para cima”. Com a reforma, a CLT não é mais a base, se tornando o teto, permitido se negociar direitos “pra baixo”, perdendo, possivelmente, essas garantias, fragilizando os direitos criando uma “CLT Flex”, como no caso do trabalho intermitente, condição em que o trabalhador ganha somente pela hora trabalhada. A reforma está sendo apresentada como atrativo para as empresas, mas, mesmo assim, este pacote de maldades não foi suficiente, e empresários já falam em outra reforma, mas agora na Constituição Federal”.
O juiz conclui afirmando que “é época de resistência! Temos que ter uma política de resistência e em união com todos os setores da população pela sobrevivência do país. Para isso, temos aprofundar a compreensão desse processo e entender a Constituição, conhecer que país queremos defender. Não podemos nos abater, devemos manter o espírito, a esperança e acreditar no futuro do país. Nós vamos sair dessa!”.
Para a advogada especialista em direito da seguridade social, Marilinda Marques Fernandes, essas reformas atingem diretamente os trabalhadores e a população mais pobre “principalmente na hora em que mais necessitam de apoio. Isso é algo que se passa no mundo todo. Em meu país, Portugal, estamos saindo de uma crise, com altas taxas de desemprego. Na França também, tempos tristes com Macron. É importante, por isso, espaços como esse, para pensarmos coletivamente”.
Em relação a reforma da previdência, a advogada comenta que “cada vez que um presidente se elege no Brasil, seja ele de esquerda, liberal ou conservador, sua primeira ação sempre é reformar a Previdência, sempre com um discurso de que sem reforma não se terá dinheiro para pagar os benefícios futuros, fazendo uma campanha na mídia que na realidade faz com que muitos desistiam de contribuir, pensando que não terão retorno, além de que não cultiva entre a população mais jovem o espírito de solidariedade e de planejamento futuro para a hora da velhice, doença e morte”.
“O discurso do governo Temer é que a reforma equalizará os benefícios, mas estão fazendo uma média por baixo, retirando direitos e dividindo a classe trabalhadora. As aposentadorias são cada vez mais paupérrimas e a população está precarizada, fragilizada e depressiva. Assim, o governo tenta colocar a população contra os servidores públicos, taxando-os como se fossem privilegiados. Trata-se de um patamar de dignidade, e não privilégio. Hoje os servidores já têm que contribuir com fundos de previdência complementar ou não têm direito a aposentadoria equivalente aos seus salários se recebem acima do teto da Previdência”.
De acordo com a advogada, “a redução de benefícios da seguridade social vem desde o governo FHC. No governo Lula se criou a emenda constitucional nº 41 que tirava direitos dos servidores públicos em questão de previdência, e só viemos perdendo direitos desde então. Esta a reforma só vem aprofundar medidas que já vem sendo tomadas pelos sucessivos governos a longo tempo. Um exemplo é a mudança de comprovação necessária para acesso ao benefício da aposentadoria especial, que desde 1995 vem sendo dificultado, ou o auxílio-acidente, que hoje não é mais acumulável, mesmo que o trabalhador venha a ter múltiplos acidentes no decorrer da sua carreira. Um grande problema é que os sindicatos não tratam das questões das políticas da Previdência, não se focam nessa questão e não veem que essa reforma já estava em curso no último ano do governo Dilma, que em 2015 modificou vários benefícios, inclusive dificultando o acesso à pensão, impondo a necessidade de comprovação de 2 anos de casamento para receber o benefício. O governo Temer tem hoje 3% de aprovação e nenhuma legitimidade para propor a PEC 287. Com essa reforma, por exemplo, a aposentadoria não poderá ser acumulada com a pensão se a soma dos valores for maior que 2 salários mínimos, sendo necessário optar por apenas um benefício, tornando a situação da velhice ainda mais precária. O valor da pensão também mudará, deixando de ser vitalícia de a(o) cônjuge tiver menos de 44 anos, e o valor da pensão passar a ser equivalente a 50% do salário de benefício do(a) segurado(a) que faleceu, mais 10% por dependente”.
“Entre outras questões, a PEC aumentará a idade e tempo de contribuição necessários para aposentadoria. Após muitas mobilizações, a proposta vem mudando no Congresso, e hoje a proposta é de 65 anos para homens e 62 para mulheres. A proposta inicial era a mesma idade para ambos, do campo e da cidade, sem levar em consideração que nós mulheres tenhamos estatisticamente menores salários, demoremos mais para entrar no mercado e tenhamos tripla jornada de trabalho. A reforma também propunha 65 anos que a população rural, sem considerar a economia de safra. Agora terão que trabalhar 55 anos mulheres e 58 anos homens e contribuir para previdência cada membro da família individualmente, mensalmente, prejudicando principalmente a população mais pobre e as mulheres. Mais uma vez o governo demonstra não compreender a Previdência Social como fator de redistribuição de renda e mantém a contribuição para a população no campo e ribeirinha no período entressafra. Essa reforma ataca principalmente mulheres negras, que são a maioria nos trabalhos informais, recebendo menores salários e em empregos menos dignos”.
Para a advogada “no futuro ninguém vai se aposentar, caindo todos nos benefícios de prestação continuada. Com a precarização das relações de trabalho e o corte com gastos públicos, tendo em consideração que ninguém vai conseguir contribuir 25 anos, a aposentadoria é um benefício em extinção. Normalmente mulheres no Brasil têm em média 19 anos de contribuição. Essa ação só ira aumenta a desigualdade, a insegurança e violência. Interessante lembrar que a reforma da Previdência não se aplica a parlamentares ou militares, que são a menor fatia de contribuintes, contribuindo com apenas 6%, sendo a porção com benefícios de valores mais altos”.
“Temer colocou o Ministério da Previdência na Fazenda, o único país do mundo que trata a Previdência como conta de entrada e não como serviço público, parar criar das ações sociais e assegurar a dignidade igualdade. O INSS é fator de distribuição de renda e a elite não quer que isso. O país não cobra taxas sobre os especuladores e paga juros da dívida nunca auditada, eles concentram a renda e reclamam do Bolsa Família, acham muito aposentadoria, não querem gastar em Seguridade Social, depois reclamam da violência e se vão para Miami. A desigualdade é o que gera a insegurança”.
“Lemos as notícias e pensamos, se esse no congresso concede de isenção de imposto para igrejas, a previdência não deve estar tão mal? O governo não cobra dívidas de sonegação, não tem projeto de desenvolvimento para o país, não cria empregos para fortalecer a Previdência e a economia girar. É preciso uma reforma tributária e combate à sonegação, além de parar de recursos da união para pagar juros da dívida. Essa reforma da previdência tem lado e não é o do povo, o que querem é aumentar a fatia do capital privado e dos bancos, que vem crescendo com os fundos de previdência privada. Temos que dizer não às negociações com os nossos direitos”.
Antes de abrir para participação dos presentes e debate com os palestrantes, a mediadora do da mesa, Dolores Sanches, apontou o impacto na saúde do trabalhador “nesse contexto de retirada de direitos, da dignidade, que vai desestruturar os pilares sociais centrais historicamente construídos e, em efeito dominó, o governo já propõe extinguir a Assistência Social do INSS. A demanda por benefícios de prestação continuada, inclusive, já vem diminuindo em função da burocracia da comprovação necessária, mesmo que só seja oferecido para aqueles que recebem menos de um quarto de salário mínimo”.
Para finalizar, o juiz Vargas encerrou conclamando a necessidade “de nos unirmos em um projeto coletivo, e não nos jogarmos na luta corporativa. Estamos com a Associação dos Juízes pela Democracia, por que, mesmo entre os magistrados, há uma divisão. Temos que responder a isso sendo mais fraternos e compreender a falta de consciência, porque estamos do mesmo lado. A classe média está assustada e acaba caindo no discurso da mídia por insegurança. Temos que nos mobilizar e conversar, resistir e defender intransigentemente a Constituição Federal e os tratados internacionais assinados pelo país. Mesmo as pequenas resistências são trincheiras para retomar o processo social. Esse é o momento de ser Juiz do Trabalho”.
A Dra. Marilinda fez sua fala final trazendo a reflexão sobre como “se criou uma noção no imaginário social de que combater a corrupção levará a um país melhor, tornando uma questão moral e de responsabilidade da polícia federal e do judiciário, como um projeto de caminho para o desenvolvimento. Porém, essa não é uma bandeira política, ela não constrói um plano de país, corrupção é elemento inerente ao poder e a desigualdade. Pobre da democracia de um país que elege como seu salvador um juiz. Não precisamos de xerife. Temos que nos organizar. As sociedades estão polarizadas, característica dos tempos em que poucos têm muito e muitos não têm nada, mas não há como sustentar vida saudável nessas condições, sem o mínimo de dignidade, solidariedade e igualdade”.