Dra. Marilinda debate erros e desacertos da reforma da Previdência na Femargs

A FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul João Antônio Guilhembernard Pereira Leite – promove ciclos de debates sobre temas atuais e no 30 de maio, a discussão foi sobre os efeitos da recuperação judicial para os créditos trabalhistas, com o Juiz do Trabalho do TRT4, Marcelo Papaléo de Souza, e sobre os erros e desacertos da reforma Previdenciária, com a advogada especialista em Direito da Seguridade Social, Dra. Marilinda Marques Fernandes.

Marcelo Papaléo de Souza palestrou sobre a obtenção de crédito trabalhista para empresas em situação de insolvência e formas de atuação frente ao devedor em recuperação judicial. “Passados 12 anos da legislação já há comissão pensando na reforma do atual regramento. Até 2005 ser a empresa concordatária não fazia diferença para o trabalhador. A partir de 2005 o legislador não parte do pressuposto de utilizar os meios rápidos de um devedor realizar o pagamento afastando devedor da atividade e vendendo o patrimônio para pagar as dívidas, falência e liquidação para satisfazer o crédito. A partir de 2005 isso se altera com a possibilidade da falência saneamento, ampliando para análise do terceiro interessado, o estado ou a sociedade. Com alteração de enfoque não se satisfaz só credor, mas se discute a manutenção da atividade da empresa com o princípio da preservação da mesma e do relacionamento com atividade. Não só salvar o gestor, empresário, mas preservar a geração de emprego e renda e o fornecimento de serviços. Há interesse do Estado em manter atividades viáveis e não apenas sujeitá-las à falência parar a pagar seus credores. Se a atividade é viável pode ser estruturada para produzir riqueza”.

O advogado trabalhista atua no interesse de o trabalhador ter o pagamento das suas dívidas trabalhistas incluso de plano de recuperação. Mas, na prática esses benefícios não se observam pois não se trata só de crédito trabalhista, e a ingerência do juiz trabalhista é limitada. No caso da prevalência da manutenção da atividade, o interesse do trabalhador é relativizado ou reduzido. Alternativas, relacionadas a jurisprudência do STJ, são importantes para execução do trabalho do defensor trabalhista. O credor trabalhista há que ser habilitado para receber a recuperação de crédito judicial. A lei fala que os credores e processos trabalhistas têm que ser apresentados e incluídos quando do requerimento da recuperação judicial, mas o crédito previsto trabalhista tem que estar na habilitação. Se o devedor não informou, os trabalhadores estão fora do processo ou são partícipes? Se está incluído no plano, o devedor tem que pagar no prazo de um ano, mas pode propor recuperação judicial com mais tempo, como no caso da Varig, que foi de 30 anos, aprovado unanimemente, sob argumento de que o devedor não teria capacidade de pagar e, ao mesmo tempo, garantir os empregos. A negociação trabalhista com devedores devem ser prioridade, pois se trata de verba destinada a garantia da subsistência, provavelmente a única fonte de renda do trabalhador”.

Habilitação, negociação e, em terceiro lugar, como cobrar. Se não se não se cumpre a negociação, o STJ delimita, a partir do caso da VASP, em ação do Ministério Público do Trabalho. A recuperação judicial foi delimitada pela competência da súmula 480 do STJ. A constituição do crédito na recuperação judicial tem como regra se utilizar a data da requisição do processamento, apresentada com as informações do trabalhador e, 60 dias depois, um plano deve ser entregue aos credores para observar os créditos existentes na data da requisição. A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo entende que o crédito se constitui no não pagamento do salário e não no fato gerador. Não é o entendimento da 4a região em relação à previdência, que não aceita tese de que a multa de 20% por horas extras é a partir do primeiro pedido e não a partir da data do cálculo, a partir da quantificação e não do fato gerador. Em Porto Alegre se entende que é a partir da habilitação, retornando à competência trabalhista se for constituído o crédito”.

Não está pacificado e nestes 12 anos se observa que a lei não é eficaz, pela limitação dos créditos envolvidos, excluindo instituições financeiras, por exemplo, que não se submetem à Lei 1101 de 2005 de recuperação e falência. Para reformular a lei querem ampliar a submissão do crédito e ampliação de quem pode solicitar, como pessoas físicas, como nos Estados Unidos e na Alemanha. Se pretende também aumentar a celeridade processual. Na prática há previsão de 6 meses para suspensão da moratória para reestruturação para poder fazer acordos com credores, passando esse período as execuções continuam, mas as decisões do STJ interpretam que não devem se manter em curso. Não se trata de o trabalho ser central, mas que seu crédito é diferente, com caráter de subsistência do trabalhador. Muitos acordos não são vantajosos para o trabalhador, defendendo empresas para se reestruturarem, mas é preciso negociar para haver menor prejuízo para o trabalhador. Negociação livre e a crença nas informações fornecidas pelos devedores são fragilidades desta legislação. O trabalhador tem que ser tratado de forma diferente dos demais credores”.

Marilinda Marques Fernandes debateu os erros e desacertos da reforma da Previdência, “que se coloca pelo executivo atual em uma estratégia apoiada pela reforma trabalhista e o congelamento de gastos com políticas sociais, não querendo torná-la mais forte, mas como um argumento para cortar os benefícios. Porém, os benefícios são as saídas das verbas e não as entradas. O custeio, de acordo com a previsão da Constituição Federal de 1988, não se dá somente com a folha de salários, há outras formas. A desvinculação das receitas da União aumentou para 30% no último ano, ou seja, não há um movimento sério de fortalecer a Previdência, assim como não há um plano de desenvolvimento para o país, e as reformas servem ao modelo da austeridade, aplicado em diversos países, como Portugal, que agora está a reaver essas medidas. A folha de salários é enxuta pois não há empregos e é preciso centrar o custeio da Previdência no lucro das empresas, em uma reforma fiscal. Estamos vivendo a 4a Revolução Industrial e haverá cada vez menos empregos, e as empresas lucram cada vez mais. Este é um os primeiros erros de encaminhamento dessa reforma”.

A PEC 287 trabalha com artigos que dizem que deve aumentar o tempo de contribuição de 15 para 25 anos e a idade mínima para aposentadoria para 65 anos para homens e 62 para mulheres urbanos, sendo que, no campo, será de 60 anos para ambos, que passarão a ter que contribuir mensalmente individualmente. Com 65 anos de idade e 25 anos de contribuição o indivíduo tem direito a 70% do salário de benefício. Para receber 100% do salário de benefício o trabalhador deverá contribuir por 40 anos”. Porém, questiona advogada, “onde está o cálculo e o estudo autorial técnico que comprove que com essa idade e tempo de contribuição será sanado o suposto deficit da Previdência. O argumento utilizado para igualar a idade de homens e mulheres é que essas vivem mais, desconsiderando a diferença de salários e de relações no mercado de trabalho, a função social da maternidade e atividade doméstica. Desconsidera-se também o fato de o Brasil ter, em diferentes estados, diferentes expectativas de vida, em alguns casos nem chegando aos 65 anos”.

Para Marilinda, “nada justifica os termos da PEC 287. O último desacerto é que o atual executivo retirou a Previdência Social do seu ministério próprio e colocou no Ministério da Fazenda, algo único no mundo, e a visão orçamentária e fiscaliza da Fazenda é que tem levado a cabo essa reforma, sem a preocupação com a função social da Previdência, constituída na lógica do Estado de bem-estar social, tratando de direito de não de gasto. O secretário Marcelo Caetano é consultor de empresas de previdência privadas e sempre esteve ao lado dos empresários. Mas não há que se ter medo de contribuir para a Previdência Social, o estado não quebrará, como podem quebrar as empresas de previdência privada”.

Para a advogada a solução não é fechar a saída de gastos, reduzindo ou dificultando o acesso aos benefícios, a exemplo do que fez a MP 739, que promoveu um pente fino nos auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, em mutirões de perícias mal feitas que se orgulham em dizer que excluíram 9 em cada 10 beneficiários, considerados fingidores.

Essa reforma atenta contra o princípio constitucional de não retrocesso de direitos sociais. Em Portugal a justiça barrou alguns aspectos das reformas utilizando este princípio, mas a composição do nosso Supremo não é favorável. As reformas são levadas à cabo sob a lógica da comparação com outros países, considerados exemplos, em referências absurdas de lugares que não têm os mesmos índices de desenvolvimento e a mesma desigualdade social que o Brasil. A reforma da Previdência, combinada com a reforma trabalhista, que propõe a terceirização, trabalho intermitente e a prevalência do negociado sobre o legislado, sem um combate à sonegação e as dívidas, além da não execução de ações e não repasse das verbas para Previdência pelas empresas, mostram que e trata de um governo de exclusão, de quem e para quem sustenta o capital financeiro em detrimento do direito da população”.

De acordo com Marilinda a PEC 287 praticamente acaba com aposentadoria por tempo de contribuição, pois “a maioria da população que conseguir, irá se aposentar por idade, e aqueles que não conseguirem irão para os benefícios de prestação continuada. A PEC também muda o cálculo do salário de benefício, baseado agora na média de todos os salários recebidos pelos indivíduos desde que entraram no mercado de trabalho. A reforma equiparará celetistas e servidores, não igualando-os por cima mas, ao contrário, retirando direitos. Haverá regras de transição com pagamento de pedágio de ate 30%”.

A pensão, que já foi modificada pela lei 11135 de 2015, tendo sido aumentado o tempo de carência necessário para obtenção do benefício, além do tempo de relacionamento necessário, de no mínimo dois anos, com uma escala etária para observar o tempo de recebimento do benefício, só vitalício para beneficiários a partir dos 44 anos, agora será de apenas 50% do salário de benefício, mais 10% por dependente, e não poderá mais ser acumulada com aposentadoria se o valor da soma dos benefícios receber dois salários mínimos. Isto, de acordo com o Marilinda, “é um confisco de verbas, que foram pagas pelos beneficiários para obter um benefício que lhes será negado”.

O benefício de prestação continuada será concedido aos idosos ou deficientes maiores de 68 anos e que tenham a renda familiar de um quarto de salário mínimo per capita. Marilinda comenta que “a PEC 287 de dezembro de 2016 determinava a desvinculação salário mínimo do BPC e da pensão, mas com a pressão popular ela se manteve. A maioria da população, com essa restrição de direitos das reformas, será excluída. Uma enormidade de cidades serão jogadas à miséria, não se assegurando a vida, a dignidade e a segurança necessárias, principalmente na velhice, na doença e na morte”.

Por fim, Átila Roesler, que coordenou a atividade, reforçou a necessidade de um estudo técnico que embase a reforma e a “necessidade de uma revisão das desonerações e dívidas da Previdência, das desvinculações das receitas da União e uma Auditoria da dívida pública, que fazem parte de uma grande política de rapinagem deste governo, como mostra estudo da Anfip sobre o uso das verbas da Previdência”.

Texto e fotos: Carina Kunze

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