Após PEC das domésticas, número de mensalistas diminuiu e de diaristas aumentou

Só em 2015 os trabalhadores domésticos passaram a ter garantidos direitos que já faziam parte da rotina de outras categorias profissionais, como férias remuneradas, 13º salário e fundo de garantia. De lá para cá, porém, o número de mensalistas no serviço doméstico reduziu, em um percentual que chegou a 4% no terceiro trimestre de 2016 em comparação ao mesmo período do ano passado. Em contrapartida, o número de diaristas aumentou 12,5%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apresentados no programa Bom Para Você, da TVT.

“Ainda assim temos que comemorar. Eu compreendo esse assunto como uma espécie de lei áurea, sem exagero. Chacoalha a sociedade ao dizer que essa pessoa que está na sua casa é um trabalhador e tem direitos. Tudo antes estava no campo do favor: ‘eu gosto dela’, ‘eu facilito a vida dela’, ‘eu flexibilizo para ela’, ‘eu dou presentes pros filhos dela’. Estava tudo no universo do favor, mas que tem um outro lado, que era o de restringir direitos”, diz a jornalista e pesquisadora sobre o tema Leusa Araújo, que venceu o Prêmio Jabuti de 2016 com o livro Convivendo em Grupo – Almanaque de Sobrevivência em Sociedade.

O Brasil tem hoje pelo menos 6 milhões de empregadas domésticas – 20% das mulheres economicamente ativas estão no setor doméstico. Ao todo, 80% delas são mulheres negras. “São relações de servidão mesmo. Hoje a primeira pergunta é: tenho como manter esse funcionário? E qual é exatamente a função ela? Por mais que as relações ainda sejam conflitantes, não dá para dizer que piorou”, diz Leusa.

Desde os anos 1930, essas trabalhadoras lutam pelo reconhecimento dos seus direitos. Eles foram alcançados apenas no governo de Dilma Rousseff, mas já correm riscos com as propostas de terceirização do trabalho do governo de Michel Temer.

“O projeto é estendido a todas as profissões, mas as domésticas correm o risco de nem chegar a usufruir desses direitos. É um problema dos trabalhadores em geral no governo pós-golpe. Essa relativização vai atingir alguém a que nem todos os direitos estão equiparados. A luta agora é para manter a qualquer custo o que veio com tanto esforço”, diz Leusa. “As diaristas têm algumas liberdades e muitas vezes não têm essa informação. Elas não precisam cumprir horários rígidos, nem datas. Ela entra na casa, faz o trabalho e vai embora.”

Mesmo com a força da lei, as relações humanas entre patrões e empregados ainda são conflituosas e permeadas pela cultura escravocrata e patriarcal de considerar a trabalhadora doméstica como “quase da família”. “Nós não queremos ser da família dos nossos patrões. A gente quer ser respeitada e ter serviço digno como qualquer outro e com salário digno também”, disse a historiadora e ex-diarista Joyce Fernandes.

Em julho deste ano ela criou uma página no Facebook chamada Eu Empregada Doméstica, que reúne depoimentos de abusos e situações humilhantes vividas por empregadas domésticas no trabalho. A página reúne 4 mil depoimentos que ela considera como relatos da “senzala moderna”. Entre eles, o caso pessoal de ter de levar de casa copos pratos e talhares porque não poderia usar os utensílios da casa. Os depoimentos serão reunidos em um livro quee deve ser lançado em maio de 2017.

“Uma vez ouvi uma senhora que dizia que estava no paraíso porque estava trabalhando para um casal de belgas e tinha acabado o negócio de colocar a mesa do café da manhã e não precisava arrumar a cama das crianças”, diz Leusa. “É indissociável em um país escravista compreender porque o trabalho doméstico se constituiu dessa forma no Brasil. Uma das vantagens das mulheres escravas de ir para a casa grande era sair da lavoura, onde se vivia menos. Ela ganha grande vantagem em relação aos demais. Se seguirmos essa história veremos que ela imprime a servidão.”

Fonte: Rede Brasil Atual

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