A Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh) da Câmara de Vereadores de Porto Alegre realizou um debate sobre a situação das mulheres na reforma da Previdência dos trabalhadores municipais da Capital, proposta pelo prefeito Sebastião Melo (MDB).
O debate foi proposto pela vereadora integrante da Cedecondh, Reginete Bispo (PT), preocupada com as desigualdades existentes entre os direitos de homens e mulheres, que se reproduz entre os trabalhadores do serviço público municipal. Segundo a vereadora, é preocupante que o Executivo apresente uma proposta de reforma da Previdência, em plena pandemia, que agrava a situação das mulheres.
“São as mulheres quem mais perderam seus empregos, quem perderam poder aquisitivo e que ficam com mais responsabilidades de cuidado. Lembremos que 68% das trabalhadoras vinculadas ao Previmpa são mulheres”, afirmou a vereadora.
O que dizem as especialistas convidadas
Márcia Quadrado foi a primeira a falar. Representante do Conselho Fiscal e de Administração (CAD) do Previmpa, ela lembrou que este projeto de reforma da Previdência foi apresentado em 2020, recebendo um parecer contrário no CAD, mas também da Procuradoria-Geral do Município, por não conter todos os elementos necessários para justificar as mudanças propostas.
Ela também fez uma fala explicativa, sobre os dois diferentes tipos de regime de Previdência existente entre os servidores.
“Na Previdência do município, temos o Regime de Repartição Simples para os servidores que ingressaram até setembro de 2001. Nesse regime, falamos de mais de 2 mil mulheres que estão na ativa e têm em média 53 anos, ou seja, pelas regras atuais, são mulheres que estão no município há mais de 20 anos e muito próximas da aposentadoria com direito da integralidade”, contextualizou Márcia.
Considerando a atual proposta de reforma apresentada, estas mulheres precisariam trabalhar mais 7 anos para se aposentar com salario integral. Ela lembra também que, nesse regime, as diferenças salariais entre homens e mulheres são bem menos expressivas, havendo casos de mulheres com salários maiores do que homens.
Entretanto, no outro regime de previdência, chamado de Plano Capitalizado, para os servidores que ingressaram após 2001, existem diferenças expressivas entre salários (das trabalhadoras ativas) e, consequentemente, de aposentadorias.
“As mulheres do plano capitalizado do Previmpa têm salários bastante diferenciados em relação aos homens, em torno de 7% menor da média. Quando olhamos os proventos de aposentadoria, também percebemos essa diferença, chegando a ser 20% menor na média”, alertou.
Em relação às aposentadorias por invalidez, a realidade é ainda mais desigual, chegando a haver 30% de diferença. Márcia Quadrado faz ainda um alerta muito importante. As contribuições dos trabalhadores do plano capitalizado constituem um fundo de mais de 3 bilhões de reais, aplicados em planos de investimentos que garantem um superávit deste fundo.
“Temos análises importantes em relação aos nossos planos atuariais. Nosso fundo de investimentos tem cerca de 3 bilhões de reais, que seguem todas as regras legais. Segundo o cálculo feito pela área técnica do Previmpa, tivemos no último período um superávit de mais de 400 milhões de reais, ou seja, temos hoje recursos reservados para fazer frente aos compromissos assumidos, nas próximas décadas.”
Essa constatação leva a uma conclusão preocupante, pois, se aprovada a reforma da Previdência, com aumento das contribuições e tempo de trabalho das mulheres, haverá um superávit ainda maior. Esse aumento do fundo se dará, então, em sua maior parte, às custas do aumento de trabalho das mulheres.
“Se o regime atual já é superavitário, precisam as mulheres cumprir ainda mais jornadas e tempo de trabalho?”, questiona a servidora pública Márcia Quadrado.
Especialista em direito previdenciário também criticou a proposta
A advogada, licenciada pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, assessora jurídica sindical em direitos e políticas da Seguridade Social em Porto Alegre, Marilinda Marques Fernandes, falou na sequência e também criticou a proposta. Destacou que este tipo de debate é muito importante, pois o exercício do poder local é um fator na estruturação da democracia.
Ela afirmou que o projeto apresentado perde legitimidade no sentido de que não apresenta justificativas estruturadas, não vindo acompanhado de estudos atuariais, por exemplo, ou pela atualização dos cadastros de pensionistas e aposentados do fundo público.
Questionou bastante o argumento de que a reforma da Previdência municipal seria necessária, pois ela já foi feita pelo governo federal e também estadual, algo que foi levantado como justificativa pelos vereadores favoráveis ao projeto.
“A reforma não tem que ser feita porque a União fez, o estado fez, então também temos que fazer. A Constituição não diz isso, o município faz reformas quando as necessidades justificam. O município tem suas finanças e despesas próprios, a exemplo do fundo de capitalização que é totalmente superavitário”, defendeu.
Afirmou também que todas as reformas de Previdência, federais e estaduais, realizadas até agora não lograram trazer mais benefícios aos trabalhadores. Lembrou que o argumento de que a reforma seria importante para a saúde financeira do município não se justifica, pois haveriam outros caminhos que não estão sendo usados, como por exemplo aumentar cobranças de IPTU e cobrar impostos não pagos.
Por fim, concluiu criticando também o argumento de que o aumento das idades mínimas seria necessário pois a expectativa de vida das mulheres está crescendo.
“A mulher está vivendo mais, mas isso não significa que temos uma vida mais qualificada, as mulheres não têm tempo. Não podemos deixar que a sociedade nos tire tempo de vida, desconsiderando todo o tempo desempenhado em trabalho não remunerado. Estamos vivendo mais, mas mais doentes, nunca tivemos tantas doenças e tanta falta de assistência. Não podemos fazer uma reforma da Previdência levando em conta somente a idade, desconsiderando fatores sociais”, concluiu a advogada.
Juíza também criticou a proposta
A juíza Cíntia Múa também criticou a proposta. Lembrou que a reforma da Previdência proposta pelo governo Temer confundiu Seguridade Social com Previdência e fez acreditar que combateria privilégios, mas acabou por prejudicar a população em geral. Ressaltou que não há obrigatoriedade para os municípios fazerem suas reformas.
“O artigo 40 não obriga os municípios a copiar o que fez a União e o estado. Temos a oportunidade de usar nossa autonomia frente à federação para analisar nossa realidade e promover uma reforma da Previdência que seja coerente com nossa realidade. Já foi dito aqui que o sistema do Previmpa é superavitário”.
Ela ainda lançou o questionamento: se a proposta for aprovada, e aumentar o superávit do fundo de capitalização do Previmpa, qual será o destino desse recurso todo? Sem fazer acusações, mas querendo chamar atenção para o tema, a juíza alertou para possibilidades já propostas em outros locais do país, onde o dinheiro do fundo de aposentadoria dos trabalhadores foi usado em outros gastos.
No mesmo sentido da advogada que a precedeu, argumentou contra a justificativa do aumento do tempo de vida das mulheres. Afirmou já haverem muitos estudos indicando que esse ganho de vida não veio junto com uma qualidade nesse tempo de vida, e que as mulheres no geral apresentam um tempo de vida saudável cada vez mais curto entre a aposentadoria e o adoecimento.
Por fim, chamou atenção que nem no aumento do tempo de trabalho foi respeitada uma igualdade, pois os trabalhadores homens terão um acréscimo de tempo de trabalho de cerca de 8%, enquanto as mulheres terão um aumento de mais de 13%.
Argumentos favoráveis à reforma também foram apresentados
Os argumentos favoráveis ao projeto também foram apresentados no debate. A vereadora Mônica Leal (PP) afirmou que é favorável à reforma devido à saúde financeira do município, e reafirmou o argumento de que o objetivo da proposta é adequar a legislação municipal à reforma da Previdência feita no âmbito federal. Porém, também ponderou sobre as desigualdades entre trabalhadoras e trabalhadores, ressaltando que mais debates são necessários para atenuar essas diferenças.
“Vejo também que a situação das mulheres terá um incremento significativo, maior que o dos homens. Todas nós sabemos a situação da mulher trabalhadora, que sempre faz mais, o que implica uma sobrecarga e desgaste, incluindo sua saúde e bem estar”, ponderou a vereadora.
Também emitiu argumentos favoráveis à proposta o atual diretor-geral do Previmpa, Rodrigo Costa Machado. Ele repetiu os argumentos de que, quando da reforma da Previdência federal, o legislador deixou de fora os estados e municípios, restando a estes entes fazerem suas reformas.
Citou como exemplo algumas capitais de estados, como Salvador, que fez sua reforma em 2020, e Fortaleza, que encaminhou reforma no mesmo ano.
Reafirmou também o argumento de que houve um aumento na expectativa de vida maior das mulheres do que dos homens, e de que o município realiza um aporte de cerca de 1,2 bilhões de reais na Previdência municipal, quase 20% do orçamento.
Sobre Porto Alegre, destacou ainda que, dos mais de 7 mil trabalhadores no regime capitalizado, cerca de 68% destes são mulheres. Entre estes, cerca de 38% são professores, sendo 80% professoras.
Fonte: Brasil de Fato