Enfim, após 24 anos, o Ministério da Saúde divulgou a atualização da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho, de modo que houve a incorporação de 165 novas patologias. De acordo com as informações do governo federal, a quantidade de códigos de diagnósticos das enfermidades passa de 182 para 347.
Nesse sentido, doenças como a síndrome do esgotamento profissional, também conhecida como síndrome de burnout, além da ansiedade e a depressão, foram incluídas nessa nova listagem da Portaria GM/MS nº 1.999, de 27 de novembro de 2023, que altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 5, de 28 de setembro de 2017, para atualizar a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho.
Consoante os termos de tal portaria ministerial, a lista tem por finalidade: I – orientar o uso clínico-epidemiológico, de forma a permitir a qualificação da atenção integral à Saúde do Trabalhador; II – facilitar o estudo da relação entre o adoecimento e o trabalho; III – adotar procedimentos de diagnóstico; IV – elaborar projetos terapêuticos mais acurados; e V – orientar as ações de vigilância e promoção da saúde em nível individual e coletivo.
Segundo o Ministério da Saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) atendeu quase três milhões de casos de doenças ocupacionais entre 2007 e 2022, de forma que 52,9% foram relativas a acidente de trabalho grave. Aliás, conforme a pasta ministerial, 26% das notificações guardavam relação com a exposição de material biológico, 12,2% com acidentes com animais peçonhentos, e 3,7% por lesões decorrentes de esforços repetitivos.
Por certo, o assunto é de grande importância para toda a sociedade, tanto que foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista da revista eletrônica Consultor Jurídico, razão pela qual agradecemos o contato.
Com efeito, considerando as atuais patologias inseridas na lista pelo Ministério da Saúde, torna-se imprescindível que a execução das atividades profissionais seja realizada em um meio ambiente do trabalho saudável, com uma gestão organizacional empresarial adequada.
A respeito desta temática, são os ensinamentos de Maria José Giannela Cataldi:
“O local de trabalho deve transcorrer num ambiente onde o inescusável direito à saúde deve ser garantido. Também é imprescindível a observância de normas de higiene, segurança e medicina do trabalho, no local onde as atividades fabris são desenvolvidas. Deve-se o local atender condições mínimas de meio ambiente, como direito fundamental de preservação de vida e da saúde dos empregados e da vizinhança.
Com as novas relações de trabalho, não mais se restringe o trabalho prestado no estabelecimento do empregador. Portanto o meio ambiente de trabalho não mais está fixado em limites geográficos e até temporais. Assim, surge a utilização da palavra ambiência, muito utilizada pelos arquitetos para definir a interação do ambiente, não apenas se referindo ao local ou espaço, mas também ao conjunto de elementos físicos, interpessoais, técnicos e psicológicos. A ambiência laboral vem sendo muito utilizada na organização do trabalho e nas relações hierárquicas, visando a preservação do trabalho saudável”.
Ora, é fato que com o surgimento das inovações tecnológicas, além dos impactos decorrentes da pandemia, houve uma mudança nas relações de trabalho, de sorte que o meio ambiente laboral também foi impactado. Não por outra razão, houve o aumento exponencial dos casos de adoecimento mental, cujas questões foram levadas à apreciação do Poder Judiciário.
A título exemplificativo, a Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro (TRT-1ª Região) determinou que uma empresa realocasse uma trabalhadora que foi diagnostica com síndrome de burnout em razão da sobrecarga e excesso de trabalho, e que, ao final, lhe ocasionou crises de depressão e pânico. A magistrada do caso, ao analisar a prova dos autos e os laudos médicos elaborados pelo INSS, com a indicação sobretudo do nexo de causalidade, concedeu a tutela de urgência para que houvesse readaptação da empregada, haja vista o risco de piora do quadro psíquico que a acometia.
Em outro processo, o Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT da 5ª Região) determinou que uma empresa situada em Salvador reintegrasse e indenizasse um trabalhador que fora demitido com a síndrome de burnout. Na decisão, o Regional entendeu se tratar de dispensa discriminatória, pois, não obstante o empregado ter sido acometido de um cenário de ansiedade generalizada e o esgotamento profissional, ainda assim acabou por ser dispensado após dois meses da apresentação de um atestado médico.
No mesmo diapasão, o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT da 3ª Região) condenou uma empresa ao pagamento de uma indenização por danos morais decorrente da dispensa de uma trabalhadora que apresentou um quadro de depressão grave. A trabalhadora fora afastada pelo INSS e, a despeito disso, foi também desligada sem justa causa logo após o retorno aos serviços. A Turma entendeu que a dispensa teria sido discriminatória.
Frise-se, oportunamente, que a síndrome de burnout afeta 30% dos trabalhadores no Brasil de acordo com uma pesquisa divulgada pela Associação Nacional de Medicina do Trabalho, sendo o excesso de trabalho uma das principais causas que desencadeia a doença.
Outra pesquisa realizada também concluiu que houve um aumento de 72% entre os anos de 2020 e 2022 das ações trabalhistas relacionadas com a síndrome do esgotamento profissional, sendo que o Estado de São Paulo é o que concentra a maior parte dos casos judiciais.
Do ponto de vista internacional, a Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que discorre sobre as questões atinentes a segurança, a saúde dos trabalhadores e o ambiente de trabalho, preceitua em seu artigo 3 que “o termo ‘saúde’, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho”.
Entrementes, a ILC. 110/Resolution I, aprovada em junho de 2022, na 110ª Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, trata-se de uma resolução que incluiu o ambiente de trabalho seguro e saudável no quadro dos princípios e direitos fundamentais no trabalho da OIT.
Logo, as empresas devem estar atentas e doravante preparadas para propiciar um efetivo meio ambiente laboral seguro e saudável, visando combater os riscos à saúde física e mental que atinge os trabalhadores.
Em arremate, é forçoso a mudança de hábitos e da cultura organizacional empresarial, a fim de atingir o equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional. Vale lembrar que um meio ambiente de trabalho saudável traz benefícios para todos os envolvidos, notadamente porque resulta num expressivo aumento de produtividade, engajamento, rendimento e comprometimento dos trabalhadores. Por isso, as empresas devem atinar mecanismos para assegurar o bem-estar físico, emocional e ambiental.