Educação a Distância, contingenciamento de recursos, demissões e precarização do trabalho docente estão entre as ações de governos e sugeridas por atores da educação que parecem não viver no mesmo país que nós
Hoje, 28 de abril, é Dia Mundial da Educação. Hoje faz também 45 dias que nós, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, passamos a trabalhar de casa diante da necessidade de distanciamento social imposta pela pandemia da síndrome de COVID-19, causada pelo novo coronavírus. Nesse um mês e meio, muitas decisões foram tomadas na área da educação, diante da nova realidade que vivemos. O balanço delas nos indica o que todos nós que vivemos de fato o dia a dia das escolas já estamos sentindo: não está fácil comemorar este Dia da Educação.
O primeiro motivo que tem feito educadoras, educadores, estudantes e comunidades escolares acordarem ansiosos e irem dormir exaustos é a implantação da Educação a Distância. Além dos desafios óbvios dessa medida – que passam por precarização do trabalho das e dos profissionais da educação, falta de formação adequada, sobreposição de funções em casa (trabalho na escola, trabalho doméstico, cuidado com crianças, etc) -, ainda há problemas estruturais que não garantem o acesso equitativo para toda a população. E, para ilustrar essa situação, não precisamos usar muitas palavras, três imagens bastam:
Essa não, não é a exceção. É a realidade da maioria de nossa população. Os dados que mostram isso estão descritos no Guia sobre Educação a Distância que a Campanha Nacional pelo Direito à Educação publicou na semana passada
O que falta?
Internet com banda razoável que não fique picotando toda a ligação. Mais da metade dos estados brasileiros têm domicílios com menos de 60% de acesso à banda larga.
Computador ou tablet decentes ou aparelhos em número suficiente. Menos de 40% dos estudantes de educação básica da rede pública têm computador ou tablet em casa. E nem sempre o equipamento está disponível para eles.
Um lugar em casa com silêncio, ou seja, um cômodo silencioso com uma mesa e uma cadeira minimamente em condições para estudar.
Dividir as tarefas de casa – o apoio de todos no cuidado com as crianças e adolescentes é fundamental, mas os homens falham demais. E as mães não têm tempo para isso. Em média, as mulheres dedicam 18,1 horas por semana a cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos, sendo que entre as mulheres negras, essa média sobe para 18,6 horas semanais.
Falta de formação dos pais, que não tiveram seu direito à educação assegurado. Com isso, fica difícil ajudar a resolver as dúvidas da criança. São 38 milhões de pessoas adultas em analfabetismo funcional no Brasil.
Água tratada. É falta de coleta de esgoto. São 35 milhões de pessoas sem água tratada e 100 milhões de pessoas sem coleta de esgoto. Isso dificulta demais a educação em casa.
Falta comida. O Programa Nacional de Alimentação Escolar, sozinho, atinge 40 milhões de pessoas.
Falta de professora com tempo para individualizar a educação. Ela tem em média 50 alunos e, em uma jornada de 8 horas de trabalho, ela teria 2,5 minutos para cada, considerando as 2 horas que sobram depois de preparar e dar aula.
Falta condições de trabalho e de valorização. Para piorar a situação, ainda temos recebido inúmeros relatos de demissões, cortes de carga horária e diminuição de salários de profissionais da educação em todo o país. A escolha que sobra para um dos principais sujeitos da educação, o professor, é trabalhar a mais, de forma precária, se virando nos trinta, e sem reclamar ou entrar para a lista da Renda Básica Emergencial que, ainda que uma vitória social, ainda não está funcionando e tem milhões na fila para receber o auxílio.
E o que têm feito os tomadores de decisão, ou seja, os decisores?
Vendado os olhos.
O Conselho Nacional de Educação – pressionado por inúmeros atores da sociedade civil e gestores (especialmente das secretarias estaduais de educação) que estão levando a cabo a ideia irresponsável e excludente do “Brasil não pode parar” – abriu uma consulta pública para um Parecer sobre educação nesse momento, em que ou ignora essa realidade ou toca o terror sobre o que pode vir a acontecer se as aulas forem suspensas e só forem indicadas atividades complementares – de forma a não aprofundar mais as desigualdades. Eles preferem continuar a toada de produtividade e ignorar a realidade que pensar em soluções que sejam acolhedoras, pedagógicas, democráticas e garantidoras de direitos a todas/os.
E a agenda econômica segue desprezando a necessidade de maiores investimentos nas áreas sociais. Só em 2019, a educação perdeu R$ 32,6 bi para a EC 95, do Teto de Gastos e, se mantivermos a austeridade, investimento público em educação vai continuar em queda em 2020.
Para esse cenário mudar, o que é preciso fazer?
Não podemos coadunar com esse ciclo vicioso de pobreza e injustiça. Precisamos seguir puxando o debate público para cima e não deixar decisões mesquinhas saírem barato na conta de políticos, gestores e parlamentares que só pensam em seus interesses políticos ou econômicos.
É preciso participar dos processos de tomada de decisão dos governos, parlamentares e conselhos. A Campanha enviou 23 contribuições ao Conselho Nacional de Educação, falando de todas as etapas e modalidades da educação e sugerindo uma revisão em seu caminho de parecer.
É preciso buscar informações sólidas, checadas e confiáveis e divulgar para que mais pessoas possam ter acesso. Para isso, fizemos já 4 Guias de enfrentamento a esse momento de COVID-19. E temos feito inúmeras Lives que abordam esses assuntos com professores e especialistas.
É preciso cobrar também dos órgãos do judiciário. Com articulação com uma plataforma de centenas de entidades e juntamente com outras organizações que são amicus curiae no STF, entramos com uma petição pela revogação do Teto de Gastos.
Mais do que nunca, é preciso estarmos juntos para garantirmos o direito à educação de qualidade para todas e todos, sem exceção. Precisamos do apoio de todas e todos para seguir fazendo nosso trabalho.
Só estando articulados, informados e unidos em ações engajadas com os direitos humanos conseguiremos ultrapassar esses desafios e, finalmente, podermos comemorar o Dia da Educação.
Por enquanto, o que nos resta é lutar e reconhecer aquelas pessoas imprescindíveis que estão ao nosso lado nesse trabalho. Um salve à rede da Campanha, um salve às e aos nossos professores, um salve às e aos estudantes, um salve às comunidades escolares que não abrem mão da educação como direito e como caminho para a justiça social.
“Há homens que lutam um dia e são bons.
Há outros que lutam um ano e são melhores.
Há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis.”
Bertolt Brecht
Fonte: https://campanha.org.br/noticias/2020/04/28/dia-da-educacao-em-tempos-de-pandemia-com-decisoes-de-olhos-vendados-para-realidade-nao-e-facil-comemorar/#:~:text=Hoje%2C%2028%20de%20abril%2C%20%C3%A9,19%2C%20causada%20pelo%20novo%20coronav%C3%ADrus