Reformas Trabalhista e Previdenciária – Direito perdido dificilmente é retomado

No último sábado, dia 5 de agosto, a Dra Marilinda Marques Fernandes participou de debate sobre as reformas trabalhista e previdenciária durante encontro de funcionários do Serpro no Sindppd/RS.

O advogado trabalhista que atende o sindicato, Délcio Caye, iniciou o debate apresentando questões do funcionamento dos planos de saúde dos empregados do Serpro, esclarecendo o que abrange o PAS, cuja manutenção foi conquistada através de negociação coletiva. O plano foi, inicialmente, de auto gestão, mas a empresa optou por alterar para plano da SulAmérica em 2001, o que acabou sendo um erro, pois a mudança ocasionou aumento dos custos e diminuição da cobertura. Os funcionários então ingressaram em juízo em todo o Brasil, mas apenas no Ceará e no Rio grande do sul obtiveram direito de retorno ao PAS, passando a ficar conhecido como PAS liminar entre os membros. Mas essa conquista não abrangeu todos os funcionários, apenas os empregados que já eram associados ao PAS anteriormente a fevereiro de 1998.

A preocupação do sindicato é que funcionários que mantiveram esse direito não abdiquem ou renunciem a ele por serem levados ao engano, por equívoco ou desconhecimento, uma vez que esse direito é assegurado por força da ANS (Lei 279), que garante a permanência nos planos de saúde, desde que se tenha participado do custeio do mesmo, através de desconto mensal. O tempo que se pode manter o plano depois de sair ou ser demitido da empresa dependerá também do tempo que o indivíduo trabalhou na mesma, sendo que quem trabalha no Serpro a mais de 10 anos tem assegurado o plano até o final da vida.

De acordo com Délcio, para o Serpro é mais vantajoso que todos migrem para o Cassi do que continuem no PAS, então, no momento da demissão, é importante que o funcionário assine um termo de manutenção e permanência no mesmo. Para fins da justiça, se a empresa não ofereceu o termo ao funcionário na sua saída, o plano deve permanecer, na ausência de manifestação considera-se que não houve desistência, devendo-se manter as condições atuais. A rede Cassi, que é o plano dos funcionários do banco do Brasil, é um plano de reciprocidade, e o governo quer acabar com esses planos. Para Délcio essa é uma disputa para assegurar a saúde, já que a rede está sendo esvaziada, com poucos médicos conveniados, principalmente no interior.

A Dra Marilinda Marques Fernandes, advogada especialista em direito da seguridade social, que atende o sindicato juridicamente nas questões de previdência social, iniciou sua fala comentando da necessidade de os trabalhadores estarem pressionando e intervindo nos órgãos de decisão internos dos planos de saúde coletivos.

Sobre a discussão da reforma previdenciária, Marilinda comenta que “esta estava na pauta do dia em meados de abril, com o povo nas ruas levantando bandeiras conscientes do plano terrível que essa reforma propõe, mas, ao entrar em jogo a reforma trabalhista e os casos de corrupção envolvendo o presidente Temer, o assunto saiu de foco. A aprovação da reforma trabalhista foi muito triste, os trabalhadores e a população não conseguiram barrar essa que foi uma derrota muito pior em suas consequências do que a da previdência será. Infelizmente, não houve solidariedade de classe e o discurso dominante na mídia de que a reforma aumentaria a quantidade de empregos, como uma solução mágica para dinamizar o mercado, não teve espaço de contraposição. O desemprego só vem diminuindo nos índices oficiais pelo aumento da informalidade, da crescente pejotização, dos contratos sem carteira assinada. Essa foi uma derrota grave que não gerou insurgência, sem muita possibilidade de reversão no judiciário, poder que é historicamente elitizado, instrumento de apaziguamento das lutas. A independência dos poderes só existe no imaginário do povo”.

A história mostra que, uma vez perdidos direitos conquistados, é muito difícil retomá-los. As conquistas obtidas no pós segunda guerra, de caráter trabalhista e previdenciário, estão sendo espoliadas da população, como foram no meu país, Portugal, onde, agora, estamos tentando reverter as consequências da austeridade, através de alianças entre os partidos de esquerda, mas ainda retomamos pouco perto do muito que já tivemos”. Para Marilinda, o resultado dessa onda de revogação de direitos é um maior individualismo, pouca consciência de classe, e a ideia do cidadão como consumidor e o consequente aumento dos planos de previdência privada.

A reforma da previdência proposta na PEC 287 propunha igualar idade mínima de aposentadoria em 65 anos para homens e mulheres do campo e da cidade, e aumentar o tempo mínimo de contribuição para 25 anos, além de o segurado ter de trabalhar 49 anos para obter 100% do salário de benefício quando da aposentadoria. Com a pressão popular alguns pontos da PEC foram modificados, e o tempo contribuição para receber o valor total do benefício será de 40 anos. A forma de cálculo do valor do benefício será a média de todos os salários de contribuição do indivíduo desde que ingressou no mercado de trabalho, e não mais a media dos 80% melhores salários desde 1994. A idade de aposentadoria inicial para mulheres será, se aprovada a PEC, de 62 anos.

A população rural é a mais afetada pela reforma, já que sua contribuição se dava a partir do pagamento de 2% do total da produção, dando cobertura previdenciária para toda família, e agora terão de contribuir mensalmente e individualmente com valor referente a 5% do salário mínimo.

A advogada comenta que esse clima de incerteza e de mudança faz com que grande contingente de pessoas procurem se aposentar às pressas, muitas vezes mal, perdendo benefícios, diferenciando aqueles que já têm direito adquirido dos que ainda estão em vias de aquisição. Quem já tiver direto adquirido de se aposentar pode esperar para ver qual cálculo será mais vantajoso para si.

Para Marilinda, o capital financeiro e empresarial não abrirá mão de mexer na idade e no tempo de contribuição, mesmo que dados mostrem que hoje já é difícil a população contribuir mais que 20 anos, em média, e agora, com a reforma trabalhista, será ainda mais, com o trabalho intermitente, a terceirização, e toda instabilidade na relação de trabalho que irá gerar diminuição da contribuição previdenciária. Isso já ocorre com as mulheres, que contribuem menos em razão da saída do mercado em função da maternidade, entre outras causas, levando mais tempo que os homens para se reinserir no mercado de trabalho. “Isso é um mergulho na barbárie, ninguém mais vai se aposentar, aumentando o número de sem-tetos. A população vai ser jogada para a assistência social. Com a aprovação da PEC 287, o BPC será a partir dos 68 anos”.

A pensão por morte não poderá mais ser acumulada com aposentadoria se a soma das mesmas exceder o valor equivalente a dois salários mínimos, sendo necessário que o beneficiário, nesse caso, opte por receber apenas uma delas.

Segundo Marilinda “o projeto de emenda constitucional não possui nenhum estudo atuarial. É um confisco, já que tira direitos que as pessoas que aderiram ao regime previdenciário pagaram para obter, e é perversa, principalmente por atacar a população na hora em que mais necessita de auxílio: na velhice, na doença e na morte”.

Neste sentido, para a advogada, “há um descolamento entre a economia e a política e um turbinamento da corrupção com injeção de recursos públicos no setor privado. Assim, os índices econômicos não servem como indicadores sociais confiáveis, apenas para a especulação financeira. Com o fôlego que o governo tomou depois da vitória que tiveram na última quarta feira, querem agora na mídia consolidar esse cenário com a reforma da previdência, que querem aprovar até outubro, deixando o mercado financeiro nacional e internacional satisfeito. É possível que mantenham foco na questão do aumento da idade e tempo de carência para aposentadoria e fatiem o resto da PEC para aprovar em leis ordinárias”.

Para Marilinda, “com essa reforma o governo corta os benefícios enquanto desvia quase 50% do PIB para pagamento do serviço da dívida, reduzindo o papel do estado com a PEC 95 que congelou gastos públicos por 20 anos, afirmando que a previdência é deficitária, mesmo quando os auditores da receita afirmam que a previdência social é superavitária, sem nunca cobrar as empresas que têm dívidas com INSS, nem falar de reforma fiscal, que taxe heranças e grandes fortunas. Nos poucos espaços que temos para contrapor essa mentira apresentamos dados, que estão nas redes, há a auditoria cidadã da dívida, a CPI da previdência no Senado, mas ainda precisamos mobilizar mais. Não podemos ficar quietos, temos que lutar, direito perdido dificilmente retorna, por isso precisamos que as pessoas mais carentes, moradores das periferias, tomem as ruas. O povo na rua é mais forte que a classe média paneleira”.

Ainda sobre a reforma trabalhista, o advogado Délcio Caye relembrou que o que mudou no paradigma do mercado de trabalho, e a previsão de que em breve os princípios constitucionais que ainda protegem os trabalhadores serão removidos, assim como a justiça do trabalho tenderá a minguar e a desaparecer, já que a reforma retira direitos processuais dos trabalhadores, além de praticamente acabar com as fontes de custeio da previdência social e do fundo de garantia. Os valores do FGTS irão para conta poupança do juízo render juros e será alvo de disputa, como exemplo dos depósitos da justiça comum que são utilizados pelos governos.

Para o trabalhador entrar na justiça com uma reclamatória trabalhista haverá custos, e se tiver dívidas de outros processos não pagas, não poderá entrar com o novo processo, as ações terão que apresentar desde o início o valor líquido pretendido e haverá prescrição de direitos adquiridos em processos parados a muito tempo. O ônus da prova nesses casos pode ser do trabalhador, dificultando ainda mais o acesso à justiça.

O trabalhador que não puder atender a um chamado de empresa onde está cadastrado para serviços intermitentes pode ser removido da lista, e aquele que confirmar um serviço e por algum motivo não puder comparecer deverá indenizar a empresa contratante. Não existe mais a contribuição sindical e os sindicatos não participam das negociações, prevalecendo a negociação individual sobre o legislado.

Com a reforma haverá rebaixamento de salários, com prevalência de trabalhos intermitentes, e autônomos. Para Délcio “é um absurdo o quanto a mídia reforça o discurso de que não há perda de direitos, sem espaço para argumento contrário, argumentando que a CLT é velha e atrasada, sendo que foi reformada diversas vezes desde sua promulgação em 1944. Os 10 mandamentos são mais antigos e menos questionados. Estamos retornando para a escravidão, a instabilidade e é um horror não poder planejar a vida, estar a disposição da empresa. Todos os pontos dessa reforma foram elaborados para facilitar o lado das empresas, escrito por empresários, para afastar sindicatos, prejudicar a previdência social, sem ter havido nenhuma discussão com a população”. Por fim, Délcio faz um chamamento para todos reforçarem a capacitação da militância para a disputa, divulgando dados, realizando seminários.

Texto e fotos: Carina Kunze

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