Em entrevista ao jornalista Daniel Scola, para Zero Hora, o Desembargador do Tribunal de Justiça do RS, Cláudio Luís Martinewski, especialista em matéria previdenciária afirma que temos de ver as contradições entre o que é dito e o que a experiência já demonstrou sobre o modelo proposto pelo Governo dr Jair Bolsonaro.
Confira a entrevista:
Representantes de 40 entidades de trabalhadores se uniram no Rio Grande do Sul para marcar posição contrária à proposta de reforma do sistema de aposentadorias e criaram a Frente Gaúcha em Defesa da Previdência Social. Na mesma trincheira, estão sindicalistas, políticos, juristas, técnicos e servidores públicos.
Esta coluna abriu espaço, nas últimas semanas, para entrevistados que defenderam a necessidade de uma reforma no sistema de aposentadorias. Desta vez, é o contraponto. O desembargador do Tribunal de Justiça (TJ-RS) Cláudio Luís Martinewski, representante dos juízes no movimento, é especialista em matéria previdenciária e pesquisou os diferentes modelos de aposentadoria em países que fizeram reformas recentemente.
Quais pontos o senhor discorda da reforma da Previdência e por quê?
A estrutura dela, de certa forma, representa uma extinção do modelo de Previdência adotado pela Constituição em 1988. Porque deixa tudo em aberto, ao desconstitucionalizar todo o sistema de Previdência, lançando para uma futura lei complementar que não tem definido o seu conteúdo. Representa uma fragilização, porque estamos assistindo ao debate a respeito da reforma no âmbito constitucional, o que exige uma série de movimentos para que seja alterada, como audiências públicas, quórum qualificado, dois turnos. Isso não ocorrerá em uma lei complementar, e, de certa forma, fragiliza qualquer matéria.
Fragiliza em que sentido? Garantia constitucional?
A questão da Previdência é um direito fundamental. O modelo hoje não é brasileiro, é baseado em experiências mundiais, entre eles a questão do financiamento, que é a grande questão, de fundo, que está sendo debatida nesta PEC.
CLÁUDIO LUÍS MARTINEWSKI
Desembargador do TJ
Isso. Quando se fala sobre Previdência, é sobre renda. E coisas como direitos fundamentais e limitações do sistema tributário estão na Constituição para trazer mais consistência, para que não possa ser mexido. A questão da Previdência é um direito fundamental. O modelo hoje não é brasileiro, é baseado em experiências mundiais, entre eles a questão do financiamento, que é a grande questão, de fundo, que está sendo debatida nesta PEC (proposta de emenda à Constituição).
O rombo da Previdência neste ano é estimado em mais de R$ 300 bilhões. Não há necessidade de ajuste?
Ajuste é preciso, como já foi feito nas emendas constitucionais 20, 41 e 70. A forma como está sendo colocada a desconstitucionalização, uma remessa para lei complementar que a gente não sabe o que vai acontecer, e a capitalização, significa desconstituir o modelo de proteção, que é a finalidade constitucional. Isso tem base de sustentação econômica. O Conselho Federal de Economia, por exemplo, discorda da proposta e diz que a promessa de que a reforma viabilizará o ritmo maior de crescimento, baseado em hipóteses como a chamada contração fiscal expansionista, é desacreditada pela grande maioria das macroeconomias e meios acadêmicos internacionais, porque acaba havendo crescimento, mas concentrado. Melhora a qualidade de vida para poucos. E é o que aconteceu no Chile.
Por que o sistema de capitalização não funcionaria aqui?
Temos de ver as contradições entre o que é dito e o que a experiência já demonstrou. A propaganda do governo diz que “precisamos economizar R$ 1,2 trilhão”. Só que a maior parte, quase R$ 700 bilhões, é do RGPS (Regime Geral de Previdência Social), e o restante é do setor público. Em nenhum momento está se falando do custo de transição da capitalização. O que é esse custo? Se estou saindo de um regime de solidariedade intergeracional, onde os atuais pagam por quem está hoje usufruindo do benefício, e estou quebrando esse sistema e criando um novo em que não haverá mais receita decorrente do novo sistema de capitalização, isso tem um custo. O Estado não pode deixar de atender esses benefícios que estão constituídos. É direito adquirido. Até que as pessoas morram nesse sistema que vai entrar em extinção, vai ter de haver o pagamento. Esse custo de transição não está sendo dito.
E quem perderia com isso?
Quem vai pagar os custos de transição, de R$ 6,6 trilhões no mínimo? Ou terá nova tributação, buscar nova fonte de receitas, ou vai haver endividamento público, a emissão de títulos. São as duas formas de enfrentar isso. Ou o crescimento econômico, que, no Chile, vimos que não resolveu a situação. Esta conta a ser aberta será uma individual.
O trabalhador, todo e qualquer empregado, discutirá a partir daí seu benefício, cujo básico é a aposentadoria, com os bancos. E com os bancos, além de tratar a questão do valor, de quanto no final da vida tu vais receber, vamos ter de discutir também questões como a própria taxação em cima dessa poupança. Porque o banco certamente não trabalhará de graça. Ele vai pegar esse dinheiro, ou o volume desse dinheiro, para fazer aplicações. No Chile, houve, em 2008, abertura para que administrações de fundo de pensão estrangeiras pudessem investir a maioria do valor arrecadado fora do país para ampliar rendimento. As empresas, grande parte delas americanas, investiam nos Estados Unidos. Veio o estouro da bolha e houve perda de grande parte do que estava aplicado. De 30 países que fizeram a capitalização, 18 já reverteram.
O senhor acredita que esta reforma não garantirá a sustentabilidade que o governo alega que terá?
Exatamente. No tempo do Delfim Netto, se falava no Brasil em aumentar o bolo para depois dividir. No início, é uma grande promessa de um bolo grande, que depois… (não se confirma). Porque, no sistema de capitalização individual, existe uma promessa de pagamento de benefícios que pode chegar a 70%, mas, se for 5%, tu não tens absolutamente nada do que reivindicar. Dependerá da sorte do sistema financeiro, das aplicações, e a gente viu o histórico brasileiro de fundos, quantos fundos brasileiros acabaram fechando.
E a idade mínima para aposentadoria não é razoável?
A idade mínima já existe. Todos os funcionários públicos já têm idade mínima. Na contribuição do RGPS, não há idade mínima, mas essa geralmente está ligada a quem começa muito cedo, aos 15, 16 anos. E quem começou a trabalhar era certamente porque precisou – se não precisasse, estaria estudando. Então havia certa justiça nisso. Até concordo com a idade mínima, que precisa ser permanentemente ajustada de acordo com a sobrevida após o preenchimento dos requisitos para aposentadoria.
Os governadores de Estados em dificuldades financeiras, como o Rio Grande do Sul, defendem alíquota extra para servidores. O que senhor acha disso?
O Rio Grande do Sul já fez o dever de casa. Em 2011, foi criado o Fundoprev militar e civil, de capitalização coletiva. Em relação a quem ingressou a partir da formação desse capital para garantir as aposentadorias, não se pode falar mais em déficit. Já há contribuição dentro da ideia de repartição de financiamento, não só do empregado, mas do empregador, que é o Estado, que é um modelo sustentável. Se criou o Fundoprev, mas ainda tinha a questão do benefício definido por média. Em 2016, no governo Sartori, foi aprovado o regime de previdência complementar, que reduziu o valor do beneficio até o teto do RGPS. Quem entrou no Estado a partir de 2016, receberá até o equivalente a R$ 5,8 mil. Quem quer ganhar mais, já está fazendo capitalização individual acima do teto.
Fonte: GZH