A Greve dos Petroleiros e o Lawfare Trabalhista

Por Tiago Muniz Cavalcanti e Juliana Teixeira Esteves

Uma decisão política contra uma greve que se presume política. É assim que pode ser descrita a liminar proferida pela Ministra Maria de Assis Calsing, do Tribunal Superior do Trabalho, que proibiu a paralisação das atividades no âmbito da Petrobras e de suas subsidiárias e fixou multa diária no valor de quinhentos mil reais por eventual descumprimento. A decisão, que faz uso de interpretações distorcidas da lei, é mais um exemplo do Lawfare que tomou conta dos tribunais brasileiros: a manipulação estratégica do sistema legal para fins políticos.

A proibição tem motivação única: o “caráter político” da greve. De acordo com seus fundamentos, o movimento paredista dos petroleiros não possui uma “pauta de reivindicações que trate das condições de trabalho”, reveste-se de “cunho essencialmente político” e “não tem sustentação na jurisprudência dominante” do Tribunal. A decisão parte, no entanto, de uma premissa equivocada, pois não se está diante de uma greve atípica com interesses estritamente políticos que fogem por completo da relação de trabalho. Em boa verdade, a pauta dos grevistas tem, sim, o propósito de reivindicar melhores condições de vida e de trabalho para a categoria, muito embora a paralisação produza efeitos reflexos no contexto político atual.

Se os grevistas exigem a redução dos preços dos combustíveis e do gás de cozinha, se demandam a manutenção dos empregos e a retomada da produção interna de combustível, se postulam o fim das importações da gasolina e outros derivados do petróleo e se denunciam a privatização e o desmonte do Sistema Petrobras – reivindicações tidas como de cunho político pela Ministra –, não é preciso fazer grande esforço intelectual para perceber que as medidas almejadas são capazes de interferir diretamente no grau de estabilidade profissional, na rigidez financeira e patrimonial da empresa e, com efeito, na viabilidade econômica patronal para honrar o cumprimento do acordo coletivo em vigência firmado com a categoria. Ainda que, de fato, haja interesses políticos acaçapados, é visível e indene de dúvidas sua conjugação com interesses econômicos, o que não poderia ser desconhecido pela Julgadora.

A decisão fere de morte o art. 9º, caput, da Constituição Federal que assegura o direito de greve aos trabalhadores, a quem compete “decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. O texto constitucional não poderia ser mais inequívoco ao estabelecer exclusivamente à classe trabalhadora a discricionariedade dos interesses defendidos, não sendo possível haver qualquer tipo de ingerência estatal capaz de restringir os motivos da deflagração.

Portanto, cumpre exclusivamente aos trabalhadores (e somente a eles), através de sua expressão coletiva, decidir sobre o objetivo da greve e os interesses por este instrumento tutelados, sejam de natureza profissional, econômica, ambiental, política ou social. Neste sentido, até mesmo as greves estritamente políticas, deflagradas como mecanismo de pressão em face do Estado – o que não é o caso, repita-se –, encontram amparo legal e constitucional, sendo de possível ocorrência prática.

Declarar a abusividade de movimentos paredistas com interesses políticos diretos ou indiretos é desconhecer por inteiro a origem e a história do movimento coletivo dos trabalhadores, que encontra na greve sua grande expressão de luta.

Não é de hoje que a linha de pesquisa em Direito do Trabalho e Teoria Social Crítica do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco, da qual os autores compõem o corpo docente e discente – um na qualidade de professor, e outro de aluno de doutoramento –, possui como preocupações acadêmicas o estudo aprofundado do instituto da greve.

Dedicada ao estudo do tema, a Professora Fernanda Barreto Lira enfatiza que, no alvorecer da Revolução Industrial, a greve era deflagrada para atender a dois objetivos: denunciar as barbáries decorrentes da exploração do trabalho humano propondo melhorias nas condições de vida da classe operária; e, de forma mediata, superar o próprio Estado Liberal. A greve se revestia, portanto, de caráter político-revolucionário dirigido à emancipação da classe oprimida. No entanto, como o Estado Liberal percebeu sua impossibilidade de interditar esses movimentos e reprimir o seu modelo de organização – os sindicatos – passou a emoldurá-los e restringi-los: a greve vai, aos poucos, perdendo seu caráter emancipatório e ganhando uma idiossincrasia predominantemente reivindicativa.

Esse balizamento ideológico se reflete exatamente no entendimento majoritário do Tribunal Superior do Trabalho no sentido de inadmitir a greve política e, a partir da decisão liminar proferida em face da paralisação dos petroleiros, também a greve econômica com efeitos políticos presumidos.

Com a decisão, a Ministra assume o protagonismo do jogo político e deixa de fora os atores que dele deveriam participar diretamente: os movimentos sindicais. Em poucas palavras, a decisão reserva a política somente aos políticos. E aos juízes.

Tiago Muniz Cavalcanti é Procurador do Ministério Público do Trabalho. Mestre e Doutorando e Direito.

Juliana Teixeira Esteves é Professora da Universidade Federal de Pernambuco. Mestre em Ciência Política e Doutora em Direito.

FonteJustificando

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