A liberdade de Catedra como garantia de emprego do professor universitário privado

Muitos esforços da sociedade e da mídia têm sido envidados no sentido de trazer à tona o debate da educação pública e suas mazelas, que, aos quatros ventos sabido, tem poucos recursos direcionados para sua manutenção e desenvolvimento.

Por sua vez, na outra face da mesma moeda, o setor privado de ensino, protegido pelos mesmos setores da mídia que brandem por uma melhor educação “pública”, passa ao largo deste debate. Não obstante o silêncio acerca deste setor, criou-se no bojo do senso comum a premissa equivocada de que os docentes privados, e dentre estes os universitários que este trabalho se propõe discutir, contam com condições dignas de trabalho, assim como são “bem” remunerados. Apesar de aparentemente verossímeis, as premissas tidas por certas pelo senso comum não correspondem ao cotidiano dos professores.

A remuneração destes é precária, a jornada é particionada em ínfimas horas, em que poucos contam com regime de contratação integral, o que ao fim e ao cabo, acaba por submetê-los a desgastantes jornadas de trabalho em diversas instituições de ensino. Não bastasse isso, não contam com as mínimas garantias de livre ensino de seus conhecimentos e vivências pessoais.

Conquanto, nas propagandas, “visões” e “missões” das instituições privadas de ensino, reste assegurado a liberdade do professor ensinar seu conteúdo, com base na constitucional liberdade de cátedra, os docentes universitários, em não raras vezes, quando emitem seus juízos de valor e experiências de vida acerca dos conteúdos ministrados sob sua competência, vêm sendo “imotivadamente” demitidos. Esta prática é inconstitucional, senão também ilegal. Senão, vejamos.

A constituição federal, em seu art. 206, II, assegura a todos a liberdade de ensinar e aprender, que, no caso em apreço, materializa-se na garantia à liberdade de cátedra do docente. Esta consiste, sem maiores digressões, na liberdade do professor ministrar seus ensinamentos com base em suas convicções e métodos, ainda que dentro da política pedagógica da empresa.

Indo ao encontro do dito acima, o inciso V, do mesmo preceptivo destacado, dispõe que o ensino terá como princípio a valorização dos profissionais da educação. Ao assim dispor, a Constituição Federal deu coloração normativa diferenciada aos docentes, erigindo-os, como parte da doutrina e jurisprudência laboralista definem, “casta especial”1 de trabalhadores.

Assim, ao expressamente dispor como princípios basilares da Educação, a liberdade de ensinar e aprender, bem como a valorização do docente, a Magna Carta entendeu por dar destaque e proteção diferenciada a esta categoria.

Todavia, de nada adiantaria conceder a estes todo um arcabouço Constitucional, sem que nenhum efeito prático adviesse disso, assim surge o dever de motivação na despedida do professor universitário, que sob o prisma constitucional, conta com dois sólidos argumentes.

A um, a liberdade de ensinar e aprender, que, robustamente deve proteger a despedida do professor, não como uma estabilidade de emprego, mas sim como um mínimo de garantias de que sua despedida não será feita por mero alvedrio do corpo diretivo das instituições de ensino, que, inconformadas com as idéias externadas pelo docente, resolvam demiti-lo.

A dois, pela valorização do docente, que, inquestionavelmente, alcança a sua despedida. Não haveria falar-se em profissional valorizado, que, a qualquer tempo, sem motivo algum, pudesse ter seu contrato resilidido.

Condensando os dois argumentos vertidos acima, precisamente decidiu a 2ª Turma do TRT da 9ª região:

PROFESSOR UNIVERSITÁRIO – RUPTURA CONTRATUAL – MOTIVAÇÃO DO ATO – PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE CÁTEDRA O “princípio da liberdade de cátedra” (CF, art. 206, II), consiste em proteção constitucional que assegura ao professor a liberdade de ensinar, ainda que dentro da proposta pedagógica da universidade, e limita o exercício do direito potestativo do empregador, referente à possibilidade de dispensa imotivada. Neste passo, o sistema legal de ensino brasileiro permite interpretação no viés de conceder ao professor universitário estabilidade no emprego, isto decorre da hermenêutica constitucional, em cotejo com Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que asseguram proteção contra a dispensa arbitrária e sem justa causa. Neste diapasão, se a própria Lei Maior garante ao professor “liberdade de cátedra” e “valorização ao seu trabalho”, bem como estabelece que a iniciativa privada deve obedecer às normas gerais da educação nacional, podemos concluir que o professor universitário faz parte de uma casta especial de trabalhadores, principalmente em razão de sua importante função social. Encontram-se em jogo neste caso o dever da motivação do ato, inspirado nas normas constitucionais e no direito político do professor advindo do regime de delegação, cuja cidadania determina direito de saber os motivos da conduta da dispensa arbitrária. O dever de motivar, conforme citado pelo Professor Bandeira de Mello constitui exigência do Estado Democrático de Direito. (TRT-PR-11363-2005-009-09-00-1-ACO-18541-2009 – 2A. TURMARelator: ANA CAROLINA ZAINAPublicado no DJPR em 16-06-2009)

Não longe a Constituição Federal seja bastante o suficiente para estender aos docentes garantia de emprego, a Legislação infraconstitucional, especificamente em relação ao docente universitário, garantiu a motivação de suas despedidas.

Transcorridos oitos anos da promulgação da Magna Carta, o legislador infraconstitucional, disciplinando o sistema educacional brasileiro, criou a Lei de Diretrizes Básicas, também conhecida como LDB. No caso em apreço, o aludido diploma, em seu art. 53, parágrafo único, inciso V, dispôs que os professores universitários, para que possam ser demitidos, devem ter sua demissão submetida, a priori, ao crivo do Conselho Universitário. Destaca-se:

Parágrafo único. Para garantir a autonomia didático-científica das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários disponíveis, sobre:

V – contratação e dispensa de professores;

Conquanto o dispositivo não fale expressamente em dever de motivação, não paira dúvidas que este é imprescindível para a validade e eficácia do desligamento do docente universitário, vez que seria absurdo uma decisão do colegiado da universidade desacompanhada de motivos.

A exigência de motivação nas decisões do colegiado surge ainda com mais força diante das iterativas reclamatórias trabalhistas noticiando que os conselhos estariam homologando demissões já efetuadas, a priori, pelos reitores e diretores de curso das instituições privadas de ensino superior. Atitude esta, em franco menoscabo com os princípios educacionais erigidos na Constituição, e recepcionados na LDB.2

Ademais, pertinente destacar que a obrigatoriedade de observância da Lei de Diretrizes da Educação pelas instituições privadas de ensino advém da própria Constituição Federal, que, em clara dicção, dispõe que a educação poderá ser exercida por particulares, desde que observados os regramentos regentes do ensino nacional. Destaca-se:

Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I – cumprimento das normas gerais da educação nacional;

II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.”

Os dois regramentos já seriam suficientes para sufragar qualquer tentativa de demissão imotivada do docente, contudo, um terceiro argumento surge no horizonte: as instituições de ensino exercem suas atividades enquanto delegatárias de serviço público, que, por força disso, devem observar os princípios correlatos da Administração Pública, dentre estes, o da motivação de seus atos3.

Ainda que soe estranho subsumir as instituições privadas de ensino à categoria de delegatárias de serviço público, ou autorizatárias, a constatação não traz nada de novo, vez que as instituições privadas de ensino, em iterativas decisões dos tribunais pátrios, têm tidos seus atos permeados de abuso atacados por meio de Mandado de Segurança4.

Afora isso, a educação no Brasil é pública, sendo, excepcionalmente, delegada a particulares. É por força disso que estas instituições não funcionam como os demais empreendimentos do mercado, uma vez que exploram serviço público em caráter residual.

Corroborando o dito, é digno de nota julgado do STF, dando conta da função pública exercida pelas universidades privadas:

Os serviços de educação, seja os prestados pelo Estado, seja os prestados por particulares, configuram serviço público não privativo, podendo ser prestados pelo setor privado independentemente de concessão, permissão ou autorização. Tratando-se de serviço público, incumbe às entidades educacionais particulares, na sua prestação, rigorosamente acatar as normas gerais de educação nacional e as dispostas pelo Estado-Membro, no exercício de competência legislativa suplementar…” (ADIn nº 1.266, Rel. Min. Eros Grau, DJ 23.9.2005)”.

Tendo por base tal premissa, surge o dever de motivação da despedida dos docentes. Sendo o ato resilitório um ato emanado por uma delegatária de serviço público, óbvio é o dever de motivação deste, vez que a motivação é requisito do ato administrativo5.

Destarte, verificado o tratamento constitucional e infraconstitucional diferenciado, somado ao dever de obediência das instituições privadas de ensino aos princípios norteadores da Administração Pública, surge o dever de motivação na dispensa do Professor Universitário Celetista.

Primeiro, como uma garantia contida na liberdade de cátedra conferida aos docentes, segundo como um requisito de validade e eficácia do ato rescisório destes.

Assim, condensados tais argumentos, bem como ponderando que a restrição às demissões é política que tende somente a qualificar o sistema educacional brasileiro, inconteste o dever de motivação da despedida dos professores universitários celetistas.

Rodrigo Fernandes de Oliveira

1 TRT-PR-11363-2005-009-09-00-1-ACO-18541-2009 – 2A. TURMA

2 TRT 15ª – RO 01513-2006-043-15-00-8 – 2ª CÂMARA

3 A respeito da motivação dos atos administrativos, pertinente colacionar o conceito do Jurista Eros Roberto Grau: “ Exemplifico como um princípio do direito, descoberto na Constituição de 1988 – o da motivação do ato administrativo – normativamente tão denso quanto os da impessoalidade e da publicidade dos atos Administração, inscritos no seu art. 37, caput, e mais denso que o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado nos seus arts. 1º, III, e 17, caput. Daí a verificação de que também os princípio gerais do direito – e não será demasiada a insistência, aqui em que se trata de princípios de um determinado direito – constituem, estruturalmente, normas jurídicas.” (GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3. Ed. São Paulo: Malheiros, 1988.

4 STJ – Mandado de Segurança nº 15.022 – df – relator: ministro Gilson Dipp, data de julgamento: 09/11/2011, s3 – terceira seção

5 Adota-se, com efeito, o conceito de ato administrativo oferecido por Lúcia do Valle Figueiredo: “ É a norma concreta, emanada ou por quem esteja no exercício de função administrativa, que tem por finalidade criar, modificar, extinguir ou declarar relações entre este (o estado) e o administrado, suscetível de ser contrastada pelo Poder Judiciário (FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1998, pag.88

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