A União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública, entidade composta por 25 entidades e que se dedica, há 17 anos, a estudar, refletir e aprofundar o aperfeiçoamento do sistema previdenciário nacional, vem a público refutar os dados apresentados e as omissões existentes na apresentação intitulada “Reforma dos Servidores Civis”.
Preocupa-nos sobremaneira os erros e lacunas constatados, considerando a aprovação da PEC 06/2019, cujas projeções atuariais é que balizarão as contribuições previdenciárias dos servidores e a complementação das eventuais insuficiências com os impostos pagos pela sociedade.
A seguir detalhamos os erros, inconsistências e omissões de natureza previdenciária identificados:
1. Embora a apresentação seja intitulada de “Reforma dos Servidores Civis”, os déficits apresentados englobam o total dos servidores civis e militares, sem separação. Assim, o documento induz a atribuição de um déficit de R$ 3,5 bilhões a mais para os servidores civis. Na página 27 do documento, onde consta um déficit de aproximadamente R$ 11,64 bilhões, o valor correto seria de R$ 8,11 bilhões (conforme os dados oficiais do Demonstrativo de Resultado da Avaliação Atuarial de 2019 – ano base 2018).
2. Mesmo considerando que tenha sido um erro formal, os próprios números apresentados pelo governo, na Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO), para o exercício de 2018, são inconsistentes, pois omitem a ausência de repasse da contribuição patronal, inflando o déficit financeiro. No Anexo I.b da lei consta, para o plano financeiro, um déficit de 11,3 bilhões (o plano previdenciário não pode ser considerado, pois é superavitário em 2018). Nossas estimativas, baseadas no sistema de finanças públicas do estado (FPE), indicam que, em 2018, o montante da contribuição dos servidores civis para o regime de repartição simples alcançou R$ 1,19 bilhões. A contribuição patronal deveria corresponder ao dobro desse valor, cerca de R$ 2,38 bilhões. Contudo, estima-se que foram repassados apenas R$ 1,49 bilhões a título de contribuição patronal. Essa ausência de repasse da contribuição patronal elevou o tamanho do déficit, que alcança R$ 8,87 bilhões, quando deveria ser próximo R$ 7,82 bilhões. Portanto, o governo eleva o déficit financeiro, do regime de repartição simples dos servidores civis, em cerca de R$ 1,0 bilhão pela ausência de repasse da contribuição patronal. Caso o governo adote a prática da execução na projeção do déficit, os servidores correriam risco de serem sobretaxados para cobrir um déficit que está sendo aumentado pela ausência de repasse da contribuição patronal. A União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública, através do Conselho Fiscal do IPE Prev, solicitou o fornecimento das informações oficiais por parte do governo (ciente que dificilmente serão divergentes das estimadas na presente nota). Até a redação do presente documento, não se obtiveram tais informações.
3. A mesma prática, de ausência de repasse da contribuição patronal, ocorre no Regime de Repartição Simples dos Servidores Militares. Nesse regime, nossa estimativa para a contribuição dos servidores, para o exercício de 2018, é de R$ 479,8 milhões. Para contribuição patronal, que deveria ser o dobro (próximo a R$ 959,6 milhões), estima-se que o governo vem repassando o montante de R$ 643 milhões. Assim, um déficit estimado de R$ 1,527 bilhões, seria reduzido para R$ 1,210 bilhões. O governo eleva também o déficit financeiro do regime de repartição simples dos servidores militares em cerca de R$ 317 milhões.
4. Na mesma página 27, apresenta-se uma projeção de déficit atuarial de R$ 12,35 bilhões para o ano de 2019. Além do erro de continuar considerando servidores civis e militares, conforme destacado anteriormente, a projeção contraria a trajetória de declínio do déficit apresentada pelo próprio governo na LDO. No mesmo Anexo I.b da lei, constam como déficit atuarial de 2018 o valor de R$ 11,361 bilhões e, para 2019, o valor de R$ 11,305 bilhões (ambos para o Plano Financeiro). Constata-se uma redução gradual de R$ 56 milhões. Entretanto, na apresentação do governo, passados alguns meses, a projeção passou a apresentar um aumento expressivo, pulando o déficit de R$ 11,6 bilhões para R$ 12,35 bilhões. O governo apresenta um crescimento expressivo do déficit, de aproximadamente R$ 700 milhões, sem maiores detalhamentos, contrariando a trajetória de queda dos cálculos oficiais.
5. A tendência de crescimento do déficit previdenciário para 2019, além de contrariar a trajetória de queda identificada nos números oficiais, desconsidera as recentes alterações na legislação que disciplina os parâmetros atuariais. Com as novas regras de cálculos, os regimes de repartição simples apresentarão significativa redução nos déficits. Com a edição das portarias MPS 464/2018 e ME/SP 17/2019 poderão ser utilizadas taxas de juros atuariais que variam de 4,61% a 5,89% (a depender do ISP – Índice de Situação Previdenciária, calculado pela Secretaria da Previdência a partir das informações dos RPPS). Hoje, as avaliações atuariais, por força da Portaria MPS 403/2008, estabelecem taxa de juros zero para as projeções do regime financeiro, portanto, não se considera a receita de capitalização dos recursos. Com a nova legislação, essa receita passará a ser considerada reduzindo o déficit acumulado para a metade, a considerar os parâmetros do governo, reduzindo de R$ 375 bilhões para aproximadamente R$ 188 bilhões, e não aumentando como é apresentado no pacote. O Governo omite na sua apresentação normas de projeções atuariais que irão reduzir o déficit atuarial do regime financeiro pela metade, a partir de 2020.
6. Na página 28 do documento, o governo apresenta a informação de que a Reforma da Previdência reduzirá em R$ 86 bilhões um déficit atuarial de R$ 373,5 bilhões. O documento não apresenta os elementos da reforma que estão sendo considerados para se chegar a esse valor, tampouco as memórias de cálculo. Não informa aspectos básicos, tais como se está considerando somente a PEC 06/2019, ou também leva em conta a PEC 133/2019. No âmbito do IPE Prev, gestor único do RPPS, nenhuma simulação dos impactos de Reforma da Previdência foi submetida ao Conselho de Administração. Cabe a este Conselho, que conta com representação do governo e dos servidores, avaliar e opinar sobre as avaliações atuariais da previdência (LC nº 15.143/18, art. 5º). Se o propósito é o diálogo, as simulações, parâmetros, pressupostos, critérios e metodologia deveriam ser apresentados a este Conselho. O governo não submeteu a simulação dos impactos da Reforma da Previdência à avaliação técnica da instância legalmente responsável por avalizar as projeções atuariais dos regimes previdenciários.
7. Na mesma página 28, o déficit atuarial de R$ 373,5 bilhões soma, equivocadamente, os saldos anuais dos déficits do regime financeiro. As posições anuais já são cumulativas: representam o déficit financeiro acumulado até o ano de referência. Portanto, somá-los novamente representa uma impropriedade, incorrendo no erro de dupla contagem. Somando-se as receitas previdenciárias do intervalo de tempo considerado pelo governo e deduzindo as despesas previdenciárias, para o Regime financeiro, chega-se a valores próximos de R$ 11 bilhões e não R$ 373,5 bilhões. Isso se deve porque os déficits são zerados de um ano para outro, uma vez que observam o regime de caixa. O governo acumula equivocadamente valores da previdência regidos pelo regime de caixa.
8. Na página 16 do documento denominado “Reforma Estrutural do Estado”, “Mito 4”, o governo além de afirmar que o déficit é crescente até 2040 (contrariando os números oficiais, sem qualquer suporte em projeções atuariais válidas) sustenta que, ao final de 2091, o “Fundo” em extinção acumularia um déficit total de R$ 800 bilhões (considerando uma inflação de 3,5% a.a.). O número apresentado contraria regras básicas de matemática financeira ao somar valores de instantes temporais distintos.
9. As projeções atuariais apresentadas pelo governo não foram submetidas ao exame do Conselho de Administração do Gestor Único do Regime Próprio de Previdência Social, o IPE Prev. A Portaria 464/2018 estabelece que as avaliações atuariais oficiais, inclusive as projeções, devem ser procedidas por um atuário responsável bem como necessitam ter a aprovação dos respectivos Conselhos Deliberativos ou de Administração. No âmbito estadual, a Lei Complementar Estadual nº 15.143/18 instituiu o IPE Prev e respectivo Conselho de Administração. Trata-se de um colegiado paritário, composto por representantes patronais (órgãos dos poderes Legislativo, Executivo, Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas). O Conselho de Administração representa a instância destinada a se fazer um debate dialogado, mediando os interesses de servidores e representantes patronais, incluindo-se aqueles do governo. Causa estranheza ignorar o exame técnico e o aval do Gestor Único do Regime Próprio de Previdência Social sobre os números apresentados, alijando instâncias paritárias, se o propósito anunciado pelo Sr. Governador é estabelecer um diálogo.
10. A última avaliação atuarial oficial apresentada pelo governo (Processo Administrativo Eletrônico: 19/2442-0007230-50), embora aprovada, foi expressamente ressalvada, por unanimidade, inclusive pelos representantes do Poder Executivo. O grau de aderência da avaliação foi considerado insuficiente para atestar a efetiva situação atuarial do regime financeiro (civil e militar) e do regime previdenciário (civil e militar), face à controvérsia das hipóteses atuariais assumidas quanto à taxa de juros, ao crescimento real de salários, à reposição de servidores, limitação e à ausência de prazo razoável para exame por parte do Conselho de Administração, sem comprometer a renovação do Certificado de Regularidade Previdenciária – CRP.
11. Na referida avaliação, aprovada com ressalvas, sem aderência com a realidade, o governo projeta crescimentos salariais reais de 2,5% a.a. e 3,9% a.a. em um cenário que considera 4,10% de IPCA para 2019, significa dizer que servidores civis e militares teriam, nesse ano, um aumento nominal de 6,60% e 7,8%, respectivamente. Tais parâmetros contrastam com uma realidade de categorias com mais de 04 anos sem recomposição da inflação, com parcelamento de salários, acumulando praticamente duas folhas, e com a Lei de Diretrizes Orçamentária, para o ano de 2020, que prevê crescimento zero para as despesas com pessoal. Ainda que se trate de um crescimento médio para um período de 75 (setenta e cinco anos) há contrastes significativos, que devem ser verificados com a realização de testes de aderência.
12. No tocante a pensão por morte, a proposta não prevê, nas alterações em relação ao art. 30 da Lei Complementar nº 15.142/18, o pagamento mínimo no montante de um salário mínimo para este benefício previdenciário, e também como se dará o reajuste deste benefício que não foi ou não será contemplado pela paridade, já que para as aposentadorias pela média (art. 28-A, § 7º, da proposta), o benefício será reajustado nos termos estabelecidos para o RGPS.
13. A proposta é omissa quanto à proteção do cônjuge, companheira ou companheiro na hipótese da soma do tempo da união estável com casamento, para fins de enquadramento nos prazos do art. 12, inciso IX da Lei Complementar nº 15.142/18, aos requerentes da pensão por morte.
14. Do mesmo modo, em relação ao benefício da pensão por morte, não há garantia da isonomia com o servidor ativo e inativo, no tocante as parcelas mensais de reposições e indenizações ao erário, nos moldes previstos na proposta para o art. 82 da Lei Complementar 10.098/94.
15. A precarização do IPE Prev influencia diretamente a capacidade de o governo projetar adequadamente os déficits previdenciários, podendo resultar sobretaxações indevidas, tanto dos servidores como da sociedade como um todo. Serão as contribuições dos servidores e a receitas dos tributos pagos pela sociedade que financiarão os déficits apurados. Atualmente o IPE Prev terceiriza o cálculo atuarial, contando com apenas um (01) servidor na diretoria de investimentos para administrar uma carteira superior a R$ 2,0 bilhões.
16. O governo do Estado não apresenta medidas alternativas de política previdenciária, que desonerariam a sobretaxação dos servidores e reduziriam o déficit da previdência. Dentre elas estão o benefício especial de migração dos servidores que estão nos regimes previdenciários em extinção para o regime de previdência complementar, exigido inclusive no âmbito da ADI 70069544146, proposta pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Também não discute a possibilidade de ressegregação de massas, compra de vidas dentre outras. Essencialmente, a proposta para previdência apresentada pelo governo está voltada a questão fiscal.
17. Por fim, e não menos importante, o governo apresenta um plano de reestruturação do funcionalismo público estadual, tendo como base uma avaliação atuarial defasada (base de 31/12/2017), que considera um cenário previdenciário pretérito à REFORMA DA PREVIDÊNCIA já aprovada, bem como utiliza parâmetros atuariais hoje revogados (Portaria MPS nº 403/2008, revogada pela Portaria MF nº 464/2018). Entende-se que a justificativa apresentada é INCONSISTENTE, uma vez que o governo se utiliza de dados projetados com regras e parâmetros revogados. O prudente e previdenciariamente responsável seria aguardar a realização da AVALIAÇÃO ATUARIAL 2020, para que os resultados sejam novamente analisados e discutidos.
Diante dos erros e impropriedades constatadas, a União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública requererá a memória dos cálculos apresentados pelo Governo por intermédio da Lei de Acesso à Informação.
Consideramos que previdência é uma matéria sensível a sociedade gaúcha.
Decisões políticas baseadas em dados equivocados e sem a devida transparência não apresentam um bom caminho para o diálogo e a democracia. Geralmente, estão associadas a interesses escusos.
A sociedade brasileira teve negado seu acesso às informações da previdência na ocasião da PEC 06/2019.
A União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública atua para que não se estabeleça essa mesma prática no Estado do Rio Grande do Sul.
Esperamos que o senhor Governador adote a postura republicana que faltou ao Governo Federal, disponibilizando as memórias de cálculo, estabelecendo o diálogo com as entidades representativas, com o Conselho de Administração do IPE Prev e esclareça a população gaúcha sobre os graves erros identificados na presente nota.
Finalmente, quando um serviço público é precarizado resultando em avaliações erradas, quem paga é a sociedade.
Texto: União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública
Cláudio Luís Martinewski,
Presidente.