Desemprego e desgaste mental: desafio às políticas públicas e aos sindicatos

desempregoEdith Seligmann-Silva

No Brasil, os impactos do desemprego sobre a saúde estiveram historicamente associados ao domínio da precariedade dos vínculos contratuais e das situações concretas de trabalho e, simultaneamente, às condições de vida precárias de grande parte da população trabalhadora. Após considerações sobre o desgaste e adoecimento mental do trabalhador, os impactos mentais do desemprego são examinados. A simultaneidade com que a precarização social coincide com a do trabalho resulta, reconhecidamente, em desamparo material e social. No texto, é apontada a existência de outra face: a do desgaste mental dos trabalhadores diante da vivência subjetiva do desamparo ou da ameaça iminente de que ele sobrevenha, como suscitado na insegurança dos que trabalham sob a instabilidade que se difundiu nas relações trabalhistas. O texto traz também constatações e reflexões sobre o tema a partir de estudos realizados durante crises econômicas do passado e do presente, inclusive no Brasil. Ênfase especial é dada em dois aspectos: a) a constatação de que a fragilização da saúde vem sendo adotada como critério demissional encoberto; b) o papel crucial desempenhado pelo seguro-desemprego para suporte dos desempregados e de seus dependentes, contrastando com repercussões de sua ausência – ao exame de duas crises econômicas da experiência brasileira. É pontuado que o retrocesso da política de proteção social torna-se contundente quando ocorre exatamente nos momentos em que a proteção é mais necessária, pois ela é essencial especialmente nas crises econômicas que trazem consigo uma recessão na qual o acesso a um novo emprego é mais difícil. Ao final, é assinalado o desafio colocado pela problemática com vistas à necessidade de impedir retrocessos sociais e à renovação das políticas públicas.

Introdução

O papel da vida mental é essencial tanto na construção e preservação da saúde geral quanto nos processos que a desgastam. Uma fonte importante desses processos diz respeito ao trabalho e só se tornou mais conhecida a partir da segunda metade do século XX.

Ao pensarmos na inteireza do que denominamos vida mental, é imprescindível considerarmos conjuntamente os aspectos individuais – biológicos e psicológicos – e a interação permanente em que a vida mental se transforma ao longo das experiências sociais. O trabalho ocupa um lugar fundamental nessa trajetória. Ao mesmo tempo que é fonte de subsistência para a grande maioria, é também de sentido para a existência. Trabalhar significa manter vínculo com a esfera social, fazer parte de uma comunidade, além de ser base para assegurar o sustento e o futuro da família. Dessa forma, a falta de trabalho ou a percepção de que o emprego está em risco pode configurar ameaça à estabilidade da vida mental, o que é tanto mais provável quanto menor for a possibilidade de acesso a um novo trabalho e o suporte financeiro, social e psicológico de cada um.

A relação entre desemprego e saúde é marcada pelas diferenças dos contextos políticos, econômicos e culturais de cada formação social. Tais diferenças pesam sobre o destino dos desempregados em busca de novo trabalho. Em países onde o sistema previdenciário ainda não se consolidou adequadamente foi demonstrada a importância do suporte familiar e dos apoios criados pelos próprios trabalhadores por intermédio de sindicatos, outras organizações ou mesmo de modo informal e solidário. Vale lembrar que no desgaste da saúde influem, além dos contextos sociais, aspectos individuais como formação, experiência profissional e a história singular de cada um, sem esquecer a importância das diferenças que envolvem questões de gênero, idade, etnia, origem social, grau de instrução, posição e responsabilidade na constelação familiar e, especialmente, ser ou não provedor.

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Edith Seligmann-Silva é psiquiatra, professora do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo.

Fonte: Revista Ciências do Trabalho, São Paulo, n. 4, p. 89-109, jun. 2015.

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