Uma clínica veterinária (de Muriaé-MG) foi condenada a indenizar uma trabalhadora que contraiu toxoplasmose (conhecida por doença do gato) no ambiente de trabalho. A veterinária se dedicava ao banho e tosa dos animais e apresentou uma gravação em que a sócia da empresa sugere que ela teria ingerido fezes de gato. A decisão é do juiz Marcelo Paes Menezes, da Vara do Trabalho de Muriaé.
Ao analisar o caso, o magistrado lembrou que o patrão deve cumprir e fazer cumprir todas as regras de proteção à saúde do trabalhador. A responsabilidade do empregador, no que diz respeito à integridade física do trabalhador, é objetiva, valendo notar, por ser importante, que todos os riscos da atividade econômica devem ser imputados ao empregador (artigo 2º da CLT), explicou. Segundo o magistrado, somente a culpa exclusiva da vítima poderia afastar a responsabilidade do empregador em relação ao dever de indenizar eventual prejuízo experimentado pelo empregado, o que não é o caso.
A decisão chamou a atenção para o fato de se tratar de problema de saúde intimamente vinculado ao trabalho desempenhado, aplicando a teoria do risco profissional, amplamente adotada no âmbito dos Tribunais, a exemplo de julgado transcrito na sentença. Também se baseou em depoimentos de testemunhas que afirmaram que a trabalhadora não utilizava equipamentos de proteção. No aspecto, considerou que o patrão desrespeitou o mandamento contido no artigo 157 da CLT. A ré submeteu a autora à condição insegura de trabalho, atuando com culpa, concluiu o julgador.
Uma perícia concluiu que a trabalhadora é portadora de toxoplasmose, possuindo sequelas da doença. Para o julgador, o desgosto, o constrangimento e a tristeza do trabalhador que se vê afastado do serviço em virtude de doença podem ser presumidos. Nesse contexto, reconheceu o dano moral, determinando o pagamento de indenização de R$30 mil à veterinária, arbitrada nos termos do artigo 5º, inciso V, da Constituição e artigo 927, parágrafo único, do Código Civil. A clínica foi condenada ainda a custear o tratamento médico, pagando valores já desembolsados (R$2.664,49) e despesas necessárias até a convalescença. A condenação envolveu ainda pensão mensal até a concessão de alta médica pelo INSS, equivalente a um terço do último salário recebido, de acordo com o artigo 950 do Código Civil.
Validade da gravação como prova – A clínica reconheceu a veracidade do diálogo contido na mídia juntada aos autos pela trabalhadora. Na conversa, a sócia sugere que a funcionária havia ingerido fezes de gato. É inegável que o intuito da ré se confunde com o móvel de ofender a autora, imputando-lhe uma humilhação inaceitável, entendeu o julgador, concluindo que a investida violou a dignidade da trabalhadora. Lembrou que a dignidade da pessoa humana é prevista na Constituição como um dos princípios fundantes (artigo 1º, III). Presumindo o dano moral no caso, deferiu indenização de R$5 mil pela agressão moral praticada pela empregadora.
Na decisão, o magistrado rejeitou o argumento da clínica de que a prova apresentada seria ilícita. Segundo fundamentou, a regra que impede a juntada aos autos de uma prova colhida por meio ilícito tem status de norma processual, ou seja, natureza instrumental, estando em jogo a dignidade da pessoa humana, que tem natureza substantiva, garantia fundamental. Nesse caso, ponderou que o princípio da proporcionalidade leva o juiz a escolher, entre os direitos em conflito, o mais importante. E arrematou: Ora, não é preciso muitas delongas para afirmar que a dignidade da pessoa humana tem importância maior do que a higidez da norma processual.
Por fim, pontuou que a jurisprudência tem avançado no sentido de acolher a prova colhida por meio ilícito, sempre que não ocorra a possibilidade de provar o fato por outro meio. Exatamente o caso da veterinária, entendendo o julgador que exigir da funcionária a prova da humilhação experimentada por outro meio seria tornar a prova impossível. De todo modo, considerou que a prova não é ilícita, chamando a atenção para o fato de o diálogo gravado ter como um dos partícipes a própria trabalhadora. Ou seja, não se trata de diálogo entre terceiros. Dessa decisão, cabe recurso para o TRT de Minas.
PJe: 0011580-52.2016.5.03.0068