Apontamentos sobre a inserção das pessoas com transtorno mental no trabalho formal

man with down syndrome working in an office

Por Tathiana Meyre da Silva Gomes

ResumoEste artigo problematiza a importância do trabalho formal e os direitos para as pessoas com transtorno mental a partir dos resultados de pesquisa da Tese de Doutorado realizada com 17 participantes vinculados a dois projetos de inserção de pessoas com transtorno mental no município do Rio de Janeiro. Dentre os resultados, percebeu-se que, apesar dos efeitos deletérios provocados pela forma social que o trabalho assume no sistema capitalista e, em função da associação cultural e simbólica vigente no senso comum entre trabalho e normalidade, a inserção formal no trabalho figura no imaginário das pessoas com transtorno mental como atividade produtiva ideal, com capacidade de forjar pertencimento e reconhecimento social, independente do retorno monetário.

A temática do trabalho mobiliza estudos e pesquisas em diversas áreas do conhecimento. Por meio do trabalho o homem se originou enquanto ser qualitativamente distinto dos outros seres, elevando-se à condição de único capaz de forjar a realidade, ao invés de estar unilateralmente subsumido a ela (KOSIK, 2011).

No entanto, na formação social capitalista, o trabalho assume, além da condição acima indicada, um caráter distinto. Se, do ponto de vista ontológico, considera-se o trabalho como atividade fundante do ser social, na sociedade capitalista ele assume centralidade, dada a sua forma social específica e a sua relevância para a reprodução do valor (LUKÁCS, 1979; DUAYER, 2012; POSTONE, 2014).

Dada essa centralidade, o processo histórico que culmina com a transformação do trabalho de expiação à virtude – necessidade posta para a consolidação do capitalismo – contribui para forjar, no polo oposto ao imaginário social de valorização do trabalho, a identificação daqueles sem ocupação com a figura do vagabundo. É, pois, uma relação que opõe o trabalho como virtude ao não trabalho como indolência.

A servidão do trabalho foi assumida como o único caminho possível para a salvação dos homens, que não deveriam demonstrar resistência ao seu destino, sob o risco de incorrerem em novo pecado: a preguiça. A associação entre preguiça e pecado (a preguiça é elencada como sexto pecado capital) nutre, no imaginário social, representações negativas acerca do não trabalho, da ociosidade. Aquele que recusa, resiste ou não se insere no trabalho por qualquer outra razão que não as sancionadas socialmente é classificado como vagabundo, indolente e digno de condenação (concreta e simbólica).

Uma vez estabelecida a associação entre preguiça/ociosidade e pecado (o inconveniente e o proscrito) e instituído o trabalho como virtude, portanto, o seu agente como ser virtuoso e desejável, coloca-se a necessidade de se instaurar, no polo oposto, lugares sociais para aqueles que, por razões distintas, não se enquadravam na lógica societal do capital. No caso das pessoas com transtorno mental, quanto mais os novos ritmos de trabalho e de vida foram se instituindo com a consolidação do capitalismo, mais esse processo reforçava a marca da inutilidade que havia recaído sobre eles no referido sistema social. Associada à proscrição do ócio, foi preciso dar destino a esses sujeitos: o manicômio e a psiquiatria clássica acabam por operar a interdição social da loucura.

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Tathiana Meyre da Silva Gomes é assistente social. Doutora em Serviço Social (PUC-Rio) e Professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense.

FonteEm Pauta

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