A Assembleia Legislativa /RS aprovou no dia 16 de setembro de 2015 o Projeto de Lei Complementar (PLC) 303/2015 que institui a previdência complementar para os servidores públicos estaduais.
I. CONSIDERAÇÕES GERAIS
A mudança na previdência dos servidores públicos estaduais insere-se no longo processo de restrição de direitos dos servidores públicos quer federais, quer estaduais ou municipais, que tem o seu marco em junho de 1998, com a aprovação da Emenda Constitucional nº19, a chamada Reforma Administrativa, que colocou fim ao regime Jurídico Único, com o estabelecimento do emprego público, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho. Uma vez que apesar da exigência de concurso público para o provimento do emprego, o servidor público não terá direito à estabilidade nem à aposentadoria integral.
Na sequência tivemos a Emenda Constitucional nº20 que colocou como eixo da reforma da previdência o caráter contributivo, tanto para o servidor quanto para os entes federados, bem como a exigência de equilíbrio atuarial e financeiro para regimes próprios da previdência social.
Por fim em 2003 é aprovada a Emenda Constitucional nº41e com ela é modificada estruturalmente a previdência dos servidores públicos com o estabelecimento da previdência complementar que funcionará em regime de capitalização. Sendo mantida a previdência pública até ao limite do teto da previdência social, com o sistema de repartição simples.
É neste quadro que o executivo estadual do RS dá corpo ao projeto de reforma da previdência do servidor público estadual englobando-o no conjunto das medidas adotadas pelo Palácio Piratini para tentar enfrentar a crise financeira do Estado pelo viés de redução de direitos e garantias conquistadas pelos servidores.
Assim quando entrar em vigor a nova lei, os futuros funcionários públicos irão se aposentar com salários limitados ao teto do regime geral do INSS, atualmente fixado em R$ 4.663,75.E quem quiser ganhar mais do que isso terá de fazer contribuições extras para um fundo de previdência complementar, o RS-Prev.
Para quem já é funcionário do Estado, não muda nada. Hoje, os servidores públicos estaduais se aposentam ganhando aposentadoria integral – o valor do último salário – ou o valor da média de salários da carreira. A nova regra valerá para novos funcionários de todos os poderes, menos da Brigada Militar.
Muda a forma do servidor público se aposentar. Acaba com a garantia de que o servidor público se aposentava com o último salário e, a partir de então, incorporava os reajustes dos servidores da ativa.
A mudança na lei não afeta os futuros servidores com salários inferiores a R$ 4,6 mil, o teto da previdência. Entretanto entre os maiores prejudicados com a nova legislação de previdência complementar dos servidores públicos estaduais estarão os servidores que constitucionalmente tem assegurado o direito a se aposentarem com idade e tempo de contribuição inferiores aos 60 anos e 35 anos ordinariamente exigidos (mulheres, policiais e os professores), bem como os que percebem remuneração muito superior ao limite do regime geral da previdência social. Por exemplo um juiz em início de carreira, que começa recebendo cerca de R$ 17 mil mensais, irá para o quadro de inativos ganhando o teto da previdência se optar por não fazer contribuições extras. Para se aposentar com rendimentos semelhantes aos que ganhava quando estava na ativa, ele terá de contribuir para o fundo complementar.
A adesão ao RS-Prev não é obrigatória. O servidor poderá optar por fazer outras aplicações financeiras, por exemplo. É ele também que vai escolher a alíquota com que deseja contribuir, que incidirá sobre o valor salarial que ultrapassar o teto de R$ 4,6 mil. O Estado pagará uma alíquota igual, até o limite de 7,5%. O que o servidor receberá no futuro, quando estiver aposentado, dependerá de diversas variáveis. Ele não terá como saber previamente o valor que receberá quando parar de trabalhar, já que o regime é de contribuição definida e não benefício definido. Outro aspecto a destacar é o fato de a RS-Prev ser concebida como uma entidade de direito público, ao qual lhe foi atribuída personalidade jurídica de direito privado. Devendo ser repudia, sem dúvida alguma, a privatização do regime de previdência complementar por manifesta inconstitucionalidade. Oito estados – São Paulo entre eles – e a União já adotaram o regime de previdência complementar.
II. QUESTÕES PRÁTICAS QUE SE COLOCAM COM A APROVAÇÃO DA LEI DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR DO SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL /RS
Quais os servidores públicos que serão afetados pela mudança?
Apenas os futuros servidores que ingressarem no serviço público a partir da data de instituição da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público do Estado do Rio Grande do Sul (RS-Prev). As novas regras valerão para servidores dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público, do Tribunal de Contas, da Defensoria Pública e das autarquias e fundações de direito público. A nova lei não afeta servidores militares.
Como ficam os funcionários públicos atuais?
A nova lei não terá efeito para a aposentadoria dos atuais servidores. Os que ingressaram no quadro de funcionários do Estado até 1998 terão mantido o direito a aposentadoria integral, correspondente ao valor do último salário. Para quem se tornou funcionário público após 1998, o valor da aposentadoria será calculado conforme a média dos salários e tempo de serviço, como consta na Emenda Constitucional nº 20.
Quem vai administrar o fundo de previdência complementar?
O RS-Prev será uma fundação de natureza pública, sem fins lucrativos, e que terá personalidade jurídica de direito privado. Isto é, será uma entidade privada, sem vínculo com o Estado. O fundo será administrado por uma Diretoria Executiva, Conselho Deliberativo e Conselho Fiscal. A composição desses conselhos será formada por membros eleitos pelos beneficiários e indicados pelos patrocinadores (órgãos públicos), em igual proporção.
É obrigatória a adesão ao RS-Prev? Quem poderá aderir?
A adesão será facultativa. Em estados onde já há previdência complementar, muitos servidores têm optado por investir em outras aplicações financeiras e não fazem contribuições extras para a previdência. Nesse caso, quando os servidores se aposentarem, irão receber, no máximo, até o teto do regime geral do INSS.
Quem poderá aderir ao RS-Prev?
Poderão contribuir para o fundo novos e atuais funcionários públicos do Estado e também de prefeituras que aderiram ao programa. Atuais servidores que ganham menos que o limite do regime geral poderão fazer contribuições extras para fazer uma espécie de poupança. Para os que ganham mais do que o regime geral, a adesão ao fundo poderá garantir-lhes um ganho na aposentadoria mais próximo do salário da ativa.
Quanto será a contribuição dos servidores?
A alíquota de contribuição para a previdência complementar será definida pelo próprio servidor e incidirá sobre o salário dele, descontado o teto do regime geral da previdência (hoje em R$ 4,6 mil). O órgão do governo ao qual o servidor é vinculado irá contribuir com o mesmo percentual escolhido, até o limite de 7,5%. O que exceder esse limite não terá contrapartida do governo.
III. CONCLUSÕES
A lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul no último dia 16 de setembro de 2015, relativa à previdência complementar do servidor público estadual, padece de vícios jurídicos e técnicos que imputam aos atuais e aos futuros servidores enorme risco de redução da renda que perceberão após se aposentarem.
Dentre os maiores prejudicados encontram-se aqueles servidores aos quais a Constituição Federal assegura o direito a se aposentarem com idade e tempo de contribuição inferiores aos 60 e 35 anos ordinariamente exigidos, bem como os que percebem remuneração muito superior ao limite do regime geral de previdência social.
Finalmente, instituir um plano de previdência complementar sob alegação de garantir futuramente uma aposentadoria mais próxima do valor dos proventos da ativa, partindo do princípio de que o cidadão é educado para a poupança, em tempos de educação para o consumo é induzir o cidadão para uma armadilha futura. E se isso não bastasse instituir um fundo de pensão com recursos públicos (dos servidores e do Estado) para serem investidos no sistema financeiro privado, é mais uma vez alavancar o sistema bancário, afagar a espiral especulativa e se regozijar com a quebra de direitos e garantias dos servidores públicos.
Porto Alegre, 30 de setembro de 2015
MARILINDA MARQUES FERNANDES*
(*Advogada especializada em Direito da Seguridade Social, Previdência Social e Complementar. Assessora jurídica do SINDISPREV/RS).