Consoante noticiado em diversos portais de notícias no ano passado, um levantamento realizado pelo PROCON/SP, em setembro de 2014, demonstrou que a negativa de cobertura de procedimentos está entre os principais problemas enfrentados pelos usuários de planos de saúde[1].
O problema representa mais da metade do total de reclamações que chegam ao PROCON/SP referente aos planos de saúde, sendo que desse percentual, menos da metade é resolvido na esfera administrativa.
Nessa mesma linha, recente manchete publicada em 04/11/2014 pela Globo[2], no quadro Profissão Repórter, noticiou que as reclamações sobre planos de saúde na ANS aumentam 31% em um ano.
Usualmente, as operadoras se utilizam do argumento de que o tratamento indicado pelo médico ao paciente não está previsto no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
As consequências das negativas injustificadas de cobertura de procedimentos pelos planos de saúde podem ser vistas no elevado grau de judicialização da questão.
Para se ter uma ideia da dimensão do problema, refira-se que, em 2012, o Conselho Nacional de Justiça elaborou levantamento dos 100 (cem) maiores litigantes do Brasil[3], pelo qual foi demonstrado que o setor de planos de saúde ocupa a oitava posição entre os 10 (dez) maiores setores em relação ao saldo residual de processos em 31 de março de 2010 na Justiça Estadual, vejamos:
Situação de pacientes que necessitam de medicamentos importados
A situação acima exposta é ainda mais grave nos casos em que o paciente necessita de medicamentos importados, ainda não fabricados no Brasil e, portanto, não registrados perante o órgão competente, a saber: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
Nesses casos, além da alegada inexistência de previsão do tratamento no rol de procedimentos da ANS, as operadores costumam valer-se de cláusulas contratuais para eximi-las dessa obrigação, as quais preveem expressamente a exclusão do fornecimento de medicamentos importados e não registrados na ANVISA, os quais qualificam como “tratamentos experimentais”.
Por vezes, referidas cláusulas contém previsão expressa de exclusão de tratamentos “off-label”, justamente por se tratar de situação comum nesses casos.
Ante a existência de tais previsões contratuais, muitos pacientes acabam cedendo e, erroneamente, acreditando não possuírem direito à cobertura do tratamento.
Para melhor abordar o tema, mostra-se importante estabelecer a diferença entre tratamento “off-label” e tratamento experimental.
Tratamento “off label” X tratamento experimental – diferenciação
Segundo informações da própria ANVISA[4], há uma diferença que deve ser lavada em consideração entre tratamento experimental e tratamento “off label”. Confira-se:
“[…] quando um medicamento é aprovado para uma determinada indicação isso não implica que esta seja a única possível, e que o medicamento só possa ser usado para ela. […] Uma vez comercializado o medicamento, enquanto as novas indicações não são aprovadas, seja porque as evidências para tal ainda não estão completas, ou porque a agência reguladora ainda as está avaliando, é possível que um médico já queira prescrever o medicamento para um seu paciente que tenha uma delas. Podem também ocorrer situações de um médico querer tratar pacientes que tenham uma certa condição que, por analogia com outra semelhante, ou por base fisiopatológica, ele acredite possam vir a se beneficiar de um determinado medicamento não aprovado para ela.”
Veja-se que o tratamento “off label” é aquele prescrito para uma determinada finalidade não trazida expressamente na bula do medicamento, porém cuja eficácia é reconhecida pela comunidade médica, NÃO se confundindo com tratamento experimental, que é aquele tratamento que, de regra, não é aceito pela comunidade médica.
Portanto, “tratamento experimental” deve ser entendido como aquele que não possui qualquer base científica, que não é aprovado pela comunidade médica e tampouco ministrado em pacientes que se encontrem em situação similar.
Seria o caso, por exemplo, de tratamento a base de florais, cromoterapia e outros dessa natureza, o que não se amolda ao caso em análise. É forçoso concluir, nesse passo, que não subsiste o argumento puro e simples quanto à inexistência da obrigação de fornecer o medicamento por ele ser “off label”, não havendo que se entender afrontada qualquer resolução da ANS. Nesse sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. CÂNCER. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL NÃO CARACTERIZADO. MEDICAMENTO ‘OFF LABEL’. COBERTURA OBRIGATÓRIA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. HONORÁRIOS DEVIDAMENTE ARBITRADOS. RECURSOS DESPROVIDOS. 1. TRATAMENTO ‘OFF LABEL’ É AQUELE PRESCRITO PARA UMA DETERMINADA FINALIDADE NÃO TRAZIDA EXPRESSAMENTE NA BULA DO MEDICAMENTO, PORÉM CUJA EFICÁCIA É RECONHECIDA PELA COMUNIDADE MÉDICA, DEVENDO SER COBERTO PELA SEGURADORA. TRATAMENTO EXPERIMENTAL É O QUE, DE REGRA, NÃO É ACEITO PELA COMUNIDADE MÉDICA. 2. O INADIMPLEMENTO CONTRATUAL NÃO CONFIGURA DANO MORAL INDENIZÁVEL, PORQUE PARA ISSO NÃO SE DISPENSA A PRESENÇA DE UM ATO ILÍCITO. 3. NÃO HÁ COMO MAJORAR O VALOR DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, SE PARA O ARBITRAMENTO A SENTENÇA LEVOU-SE EM CONTA A NATUREZA E A IMPORTÂNCIA DA CAUSA, O TRABALHO REALIZADO PELO ADVOGADO E O TEMPO EXIGIDO PARA O SEU SERVIÇO. 4. RECURSOS DESPROVIDOS. (TJ-DF – APC: 20110111517826 DF 0039831-03.2011.8.07.0001, Relator: ANTONINHO LOPES, Data de Julgamento: 18/09/2013, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 28/05/2014. Pág.: 124) (grifei)
No mesmo sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo:
PLANO DE SAÚDE Autogestão Aplicação das disposições do CDC – Negativa de cobertura do medicamento Zometa 4mg para tratamento oncológico de portadora de neoplasia maligna de mama, sob o fundamento de exclusão contratual, por ser o medicamento usado off label – É abusiva a pretensão de se excluir procedimentos, materiais, equipamentos ou medicamentos necessários ao tratamento, que não sejam de cobertura obrigatória imposta pela Agência Nacional de Saúde Suplementar ANS, pondo em risco a vida do paciente em caso de impossibilidade de pagamento – Não se comprovou que o plano da autora exclua o tratamento da doença, tanto que foram cobertas as demais despesas e procedimentos, razão pela qual não podem ser excluídos todos os medicamentos que forem indicados para a cura – Diferenciação entre uso off label e tratamento experimental – Aplicação da Súmula 102 do TJSP – Caraterização do dano moral Recurso da autora provido e desprovido o apelo da ré. (TJ-SP – APL: 00676634020128260100 SP 0067663-40.2012.8.26.0100, Relator: Alcides Leopoldo e Silva Júnior, Data de Julgamento: 02/12/2014, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 02/12/2014) (grifei)
Ante a complexidade do tema, importa a transcrição do seguinte trecho do voto proferido no acórdão acima ementado:
Há uma importante distinção entre tratamento experimental, que é aquele que não é utilizado normalmente e, por não ser ético ou por ser potencialmente desastroso ao paciente, não é aceito pela comunidade médica, e tratamento ‘off label’, que é aquele prescrito para uma determinada finalidade para a qual não há expressa indicação na bula do medicamento, mas cujos efeitos são reconhecidamente positivos pela comunidade médica para determinado quadro clínico. O uso reiterado ‘off label’ não significa que o medicamento seja experimental ou seu uso seja incorreto, mas apenas que ele não conta, ainda, com a indicação específica para determinado tratamento junto a ANVISA. (grifei)
Portanto, resta claro que tratamento “off-label” e tratamento experimental caracterizam situações completamente distintas, não devendo, sob hipótese alguma, ser tratados como sinônimos e, por consequência, implicando em resultados diversos no que tange à obrigação de fornecimento por parte dos planos de saúde.
Nulidade da cláusula contratual que prevê a exclusão da cobertura de medicamentos importados
Como já dito, por vezes as operadoras de planos de saúde se valem de previsões contratuais para justificar a exclusão da cobertura de medicamentos importados.
Ocorre que, caso existente, a cláusula que excluí o fornecimento do medicamento importado ou com indicação “off-label” é nula, pois coloca o consumidor em desvantagem exagerada, mostrando-se extremamente abusiva, e configurando a hipótese prevista no art. 51, inc. IV, do CDC[5], eis que incompatível com a natureza do contrato. Nesse sentido, já se manifestou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Apelação. Plano de saúde. Negativa de fornecimento de medicamento importado sob alegação de ausência de registro na ANVISA. Procedimento prescrito por profissional médico, que consiste na aplicação do medicamento “Clofarabine”, para tratamento de Leucemia Linfoblástica Aguda em Autor de apenas 2 anos de idade. Exclusão contratual que coloca em risco o objeto da avença, ou seja, a manutenção da saúde do usuário. Abusividade configurada. Cobertura devida. Inteligência dos artigos 47 e 51, § 1º, II, do Código de Defesa do Consumidor. Enunciado 20 e 29 desta E. Câmara e Súmulas 95 e 102 deste Tribunal. Recursos não providos. (TJ-SP – APL: 01960792620128260100 SP 0196079-26.2012.8.26.0100, Relator: João Pazine Neto, Data de Julgamento: 03/12/2013, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/12/2013) (grifei)
APELAÇÃO Plano de Saúde Ação de Obrigação de Fazer Autor portador de Liposarcoma Mixóide Negativa de cobertura contratual para custear o tratamento, sob o argumento de se tratar de medicação não autorizada pela ANVISA Tutela antecipada concedida – Sentença de procedência – Inconformismo Recurso desprovido. (TJ-SP, APL 0047043-03.2012.8.26.0554. Relator: José Aparício Coelho Prado Neto, Data de Julgamento: 16/12/2014, 9ª Câmara de Direito Privado) (grifei)
Calha transcrever o seguinte trecho do voto proferido no acórdão que decidiu a apelação nº 0047043-03.2012.8.26.0554, acima ementada:
Destarte, há que se reconhecer a ilegalidade da postura adotada pela apelante, pois contrária ao direito fundamental à saúde, à vida e, inclusive ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, direitos abrangidos na cobertura do plano de saúde contratado, que, sinale-se, tem por objeto, dentre outros, o tratamento quimioterápico.
Bem decidiu a questão, portanto, o MM. Juiz sentenciante, pois o Código de Defesa do Consumidor atua em favor do autor, visto que a interpretação de cláusulas contratuais favoráveis ao consumidor está prevista em seu artigo 47, sendo certo, por outro lado, que a negativa em testilha configura a hipótese prevista em seu artigo 51, inciso IV, eis que incompatível com a natureza do contrato.
Por outro lado, deve-se ter em mente que a negativa das operadoras de planos de saúde impõe obstáculo ao restabelecimento da saúde dos contratantes, ameaçando o objeto principal do contrato, prática esta vedada pelo art. 51, § 1º, inc. II, do CDC[6]. Nesse sentido, já se manifestou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
PLANO DE SAÚDE – Negativa de cobertura para medicamento importado e não nacionalizado – Abusividade – Tratamento correspondente à quimioterapia, a qual representa risco segurado – Ausência de registro na Anvisa que impede apenas a comercialização da droga, sem tornar ilegal a aquisição pelo paciente para consumo próprio – Necessidade de custeio pela ré justificada pela obrigação contratual de prestar assistência à saúde, sendo que o relatório médico ressalta a inexistência de alternativas eficientes – Vedação legal às práticas que impliquem restrição a direito fundamental inerente às relações consumeristas – Obrigação da ré reconhecida – Sentença mantida – RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-SP – APL: 00130131920128260011 SP 0013013-19.2012.8.26.0011, Relator: Elcio Trujillo, Data de Julgamento: 29/04/2014, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/04/2014) (grifei)
PLANO DE SAÚDE – TUTELA ANTECIPADA Negativa do plano de saúde em cobrir o medicamento Solvadi (Sofosbuvir) necessário ao tratamento de Hepatite C Alegação de medicamento importado e sem registro na Anvisa – Inadmissibilidade – Autora conveniada da Unimed Goiânia Unimed que perante o consumidor aparenta ser uma entidade única – Responsabilidade solidária das cooperativas perante os consumidores – Tratamento de enfermidade coberta pelo contrato firmado entre as partes – Exclusão que em princípio configura cláusula abusiva – Presença dos requisitos para a antecipação da tutela – Decisão mantida AGRAVO DESPROVIDO. (TJ-SP – AI: 21024206420148260000 SP 2102420-64.2014.8.26.0000, Relator: Alexandre Marcondes, Data de Julgamento: 26/08/2014, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/08/2014) (grifei)
Ademais, ante a incidência do diploma consumerista, que acarreta a necessidade de observação dos direitos básicos do consumidor – matéria de ordem pública e de interesse social (art. 1º do CDC[7]) – expressos no art. 6 do CDC[8], dentre os quais encontramos o direito a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, previsto no inciso V do artigo referido, mostra-se possível a supressão de cláusulas limitadoras de direito, como no caso em estudo.
Assim, seja pela desvantagem exagerada imposta ao consumidor, seja pela exagerada vantagem obtida pelas operadoras de planos de saúde ante a restrição de direito fundamental e inerente à natureza do contrato, ou pelo direito fundamental de modificação de cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais, é cristalina a abusividade da cláusula que isente as operadoras de planos de saúde de fornecer medicamentos importados.
Posicionamento dos Tribunais sobre a matéria
Felizmente, os Tribunais pátrios tem rechaçado tal argumentação, entendendo (corretamente) que o rol de procedimentos da ANS é meramente exemplificativo.
Nessa linha, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo possui entendimento sumulado sobre a abusividade da negativa de cobertura de custeio de tratamento por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS, entendimento este pacificado por meio do enunciado nº 102, vejamos:
Súmula 102: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.
Assim, os Tribunais entendem que a busca pela cura da enfermidade do segurado, por meio dos métodos mais sofisticados, eficientes e modernos, indicados pelo profissional médico que assiste o paciente, deve sobrepor-se a quaisquer outras considerações, inclusive sobre ausência de previsão no rol de procedimentos da ANS, mostrando-se abusiva a negativa injustificada, por parte da ré, para a cobertura do procedimento indicado pelo médico do autor, assim como as cláusulas que limitam a cobertura a esses tratamentos. Nesse sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. Não há falar em cerceamento de defesa pelo indeferimento de juntada, em audiência, de documento preexistente e já disponível à parte por ocasião da contestação. A negativa, proferida em audiência, desafiava recurso de agravo retido, nos termos do art. 523, § 3º, CPC, não manejado pela demandante. Caso explícito de preclusão. Reparo não merece a sentença recorrida, porquanto o procedimento reivindicado é o único disponível no mercado capaz de solucionar o problema do paciente, conforme indicação em laudo médico. A abusividade da cláusula reside no fato de não poder o paciente, consumidor do plano de saúde, ser impedido de receber tratamento com o método mais adequado ao momento em que instalada a doença coberta em razão de cláusula limitativa. Havendo recursos disponíveis, é o médico, e não o plano de saúde, responsável pela orientação terapêutica. Orientação do REsp 668.216/SP. A Resolução Normativa da Agência Nacional de Saúde, responsável pela atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde, constituiu referência básica para a cobertura assistência mínima dos planos privados de assistência à saúde. Significa dizer que aos contratantes é facultado o direito de ampliar a abrangência da contratação, incluindo outros procedimentos, ainda que não elencados pela ANS. Se a seguradora intenta exonerar-se da cobertura de algum procedimento, tal deve constar expressa e claramente no contrato, como no rol de exclusões, situação inexistente in casu. A juntada de documentos após a prolação de sentença é admitida somente em casos excepcionais, quando tratar de documento novo ou quando a parte provar que deixou de proceder na juntada por motivo de força maior, inocorrente nos autos. Documentos novos não admitidos. PRELIMINAR AFASTADA. NO MÉRITO, NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. (Apelação Cível Nº 70059872747, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Claudia Cachapuz, Julgado em 27/08/2014) (grifei)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. AVASTIN E LUCENTIS.COBERTURA DEVIDA. 1. A obrigação da ré é de fornecimento de todos os medicamentos necessários ao tratamento quimioterápico, aí incluídos Avastin e Lucentis. 2. Reconhecido que o contrato entabulado entre as partes prevê a cobertura de tratamento da patologia apresentada pela parte autora, revela-se abusiva a cláusula contratual que exclui da cobertura os medicamentos correlatos. O plano de saúde não pode se recusar a custear fármaco prescrito pelo médico, pois cabe a este definir qual é o melhor tratamento para o segurado. Precedentes desta Câmara e do STJ. 3. Nos termos do art. 51, IV, do CDC, mostra-se abusiva a cláusula contratual que exclui do tratamento os fármacos pleiteados, uma vez que coloca o consumidor em desvantagem exagerada frente à operadora de plano de saúde. 4. O descumprimento contratual, por si só, não dá ensejo ao reconhecimento de danos extrapatrimoniais. Hipótese em que a negativa de atendimento não configura dano moral. 5. Constitui dano moral apenas a dor, o vexame, o sofrimento ou a humilhação que, exorbitando a normalidade, afetem profundamente o comportamento psicológico do individuo, causando-lhe aflições, desequilíbrio e angústia. 6. Litigância de má-fé. Conduta que não se reconhece. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70052644853, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 27/03/2013) (grifei)
Da mesma forma, o Poder Judiciário tem entendido que a inexistência de registro do medicamento no órgão regulador não é óbice para seu fornecimento, caso tenha sido devidamente prescrito pelo médico responsável pelo tratamento. Nesse sentido, já se manifestou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
NULIDADE – Cerceamento de defesa – Pretensão à expedição de ofícios para ANVISA e ANS a fim de obter esclarecimentos sobre o registro do medicamento importado e a não obrigatoriedade do seu fornecimento – Ausente necessidade – Possibilidade do juiz dispensar a produção de provas – Princípio do livre convencimento motivado – Preliminar afastada. PLANO DE SAÚDE – Recomendação médica para utilização do medicamento “Brentuximabe Vedotin (Adcetris)” para tratamento de Linfoma de Hodgkin – Negativa de cobertura sob a alegação de que se trata de droga importada e não nacionalizada – Abusividade – Ausência de registro na ANVISA que impede apenas a comercialização do medicamento, sem tornar ilegal a aquisição pelo paciente para consumo próprio – Existência de cobertura contratual para quimioterapia, sem cláusula que restrinja especificamente o tratamento –Interpretação mais favorável ao consumidor – Vedação legal às práticas que impliquem restrição a direito fundamental inerente às relações consumeristas– Incidência das Súmulas 95 e 102 desta E. Corte – Obrigação da ré reconhecida – Sentença mantida – RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-SP – APL: 10436493820138260100 SP 1043649-38.2013.8.26.0100, Relator: Elcio Trujillo, Data de Julgamento: 09/09/2014, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/09/2014) (grifei)
PLANO DE SAÚDE – Negativa de cobertura para medicamento importado e não nacionalizado – Abusividade – Tratamento correspondente à quimioterapia, a qual representa risco segurado – Ausência de registro na Anvisa que impede apenas a comercialização da droga, sem tornar ilegal a aquisição pelo paciente para consumo próprio – Necessidade de custeio pela ré justificada pela obrigação contratual de prestar assistência à saúde, sendo que o relatório médico ressalta a inexistência de alternativas eficientes – Vedação legal às práticas que impliquem restrição a direito fundamental inerente às relações consumeristas – Obrigação da ré reconhecida – Sentença mantida – RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-SP – APL: 00130131920128260011 SP 0013013-19.2012.8.26.0011, Relator: Elcio Trujillo, Data de Julgamento: 29/04/2014, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/04/2014) (grifei)
PLANO DE SAÚDE – Negativa de cobertura para medicamento – Alegada ausência de registro na Anvisa – Não produzidas provas neste sentido – Ademais, o relatório médico atesta a inexistência de alternativas eficientes – Vedação legal à restrição de direito fundamental inerente à natureza da relação que ameace seu próprio objeto – Abusividade configurada – Obrigação da ré de fornecer cobertura ao medicamento prescrito reconhecida – Sentença mantida – RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-SP – APL: 00000296620138260011 SP 0000029-66.2013.8.26.0011, Relator: Elcio Trujillo, Data de Julgamento: 02/12/2014, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/12/2014) (grifei)
Obrigação de fazer. Plano de saúde. Tratamento para combate a câncer. Prescrição de medicamento denominado Revlimid. Negativa de cobertura. Alegação de que o medicamento não possui registro na ANVISA, por ter caráter experimental. Alegação de exclusão expressa de cobertura de tratamento com uso de medicação domiciliar. Autor acometido de “mieloma múltiplo”. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Interpretação da Súmula 469 do STJ. Tratamento que deve ser orientado pelo médico assistente e não pela operadora de plano de saúde. O objetivo contratual da assistência médica comunica-se necessariamente com a obrigação de restabelecer ou procurar restabelecer, através dos meios técnicos possíveis, a saúde do paciente. Inadmissibilidade da negativa de cobertura de tratamento de câncer. Aplicação analógica da Súmula 102, deste E. Tribunal de Justiça. Recurso não provido. (TJ-SP – APL: 40085142520138260451 SP 4008514-25.2013.8.26.0451, Relator: Edson Luiz de Queiroz, Data de Julgamento: 24/09/2014, 5ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/10/2014) (grifei)
Conclui-se, portanto, que independentemente do fundamento legal utilizado, não há argumento capaz de isentar as operadoras de plano de saúde de prestarem a cobertura do tratamento expressamente recomendado por profissional da medicina devidamente habilitado, independentemente do fato do medicamento possuir registro perante o órgão competente, ou de estar o tratamento previsto expressamente no rol de procedimentos da ANS.
Casuística
Em caso recentemente ajuizado, o juiz de direito da 5ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre deferiu pedido de antecipação de tutela determinando que a Unimed Porto Alegre forneça ao autor da ação o medicamento RITUXIMAB (medicamento importado e sem registro na ANVISA) indicado para tratamento de colangiocarcinoma metastático.
O autor foi diagnosticado com colangiocarcinoma metastático e vinha realizando tratamento com medicamentos quimioterápicos. Todavia exames recentes demonstraram que a abordagem terapêutica realizada não estava mais surtindo resultados, com fortes evidências de piora do quadro clínico do autor.
Assim, visando o prosseguimento do tratamento, bem como a fim de evitar a rápida progressão da doença, foi receitado ao autor o medicamento Pembrolizumab 3mg/kg EV, na dosagem de 150mg/ml, (3 frascos), a cada 21 (vinte e um) dias. Cada dose do medicamento custa – na dosagem indicada ao autor, aproximadamente, R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
O autor realizou pedido administrativo à ré para obter a cobertura do medicamento prescrito, tendo obtido parecer desfavorável. Assim, buscou orientação de um advogado.
Ante o quadro fático descrito, foi proposta ação ordinária de obrigação de fazer com pedido de antecipação de tutela, pela qual foi obtida a antecipação dos efeitos da tutela para que a Unimed Porto Alegre fornecesse ao autor o medicamento Pembrolizumab, na dosagem prescrita pelo médico.
Processo nº 0019409-75.2015.8.21.0001/TJRS
[1] Problemas com a cobertura são a principal reclamação contra planos de saúde no Procon-SP. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/problemas-com-cobertura-são-principal-reclamacao-contra-planos-de-saúde-no-procon-sp-13950538>. Reportagem de 16/09/2014. Acesso em: 20/02/2015.
Negativa de cobertura é maior problema dos planos de saúde. Disponível em:http://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/noticias/negativa-de-coberturaemaior-problema-dos-planos-de-saúde. Reportagem de 16/09/2014. Acesso em: 20/02/2015.
Negativa de cobertura é principal queixa nos planos de saúde, diz Procon-SP. Disponível em: < http://www.infomoney.com.br/minhas-financas/planos-saúde/noticia/3580040/negativa-cobertura-principal-queixa-nos-planos-saúde-diz-procon>. Reportagem de 16/09/2014. Acesso em: 20/02/2015.
[2] Plano de saúde não cumpre contrato e deixa consumidor sem atendimento.Disponível em: http://g1.globo.com/profissao-reporter/noticia/2014/11/plano-de-saúde-nao-cumpre-contratoedeixa-consumidor-sem-atendimento.html. Reportagem de 04/11/2014. Acesso em 20/02/2015.
[3] 100 maiores litigantes. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/100_maiores_litigantes.pdf. Acesso em: 23/02/2015.
[4] Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/medicamentos/registro/registro_offlabel.htm>;. Acesso em 28/01/2015.
[5] Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
[6] Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(…)
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
[7] Art. 1º O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.
[8] Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
IX – (Vetado);
X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
Fonte: JusBrasil/ Diego Krainovic